A IGREJA E OS FENÓMENOS PARANORMAIS
Arnaud
Dumouch, 1988
Tradução:
Maria do Carmo Silva, Janeiro de 2005
ÍNDICE:
PRIMEIRA PARTE: QUESTÃO DE MÉTODO........................................................................................... 4
CAPÍTULO 1: O que é um fenómeno paranormal?................................................................ 4
CAPÍTULO 2: A ciência face aos fenómenos paranormais.................................................... 5
CAPÍTULO 3: A fé face aos fenómenos paranormais............................................................ 7
CAPÍTULO 4: Onde está a fonte da Teologia?........................................................................ 8
SEGUNDA PARTE: AS CAUSAS DO PARANORMAL............................................................................. 12
CAPÍTULO 1: Deus, primeira Causa possível do paranormal............................................. 12
CAPÍTULO 2: os anjos, segunda causa possível dos fenómenos paranormais................... 15
CAPÍTULO 3: Os homens e o mundo visível.......................................................................... 21
TERCEIRA PARTE: OS FENÓMENOS PARANORMAIS.......................................................................... 29
SECÇÃO I: fenómenos paranormais de origem humana......................................................... 29
CAPÍTULO 1: A telepatia........................................................................................................ 29
CAPÍTULO 2: Os pêndulos e os vedores: o magnetismo cognitivo...................................... 31
CAPÍTULO 3: A telecinésia e os curandeiros-magnetizadores: O magnetismo eficaz........ 33
CAPÍTULO 4: O horóscopo..................................................................................................... 35
SECÇÃO II: fenómenos no limite do natural e do sobrenatural.............................................. 40
CAPÍTULO 1: A experiência de morte iminente (Near Death Experience)........................ 40
SECÇÃO III: Exemplo de fenómenos por vezes naturais, por vezes supra-naturais............. 46
CAPÍTULO 1: a viagem no astral, o desdobramento, a bilocação....................................... 46
CAPÍTULO 2: A levitação....................................................................................................... 48
CAPÍTULO 3: Aura e auréola................................................................................................. 49
SECÇÃO IV: Onde se fala dos anjos, dos demónios e dos espíritos dos mortos..................... 52
CAPÍTULO 1: Os anjos conhecem o futuro?......................................................................... 52
CAPÍTULO 2: O poder dos anjos sobre a matéria e sobre o homem................................... 54
CAPÍTULO 3 : Os espíritos dos mortos, seus estados e relações........................................... 55
CAPÍTULO 4: A necromancia e o espiritismo....................................................................... 57
CAPÍTULO 5: A vidência........................................................................................................ 64
A PROFECIA DE SANTA ODÍLIA........................................................................................................... 69
CAPÍTULO 6: Sonhos e premonições..................................................................................... 70
CAPÍTULO 7: As aparições..................................................................................................... 75
CAPÍTULO 8: Os êxtases ou raptos........................................................................................ 77
CAPÍTULO 9: Os fantasmas e as almas penadas.................................................................. 81
CAPÍTULO 10: A feitiçaria..................................................................................................... 85
CAPÍTULO 11: O exorcismo................................................................................................... 92
SECÇÃO V: As crenças modernas do Ocidente........................................................................ 98
CAPÍTULO 1: Os OVNI.......................................................................................................... 98
CAPÍTULO 2: A Reencarnação.............................................................................................. 99
SECÇÃO VI: O DEDO DE DEUS ESTÁ AQUI.................................................................... 106
CAPÍTULO 1: A conversão do coração................................................................................ 106
CAPÍTULO 2: Os Carismas................................................................................................... 107
CAPÍTULO 4: Os Milagres.................................................................................................... 111
CAPÍTULO 4: A Profecia e o Discernimento dos espíritos................................................. 113
CAPÍTULO 5: Os dons extraordinários............................................................................... 116
CONCLUSÃO...................................................................................................................................... 119
CAPÍTULO 1: Budismo tibetano e cristianismo.................................................................. 119
CAPÍTULO 2: Para além dos fenómenos paranormais...................................................... 121
INTRODUÇÃO: Porquê este livro?
Diz
respeito à Igreja
O problema dos fenómenos
paranormais diz respeito à Igreja ao mais alto nível. Fundada por Jesus Cristo
há 2000 anos, tem raízes nas civilizações que se contam entre as mais antigas:
a do povo Judeu, a da Mesopotâmia e a do Egipto. Herdou destas nações, da sua
epopeia milenar, o livro do Antigo Testamento que, tal como o Evangelho, abunda
em narrativas que relatam acontecimentos extraordinários. Os mestres do
judaísmo já tinham elaborado uma teologia muito detalhada, que permitia
discernir o que era divino. A Igreja, através de S. Paulo em particular,
assimilou muitos desses conhecimentos e acrescentou-lhes novas luzes, dadas
pelo Messias.
A Igreja católica fala,
portanto, de fenómenos paranormais, e fala muitas vezes com precisão. Fala mais
que as outras Igrejas, particularmente as protestantes, porque não baseia o seu
conhecimento apenas na Sagrada Escritura, mas também na tradição dos maiores
santos e teólogos, na confirmação dos papas e dos concílios. Não o faz apenas
com um objectivo intelectual, no desejo de aprofundar o conhecimento da
admirável beleza da criação. Fá-lo também com um objectivo pastoral, para
ajudar concretamente todo o homem que, por uma razão ou outra, é confrontado
com este tipo de fenómeno.
Portanto, o problema dos
fenómenos paranormais diz respeito à Igreja ao mais alto nível. E a Igreja,
desde a sua fundação, esforçou-se por dar aos homens os meios para discernirem
a sua natureza. Para nos convencermos disso, basta percorrer os grandes textos
editados desde há 2000 anos, a começar pelo Evangelho, os Actos dos Apóstolos,
os Padres da Igreja, passando por grandes teólogos como St. Agostinho, S. Tomás
de Aquino. Os próprios papas, muitas vezes se interessaram pelo problema, e com
razão: a Igreja permanece um lugar de milagres. Mas resta discernir que milagre
vem de Deus. S. Paulo dizia: “Discerni os
espíritos, não imponhais as mãos com demasiada pressa…”. Os longos
interrogatórios que precedem a canonização de um santo, o reconhecimento de uma
aparição, conduzem muitas vezes a dossiês onde se fala de levitações, de
êxtases e de carismas múltiplos.
As lacunas teológicas actuais são prejudiciais para
a vida cristã
É pena constatar que este
domínio foi deixado ao abandono desde há 30 anos. Porque a natureza tem horror
ao vazio, estes assuntos tornaram-se o pedestal de que se aproveitam as seitas
para espalharem os seus ensinamentos. Elas atribuem-se uma autoridade quase
divina sobre os seus adeptos, explicando com autoridade fenómenos que tomam a
seu cargo. Por vezes, chegam mesmo a realizar, diante de testemunhas,
maravilhas que suscitam a admiração. As seitas compreenderam bem a lógica do
maravilhoso, elas que baseiam muitas vezes a sua doutrina sobre pretensos
milagres ou aparições. Não fazem nisto senão imitar Jesus, que multiplicava as
curas, dizendo às multidões: “Se não
acreditais, acreditai ao menos por causa da minhas obras”. [1]
Durante a minha formação, um
professor comentava uma passagem bem conhecida do Evangelho[2]
a propósito de um exorcismo de Cristo: “Jesus
acabava de chegar de barco ao país dos Gadarenos, quando veio ao seu encontro
um homem da cidade, possuído por demónios. Desde há muito que não andava
vestido; também não habitava numa casa, mas em túmulos. Vendo Jesus, pôs-se a
vociferar, caiu a seus pés e disse com voz forte: que me queres, Jesus, filho
de David? Peço-te que não me atormentes. De facto, Jesus ordenara ao espírito
que saísse daquele homem. Porque, por várias vezes, o espírito apoderava-se
dele. Amarravam-no então para o segurar, com cadeias e entraves, mas ele
quebrava as cadeias e o demónio arrastava-o para lugares desertos. Jesus perguntou-lhe: Como te chamas? Legião,
respondeu, porque muitos demónios tinham entrado nele e suplicavam-lhe que não
lhes ordenasse que se lançassem no abismo. Ora, havia ali um rebanho de porcos,
a pastar na montanha. Os demónios suplicaram a Jesus que os deixasse entrar nos
porcos. Ele deixou-os. Saíram então daquele homem, entraram nos porcos e estes,
do alto do penhasco, precipitaram-se no lago, e afogaram-se”[3].
O professor, com autoridade, explicou que tínhamos aqui um caso típico de
doença psicológica, que metaforicamente o Evangelho chama demónio, e que Jesus, como bom psicanalista, soube curar. Depois de
reflectir, disse para comigo que este professor negava todo o carácter
supra-natural, apesar da evidência dos factos. Este professor relegava para as
catacumbas do obscurantismo medieval, muitos tesouros da Igreja.
Inversamente, lembro-me de
uma mãe de família que dava catequese numa paróquia. Era uma mulher de fé,
dotada do sentido apurado da oração e ávida de se formar em teologia. Tinha
comprado um livro que lhe parecia de grande autoridade, porque escrito por um
padre, o Padre Brune. No livro, ele expunha a experiência extraordinária que
fez: a da comunicação com os mortos. Este padre, célebre pelas suas vária
passagens na televisão, mostrava que era possível contactar um espírito e que
este tinha o poder de responder em directo, inscrevendo a sua imagem sobre um
ecrã de televisão ou a sua voz numa fita magnética. Esta é uma experiência
fabulosa, em que uma testemunha directa do além conta o que vive. É também uma
experiência muito sedutora.
Perante certas afirmações
estranhas da catequista, li o livro. Fiquei, ao princípio, com admiração pela
grande fé do Padre Brune, pela sua confiança de criança. Depois, fiquei
espantado por ver que muitas vezes a sua atitude não era: “Creio em Jesus e em
todas as verdades que ele nos revelou pela sua Igreja”, mas “Creio em vós,
espíritos, e na maioria dos ensinamentos que vós me dais, desde que sejais
unânimes em apoiá-los!” Finalmente, fiquei preocupado por ver aparecer diversas
doutrinas espantosas, apaixonantes, mas conduzindo o Padre Brune a um caminho
bem afastado da fé católica.
Perante a atitude oposta de
um professor de teologia que não mais ousa acreditar nos espíritos com medo de
ser tido como um ingénuo, e de um padre que acredita em tudo porque viu
aparecer um espírito, perguntei-me o que poderia fazer um cristão ávido de saber,
ou mesmo um homem da rua desejoso de saber em que acreditam os cristãos. A
maioria das emissões televisivas e radiofónicas, não dão senão um único ponto
de vista sobre o assunto, o do maravilhoso. O jogo consiste mais em atrair
audiências que em estabelecer uma verdadeira investigação, expondo os factos,
criticando-os com a ajuda de uma metodologia científica ou filosófica, e
expondo a opinião oficial das diversas religiões.
Se a chave do conhecimento
foi, nos nossos dias, escondida por alguns ou perdida por outros, é apesar de
tudo urgente, face à emergência das novas religiosidades, recordar o que os
maiores santos da Igreja católica, o que os maiores teólogos constantemente
sempre ensinaram. Existem, sem dúvida, fenómenos paranormais novos, específicos
do século vinte e de que ninguém falou. Tentarei então dar a minha opinião
pessoal, assinalando sempre quando falo apenas em meu nome. Penso, por exemplo,
no fenómeno dos O.V.N.I., que surgiu depois da guerra de 1939-45 e que será
estudado numa perspectiva que apenas me compromete a mim.
PRIMEIRA PARTE: QUESTÃO DE MÉTODO
Esta parte não diz respeito
senão às pessoas desejosas de se instruírem sobre as origens do que será dito
em seguida. Trata do que especifica e torna tão apaixonante e aberta, a
teologia católica.
CAPÍTULO 1: O que é um fenómeno paranormal?
Os fenómenos paranormais são
extremamente variados e numerosos. Antes de fornecer uma lista, convém tentar
definir o que se entende com esta expressão.
Um fenómenos é um
acontecimento exterior visível. Têm portanto a faculdade de atrair
imediatamente a atenção dos homens. Este fenómeno é chamado paranormal, quando
sai das leis habituais da natureza. Não é “normal”. Suscita imediatamente o
espanto e, mesmo, a admiração.
Ora, as leis “habituais” da
natureza não são as mesmas, segundo as épocas. Não estou a dizer que a natureza
muda as suas leis mas que o homem, à medida que penetra no conhecimento do
mundo, descobre outras leis, outras propriedades e utiliza-as. Deste modo, faz
passar certos fenómenos do paranormal ao normal. Tomemos o exemplo da
televisão. Um homem do século dezoito, confrontado com aquela caixa onde vive e
fala uma série de gente, concluiria, e não lhe poderíamos levar a mal, que se
tratava de um fenómeno paranormal. E não nos espantaria ver esse homem atribuir
ao fenómeno, imediatamente, uma causa sobre-humana. A hipótese da acção do
demónio vir-lhe-ia em primeiro lugar à cabeça, sobretudo se por acaso a
experiência o colocasse diante de um dos nossos filmes modernos de horror.
Talvez pensasse em anjos, se o filme se chamasse “Jesus de Nazaré”. Mas não lhe
ocorreria que este fenómeno seria simplesmente o fruto do engenho humano. A
ciência do século vinte fez sair do domínio do paranormal as ondas
electromagnéticas. Seria mal visto, portanto, escrever num livro datado de
1990, um capítulo sobre a televisão. Pelo contrário, teria perfeitamente lugar
num tratado do século dezoito.
O nosso estudo está, pois,
situado no tempo, como está situada no tempo a noção de fenómeno paranormal. No
final de contas, chamamos fenómeno paranormal a todo o acontecimento de que a
ciência oficial, no actual estado do seu progresso, não explica a causa.
Neste domínio imenso,
podemos distinguir três grandes grupos. Primeiramente existem os fenómenos que
a ciência positivista[4]
se recusa, a priori, a reconhecer a
existência. Para ela, a questão do estudo de tais fenómenos não se coloca
sequer, porque à partida recusa a possibilidade de que existam. Justifica a sua
atitude pelo facto de se colocarem no domínio pouco nítido da psicologia
humana. Não seriam reprodutíveis, portanto, não são aptos a ser cientificamente
estudados. É esquecer bem depressa que, desde há décadas, graças ao cálculo das
probabilidades e da estatística, a psicologia adquiriu o estatuto de uma
ciência humana. É esquecer também que a filosofia realista, aquela que na
escola de Aristóteles procura a verdade, dispõe de muitos outros métodos que o
cálculo, para alcançar um estudo científico. Classificaremos neste primeiro
grupo a vidência do futuro (ou profecia), a feitiçaria, as aparições, os
milagres, o fenómeno O.V.N.I., e muitas outras questões que todas têm em comum
fazer referência a um mundo paralelo, feito de espíritos ou de entidades
desconhecidas até agora. Se os espíritos existem, não são materiais e portanto
mensuráveis. Quanto aos extraterrestres, não são senão a forma moderna da
crença nos espíritos. Compreende-se que escapem ao domínio da ciência positiva
que, por metodologia, não deve acreditar senão naquilo que mede. Mas, é mais
fácil negar aquilo que nos escapa que confessar a nossa incapacidade para o
investigar.
Um segundo grupo de
fenómenos presta-se a ser mensurável. Experimentalmente, podemos verificar a
sua existência pelos seus efeitos e calcular a sua probabilidade, seja para os
negar, seja para os confirmar. Entram então no campo de visão da ciência
oficial mas, como ela não encontrou soluções para explicar-lhes a causa,
desconfia deles, envolve-os de um halo de cepticismo e de crítica. Não são,
para ela, uma forma de proteger a sua imagem de marca, que se pode por vezes
exprimir deste modo: “conheço tudo, explico tudo”. Classificaria neste grupo a
telepatia, a telecinésia, a astrologia, o vedor e muitos outros fenómenos deste
género.
Os fenómenos de um terceiro grupo
podem ser qualificados de paranormais, no sentido em que cabem na definição
dada mais acima. Saem das leis habituais da natureza e a ciência não os
explica. Mas estas questões são de tal modo fundamentais, que a ciência
moderna, mais uma vez preocupada com a sua imagem, tem dificuldade em confessar
que não está senão no estádio das hipóteses. As suas hipóteses neste domínio,
assemelham-se muito a um castelo feito de mármore e pedras preciosas, mas cujas
fundações são de cartão. Pretendo falar das questões da existência da natureza,
do aparecimento da vida, do aparecimento do homem. Este terceiro grupo de
questões não será abordado aqui[5].
CAPÍTULO 2: A ciência face aos fenómenos paranormais
Esta crítica da ciência
oficial pode parecer exagerada. No entanto, não há senão o que é normal neste
tipo de afirmações. São mesmo necessárias para o progresso do conhecimento. A
ciência não evolui em novos domínios senão pela audácia da juventude, que sabe
pôr em causa a tendência dogmática dos mais velhos. Será sempre assim. O facto
de lavar as mãos antes de praticar um parto, provocou a perseguição de um
obstetra do século dezanove. Este clima é real e muito pesado. Atrasa
consideravelmente as investigações nestes domínios novos. Certas nações ousam,
por vezes, sacudir o jugo. A URSS, nas suas últimas décadas, interessou-se
pelos fenómenos do tipo 2[6].
São conhecidas as experiências de telepatia tentadas a bordo de submarinos para
fins militares. Os USA procuraram uma maior honestidade no grupo 3. Certos
Estados americanos não hesitam apresentar nas suas Universidades, duas
hipóteses para o aparecimento da vida: evolução e criação evolutiva, acaso das
leis da matéria, ou Inteligência organizadora do mundo.
Quanto à Europa, está bem cá
para trás. Estes últimos anos mostraram-nos como as coisas pouco mudaram depois
de Augusto Comte. Recorde-se a forma rápida e muito pouco científica como foi
classificado o estudo do Sudário de Turim. Este pedaço de tecido, com a marca
de um corpo humano, era considerado pela devoção popular como a verdadeira
mortalha de Cristo. Desde há um século que a ciência o estudava com paixão. O
mistério da formação desse negativo fotográfico intrigava-a. Porque se trata
efectivamente de um mistério que, aliás, permanece por explicar.
Infelizmente para o sudário
de Turim[7],
situava-se ao mesmo tempo entre os fenómenos de tipo 1 e de tipo 2: do tipo 1
porque colocava, só por si, a questão da ressurreição de Deus, em suma, toda
uma séria de assuntos arrumados; do tipo 2, porque era mensurável, palpável.
Representava pois um perigo para os a
priori do pensamento humanista ateu, na moda: demonstrar, ou pelo menos
sugerir, a existência de um domínio que jamais se poderia medir, de um domínio
imaterial.
Este sudário era
verdadeiramente o de Cristo, tal como S. João o viu na manhã de Páscoa, dobrado[8]?
Para responder a esta pergunta, era preciso pelo menos datá-lo. Vários métodos
foram utilizados: o estudo da trama do tecido provava o seu fabrico no Médio
Oriente, por um objecto de tecelagem contemporâneo de Jesus. O estudo dos
pólens prisioneiros nas fibras demonstrava a sua passagem pela Palestina antes
do ano 70 depois de Jesus Cristo (data da destruição do Estado Judaico pelos
Romanos e da modificação, por falta de irrigação, da sua flora habitual). Para
não importa qual múmia Egípcia, estes dois caminhos teriam sido suficientes
para uma datação com o rótulo de científica. Não estamos a ver um falsário da
idade média a salpicar uma falsa múmia feita por ele, com pólen de plantas que
viveram 3000 anos antes. Para o Sudário, não foi assim. Era preciso multiplicar
as provas ao infinito. A ciência não fazia senão o seu trabalho, ao procurar
datá-lo através de um teste de carbono 14[9].
Três laboratórios encontraram uma datação semelhante: o século doze.
Falava da existência de uma
mentalidade científica e positivista. Vemos a sua marca, não nesta experiência
do carbono 14, mas na forma como esta ciência o utilizou: o Sudário foi de
imediato e irremediavelmente declarado obra de um falsário da Idade Média. O assunto
foi encerrado e permanece oficialmente fechado aos olhos do grande público.
Podemos agora cantar um hino à ciência rainha que soube bem, mais uma vez,
desmascarar a desonestidade. Este falsário da Idade Média conseguiu, pois,
arranjar uma peça de tecido de 4 metros por 2 metros, feita sobre o modelo
exacto daquelas que se fabricavam 13 séculos antes. Crucificou um homem, ou
antes, vários, uma vez que teve que retornar a descobrir a técnica da cruz, que
consiste em enfiar os pregos nos pulsos e não nas mãos, como se pensava então.
Fez rolar o cadáver no tecido, e obteve, por um processo alquímico que só ele
conhece, uma marca perfeita. Depois, retirou o corpo, sem deslocar uma única
fibra de tecido, apesar do sangue coagulado das feridas. Mas o máximo do seu
génio, foi o de polvilhar este esplendido resultado, com pólen de plantas que
viveram na Palestina no tempo de Jesus, depois, de plantas de Antioquia, de
Constantinopla e, finalmente, da Europa (segundo as épocas). Eis, no entanto, a
hipótese oficial da ciência. A cada um de julgar…[10]
CAPÍTULO 3: A fé face aos fenómenos paranormais
Nos anos setenta, milhares
de jovens partiram da Europa e foram para o Extremo Oriente, para o Nepal e
para o Tibete. Tinham ouvido dizer que existia aí, quase intacta, uma Sabedoria
multi-milenar, capaz de responder a todas as questões e de matar todas as sedes
de felicidade que o velho Ocidente não conseguiu senão exacerbar-lhes. Quase
todos voltaram, decepcionados, incapazes que foram de entrar naquelas
espiritualidades, de tal modo pouco feitas para eles. Muitos, depois de se
terem lançado com entusiasmo nos exercícios de ascetismo próprios do Budismo,
caíram no extremo oposto e voltaram escravos da droga. Os mais equilibrados
souberam moderar-se e descobriram riquezas espirituais que relataram. Que
aconteceu então à sabedoria do Ocidente? Não puderam eles encontrar entre os
seus próprios monges, entre os padres, aqui mesmo na Europa, o gosto do sagrado
de que pareciam ávidos? Esta sabedoria Ocidental era, no entanto, tão antiga,
tão venerável quanto a do Budismo: perto de 4000 anos desde que um velho homem,
criador de gado junto da metrópole de Ur, na Caldeia, tinha ouvido a voz de
Deus: “deixa o teu pais, os teus parentes
e a casa de teu pai, pelo país que eu te indicar. Farei de ti uma grande nação”.
Era a voz de Deus que falava directamente a Abraão, o pai de todos os que,
depois dele, acreditaram. Que aconteceu à sabedoria do Ocidente? Sabedoria
muito mais antiga que a de Buda, que não era senão um homem… Sabedoria tão
antiga quanto Deus… Sabedoria dada gota a gota durante dois mil anos, por
intermédio de milhares de profetas, Sabedoria entregue a jorros durante três
anos pela própria voz que falou a Abraão, a voz de Deus feito homem, Jesus
Cristo; Sabedoria vivida durante 2000 anos por povos inteiros; Sabedoria capaz
de lançar monges para o deserto, de fazer brotar catedrais da terra, de enviar
à morte gerações de mártires. “Não a encontrámos, disseram esses jovens, quando
a fomos buscar noutro sítio”.
No entanto, esta Sabedoria
existe, e não perdeu nada do seu poder. Está simplesmente escondida. Mesmo se
os homens do Ocidente não mais acreditam, na sua maioria, no facto de que essa
mensagem vem de Deus, ela nem por isso é menos mantida, vivida no coração de
alguns, com toda a força da sua juventude e da sua antiguidade. Ela fala, antes
de tudo, de Deus. Mas, para o fazer melhor, fala do homem e conta-nos a sua
origem, revela-lhe quem ele é e porque foi feito. Fala também do universo e da
ordem sublime, mas misteriosa, que nele reina.
Esta poderosa mensagem,
poderia parecer não ser senão uma mitologia entre outras, que o tempo e a razão
acabariam um dia ou outro por eliminar. Cada um que decida… Alguns têm a sorte
de poder recebê-la acreditando realmente, profundamente, que ela é a Palavra de
Deus. Esses têm muita sorte. Têm fé, essa fé que é um dom de Deus. Esses,
experimentaram um dia a Sua presença e é-lhes fácil acreditar na Sua palavra,
porque já o amam. Tornaram-se como crianças que escutam a mãe, porque sabem que
a mãe não os pode enganar.
Àqueles que não acreditam, a
mensagem cristã merece também ser apresentada em toda a sua riqueza. Esses,
recebê-la-ão, sem dúvida, com o mesmo olhar que dirigem a outras veneráveis
tradições. O essencial não é que lhe conheçam a riqueza tal como ela é,
independentemente das acomodações passageiras introduzidas por certos teólogos?
Têm o direito de conhecer a mensagem cristã na sua fonte.
CAPÍTULO 4: Onde está a fonte da Teologia?
Quando, nos anos setenta, os
jovens partiram à procura da espiritualidade budista mais pura, não foram
informar-se junte deste ou daquele erudito de uma faculdade. Deslocaram-se aos
locais e, para aqueles a quem fascinava o lamaísmo do Tibete, foi junto do
Dalaï Lama que se informaram. Nisso fizeram bem e evitaram o risco de perderem
o seu tempo. Foram à própria fonte desse budismo tão particular. Na tarefa que
é a nossa e que consiste em procurar o ensinamento cristão mais profundo sobre
os fenómenos paranormais, é preciso fazer a mesma coisa. Esta atitude é muito
importante, sobretudo se olharmos a multidão de teologias que se denominam
cristãs. Existem de todos os tipos, e todas se reclamam da Bíblia. Os Raélicos
não conseguiram ler nela a presença dos Elohim, esses homens do espaço que se
manifestam hoje nos seus discos voadores? As Testemunhas de Jeová não
demonstraram que Jesus não foi crucificado mas enforcado num poste? Os teólogos
da libertação não encontraram no Magnificat de Maria, o primeiro convite à luta
de classes?
Qual é então a fonte da revelação?
Onde encontrar a plenitude da mensagem cristã com a segurança de ir o mais
fundo possível?
Todos os cristãos estão de
acordo numa coisa: a fonte única da revelação é o próprio Deus. É ele, o Deus
Todo Poderoso, Criador do Céu e da terra quem falou: “Quando um silêncio tranquilo envolvia todas as coisas e que a noite
chegava ao meio do seu curso, a tua Palavra divina lançou-se do trono real”[11],
assim fala a Sabedoria, na Bíblia. A soma destas palavras divinas forma este
monumento, esta selva que representa o livro mais lido no mundo, a Bíblia.
Aqui, pára, em sentido lato, a unanimidade dos cristãos. É pouco e é muito. É
pouco porque a Bíblia é um jardim inextricável para aquele que se aventura nele
sozinho. Diz muitas coisas e parece contradizer-se umas linhas adiante.
Finalmente, um hábil retórico, pode fazer com que ela ensine o que ele quer.
Como escolher, por exemplo, o verdadeiro retrato de Jesus? É aquele onde Ele
próprio se apresenta: “vinde a mim, vós
que estais cansados e esmagados sob o fardo, que eu vos aliviarei, porque sou
manso e humilde de coração”, ou este
outro, esboçado pelo evangelista João no livro do Apocalipse: “a sua voz é como o ruído das água e da sua
boca sai uma espada de dois gumes, e o seu rosto, é como o sol que brilha em todo
o seu esplendor”[12]?
Segundo o gosto e o estado de humor de cada um, nada impede privilegiar um ou
outro, de fazer de Jesus um cordeiro manso (à maneira dos quietistas) ou, pelo
contrário, um juiz terrível (à maneira dos jansenistas). Que se não fez em nome
da Bíblia, palavra de Deus? Que se não ensinou?
Como, então, encontrar a
verdadeira interpretação? Como estar seguro de que se alcança o pensamento de
Deus, de não o confundir com as nossas próprias aspirações? O próprio Jesus
responde a isto em dois textos complementares: “Quanto a ele, o Espírito Santo, ele vos introduzirá na verdade
completa”[13] e
“Pedro, tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja…”. “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para
vos joeirar como o trigo. Mas eu rezei, para que a tua fé não falhe. Tu, pois,
quando voltares, confirma os teus irmãos”[14].
O primeiro texto mostra que ninguém pode realmente compreender a palavra de
Deus se o Espírito Santo, que está no autor, não o ilumina. É preciso ser
inspirado para compreender a palavra inspirada. É verdade, já, ao nível da
poesia. Todos experimentam que é preciso um certo clima, um certo estado de
espírito para saborear um poema. No que toca à palavra de Deus, é ainda mais
verdade, sobretudo se compreendermos que existe um abismo entre os pensamentos
dos homens e os de Deus. A palavra de Deus é um jardim bem fechado, uma fonte
selada, reservada àqueles que vivem com Deus. A oração é a chave. A segunda
palavra citada mais acima, vem completar e rectificar o que podia haver de
insuficiente na primeira. Com efeito, é fácil confundir a inspiração do
Espírito Santo com o nosso próprio imaginário. Psicologicamente, os efeitos são
os mesmos. Foi por isso que Deus estabeleceu uma referência objectiva, um
Magistério[15]
com que se comprometeu a proteger do erro, a tornar infalível: “rezei para que a tua fé não falhe”[16].
É importante compreender o
que se entende por infalibilidade do Papa. Nenhum homem é infalível por si
mesmo: mesmo Pedro. Ser falível é ser capaz de cometer uma falta: faltas morais
(o pecado) e faltas intelectuais (o erro). Pedro não parou de cometer faltas
morais, mesmo depois de Jesus lhe ter prometido que não falharia na sua fé. As
sua faltas morais foram, por vezes, graves, por causa da sua situação de coluna
da Igreja, ao ponto de S. Paulo não ter hesitado em repreendê-lo. Pedro, por
exemplo, estava de acordo com Paulo para ensinar que os costumes dados por
Moisés eram inúteis e ultrapassados, depois da vinda de Cristo, que ambos
anunciavam. Ora, por medo da reacção dos Judeus, Pedro continuava a
comportar-se como um Judeu na sua presença. Agia assim por respeito humano e
corria o risco de perturbar a fé dos cristãos vindos do paganismo. Paulo teve,
pois, de repreender Pedro de caras, diante de toda a assembleia, e Pedro
confessou os seus erros. Do mesmo modo, os sucessores de Pedro, foram falíveis
moralmente. Recordemos o Papa Borgias (Alexandre VI), que escandalizou a Igreja
pela sua vida de deboche. Não foi o pior. A palavra de Deus a Pedro não dizia,
com efeito “rezei para que sejas imaculado”, mas “rezai para que a tua fé não
falhe”. É, pois, unicamente a respeito dos erros de ordem intelectual,
relativamente à fé, que Jesus reza por Pedro, nesta passagem do Evangelho. Se
lermos o Evangelho atentamente, apercebemo-nos que existem dois tipos de
infalibilidade na Igreja: a daqueles que vivem do Espírito Santo, prometido por
Jesus quando disse: “Enviar-vos-ei o
Espírito Santo que vos conduzirá à verdade total”[17]
e a de Pedro, o chefe supremo da Igreja, que é um carisma, prometido por Jesus
e independente da santidade pessoal do homem que o recebe. A primeira
infalibilidade pode ser vivida por todos, no diálogo de coração a coração com o
Espírito de Deus. A segunda, está presente para confirmar o que há de
verdadeiramente divino na primeira. É como um rochedo sobre o qual todo o
cristão se pode apoiar, porque é o próprio Deus que o torna firme: “tu és Pedro”[18].
É um rochedo em que todo o cristão se deve apoiar, porque nada o assegura da
origem divina daquilo que ele supõe compreender de Deus, senão Pedro. Os
cristãos dos primeiros séculos, no Oriente como no Ocidente, acreditaram na
infalibilidade do Papa. Santo Inácio escreve, nos anos 100, que “a Igreja de
Roma preside”. Os séculos seguintes dirão “que é Deus quem fala pela boca do
Papa”. O concílio Vaticano I precisará os momentos em que a infalibilidade se
exerce e o concílio Vaticano II desenvolverá ainda esta exposição dogmática[19].
O Papa não utiliza o seu carisma de infalibilidade senão quando fala na
qualidade de chefe da Igreja. O Papa, em privado, pode ter opiniões teológicas
sem ser infalível. Não se exerce senão no domínio da fé (o que devemos
acreditar como revelado por Deus) e da moral (maneira como Deus quer que nos
comportemos). O Papa João Paulo II não é infalível em astronomia, em política…
Ora, o papa (ou os bispos unidos ao Papa), pode exercer a sua infalibilidade de
duas maneiras: de uma maneira habitual, quando dá a interpretação verdadeira
das Escrituras, quando recorda as verdades explicitamente reveladas no
Evangelho. É o caso da maioria das encíclicas, dos ensinamentos catequéticos,
comportando um ensinamento teológico ou moral. Por outro lado, o Papa ou o
Concílio unido ao Papa, pode exercer a infalibilidade para ensinar uma verdade
não explicitamente revelada na Escritura, mas que o Espírito Santo quer dar aos
homens. Esta infalibilidade, marcada por um carácter solene, foi definida no
Concílio Vaticano I e não foi senão raramente utilizada: o dogma da Imaculada
Conceição, o da Assunção de Maria. Muitos teólogos, incomodados pela
infalibilidade pontifical, que consideravam como uma afronta à sua liberdade de
pensamento, tentaram mostrar que ela não se tinha exercido senão 2 ou 3 vezes e
nos casos já citados. Foi uma maneira hábil de se verem livres de uma tutela
incómoda para eles. O Concílio Vaticano II teve, pois, que recordar o que é a
infalibilidade habitual do Magistério da Igreja. Recentemente, o cardeal
Ratzinguer, encarregue da Congregação Romana para a Fé, publicou um documento,
recordando tudo isto numa frase: “o povo
de Deus, pelo sentido natural da fé, goza de infalibilidade, sob a conduta do
Magistério vivo da Igreja que, em virtude da autoridade exercida em nome de
Cristo, é o único intérprete autêntico da palavra de Deus, escrita ou
transmitida”[20]
Bem longe de ser uma afronta
à liberdade de pensar, o Magistério da Igreja é uma ajuda e uma segurança para
o teólogo: que há de pior, para aquele que ensina Deus, que ensinar outra coisa
diferente de Deus? Que há de mais maravilhoso para ele que saber, estar certo,
que serve Deus como Deus quer? Não se trata mais de inventar um novo Evangelho.
Trata-se, partindo do único Evangelho de Jesus, de extrair tudo o que está
contido nele e de o entregar ao serviço dos irmãos. Há aqui um trabalho imenso
e a criatividade de 2000 anos de Igreja, ainda não foi suficiente. A filosofia,
naquilo que tem de verdade, a ciência, a psicologia, a sociologia são, cada uma
delas, bem-vindas, para ajudar esta obra sem fim. Apoiado sobre o rochedo
infalível daquilo que a Igreja definiu pelo seu Magistério, humildemente à
escuta do que as maiores testemunhas da tradição ensinaram antes, o teólogo
pode, então, sem medo, emitir as suas hipóteses, as mais ousadas. Deve, mesmo,
porque a Igreja lho pede.
No tocante aos fenómenos paranormais,
o método de estudo teológico assim descrito, pode e deve ser utilizado. Neste
domínio, existem certos pontos onde o Magistério da Igreja se pronunciou
infalivelmente e de uma forma solene. Existem outros pontos onde a Igreja não
faz senão dar pistas de investigação para ajudar a uma compreensão mais
profunda da revelação. Existe um terceiro grupo onde ela deixa uma inteira
liberdade. Aos primeiros pontos, respondo pela fé: creio de todo o meu coração
nessa verdade revelada e ensinada pela Igreja. Aos segundos, respondo pelo
“assentimento religioso da minha vontade e do meu coração”[21].
Quanto aos terceiros, espero tornar proveitosos todos os recursos da ciência e
da filosofia para os precisar. Entre os segundos, quer dizer, entre essas
pistas de investigação dadas pela Igreja, creio ser importante citar aqui
certos mestres que ela sempre considerou como doutores dignos de confiança.
Incessantemente, a Igreja encorajou os investigadores de Deus a colocarem-se na
escola de St. Agostinho, em primeiro lugar, que é o iniciador da teologia no
Ocidente e, sobretudo, S. Tomás de Aquino, que foi alcunhado de Doutor Comum,
quer dizer, o mestre de todos. Um papa não hesitou afirmar que um ano passado
com S. Tomás de Aquino valia mais que toda uma vida com não importa que teólogo[22].
Ora, S. Tomás de Aquino tratou largamente dos fenómenos paranormais, de uma
forma ao mesmo tempo filosófica e teológica. Servir-me-ei dele abundantemente
e, sobretudo, da Suma Teológica. Estas poucas páginas bastam, espero, para
mostrar para que fontes me voltarei neste investigação sobre os fenómenos
paranormais.
SEGUNDA PARTE: AS CAUSAS DO PARANORMAL
Depois de ter definido as
diversas fontes em que me basearei para este estudo, é preciso mostrar que não
podemos compreender o olhar habitualmente lançado pela fé cristã, sobre os
fenómenos paranormais, se não conhecemos o seu olhar sobre a totalidade do
universo. Quando uma pessoa tem um sonho que lhe parece anormal, começa por se
interrogar donde é que ele vem: virá da sua própria imaginação que o sono
soltou (Freud), virá da influência dos planetas (astrologia) ou dos outros
(telepatia), virá de uma causa que ultrapassa a natureza (anjos, demónio,
Deus)? Podemos ver que, em todas as hipóteses, um único efeito pode ter
múltiplas causas. Em função da resposta, a pessoa terá em conta o seu sonho, de
forma diferente. No final de contas, a chave que permite compreender os
fenómenos deste tipo, é o conhecimento da sua causa. O universo é misterioso,
cheio de imprevistos. Tem uma ordem, uma harmonia secreta. É preciso aceder a
essa sabedoria. E é porque essa sabedoria foi dada à Igreja, que podemos dizer
que ela vai mais longe que a ciência, no estudo do paranormal. Ela alcança
aspectos em que a ciência, pelo seu método, não pode tocar. É evidente que, no
discernimento das causas, um método rigoroso deve ser utilizado, tanto pelo
filósofo como pelo teólogo. Não se trata de ver Deus ou os seus anjos por todo
o lado. A sequência da investigação é, primeiramente, a de procurar se o
fenómeno paranormal não é devido a uma causa natural.
CAPÍTULO 1: Deus, primeira Causa possível do paranormal
“No princípio, criou Deus o Céu e a terra.” É o primeiro
aspecto. Recordemos simplesmente o que diz a fé católica acerca disto. Quem é
Deus? Ninguém sabe. Ele é, é tudo. É Ele infinito, a transcendência de que
falam os poetas, é Ele o que não tem espaço, tempo, a eternidade? É tudo isto e
bem mais ainda, é antes de mais uma pessoa, um ser concreto e real: “Eu sou aquele que sou”[23].
Eis a primeira palavra que Deus disse sobre si mesmo. Foi Moisés quem a
recebeu. Em Hebraico, isto diz-se YAHVE. Deus, de seguida, forneceu dados sobre
outras coisas acerca dele: a sua grandeza infinita: “ninguém o pode ver sem morrer”[24],
o seu poder absoluto: “nada é impossível
a Deus”[25]
e, sobretudo, a existência nele de uma vida de amor, secreta, rica: eles são
três num só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo[26].
No tocante aos fenómenos
paranormais, duas coisas são importantes: 1º é preciso saber que Deus pode
fazer tudo e 2º que tudo o que faz neste mundo é em vista de preparar os homens
para um destino de amor e de humildade.
1º Nada é impossível ao seu
poder absoluto, dentro do que é possível em si. Apenas as coisas contraditórias
escapam ao seu poder: Deus não pode fazer com que um círculo seja um quadrado
ao mesmo tempo; Deus não pode fazer com que Pedro esteja ao mesmo tempo sentado
e de pé; igualmente, Deus não pode fazer que aquilo que já existiu não tenha
nunca existido. Se Pedro matou Tiago, Deus pode bem ressuscitar Tiago e fazer com
que Pedro perca a memória do seu crime, mas não pode modificar o passado.
Deus pode fazer tudo. Pode
organizar a vida, mas isso o homem poderá certamente faze-lo um dia; Ele pode
deslocar as montanhas, mas isso também o homem pode faze-lo, guardadas todas as
proporções. A primeira coisa que só Deus pode fazer e ninguém mais excepto ele,
é criar. Fazer sair a existência do nada, eis onde o acto ou o dedo de Deus
está necessariamente presente, e é o primeiro artigo do Credo: “creio em Deus criador”. Só Deus tem
poder sobre a existência, para dar o ser e para o retirar. O homem bem pode
tentar, não apenas não cria nada, como não pode fazer com alguma coisa volte a
ser nada. Numa explosão atómica, se alguns gramas de matéria parecem ter sido
volatilizados, na verdade não fizeram senão transformar-se noutro modo de
existência, a energia. Quando se mata um animal, não reduzimos nada a coisa
nenhuma. O animal existe ainda, simplesmente destruímos-lhe a vida, a ordem que
reinava no seu corpo. Este poder de criar, Deus utilizou-o duas vezes, dizia
St. Agostinho, porque só existem duas coisas que surgem do nada: a matéria e o
espírito. Tudo o resto é organização.
No que diz respeito à
matéria, Einstein cá está para confirmar com força esta intuição do grande
teólogo. Einstein mostrou que toda a matéria tem um princípio único que é
energia ou, também, luz. É esta energia que, organizada de modo diferente, dá
os átomos, as moléculas, as ondas de todos os tipos, a luz do sol. No tocante
ao espírito, apenas as grandes religiões parecem discerni-lo. A filosofia
afasta-se, influenciada pela ciência materialista.
Quanto aos fenómenos
paranormais, a aplicação é fácil: se pudermos provar que num sítio houve
criação (de matéria ou de um espírito), quer dizer que Deus esteve presente.
Veremos a importância desta questão no capítulo consagrado aos milagres.
Uma outra aplicação
teológica do poder absoluto de Deus, deve ser exposta previamente ao estudo dos
fenómenos paranormais. Na natureza do mundo material, há uma lei que nunca
ninguém pôde transgredir. Nunca, em nenhum dos domínios da transformação da
matéria, quer seja química, física, não é possível realizar uma modificação
instantânea. O exemplo do movimento local ilustra esta propriedade de inércia
da matéria. Um corpo físico não pode instantaneamente deslocar-se do lugar A
para um Lugar B. S. Tomás prova-o da forma seguinte: “Seria preciso que ele
estivesse ao mesmo tempo em A e em B. Seria preciso, portanto, que fosse maior
que ele próprio”. A ciência moderna confirma, pela medição, esta demonstração
por absurdo. A velocidade da luz está em relação estreita com a natureza dos
corpos físicos. Assim, se num fenómeno paranormal, pudermos demonstrar o
carácter instantâneo de uma modificação física, é porque necessariamente o Poder
Absoluto de Deus interveio. O próprio anjo, por poderoso que seja, permanece
submisso às leis de um poder limitado.
O capítulo consagrado à
profecia ou vidência, pode também encontrar a este nível uma base: Deus sabe
tudo, nada escapa ao seu olhar, seja o passado, o presente ou o futuro. Deus é
eterno e a sua eternidade é comparável a um instante subsistente, que conteria
a duração do tempo. Deus vê, num só olhar, tudo o que se passa e passará,
porque o seu poder é infinito. Há aqui um mistério que pode assustar alguns.
Seremos robôs, programados pelo Criador e cuja liberdade não é senão aparente?
Se Deus sabe tudo previamente, onde está a iniciativa do homem? Tal inquietação
nasce da nossa dificuldade em compreender a transcendência infinita de Deus:
Deus não conhece o nosso futuro por o ter programado, mas porque nele não
existe a noção de futuro. Aos seus olhos, tudo está presente. Imaginemos um
homem que está sentado sobre uma alta montanha; vê, muito ao longe, lá em
baixo, dois passeantes que andam por um caminho. Um vem da direita e o outro
chega do outro lado, pela esquerda. O homem que está na montanha, sabe que
estes dois passeantes se irão encontrar. Sabe o seu futuro sem que por isso
influencie a sua liberdade. É um pouco desta maneira que Deus se situa em
relação a nós. Resta colocar-nos esta pergunta. Se Deus conhece o nosso futuro,
pode no-lo revelar? Quere-o, por vezes? O fenómeno da profecia existe? Para
responder a esta pergunta não basta estudar de forma abstracta o poder do
Criador, mas também, podemos suspeitar, a razão da sua criação, o sentido da
vida terrestre, onde a sua presença permanece escondida. As questões da ciência
teológica encontram a sua resposta última na Sabedoria teológica.
2º Um outro ponto pode ser
útil no discernimento dos fenómenos paranormais, é o conhecimento das intenções
de Deus acerca do homem. A mensagem de Cristo diz que somos pessoas
verdadeiras, sagradas, criadas por Deus em vista de um casamento de amor com
ele, um casamento que durará para sempre, numa relação perpétua de luz e de
dom.
O Espírito de Deus, pelo
contrário, procura primeiro o que é eterno, o que não passa. Ora, por essência,
a eternidade é um CASAMENTO DE AMOR COM UM DEUS CUJA NATUREZA É SER O MAIS
PEQUENO, ele que é o maior.
Retomemos estes termos:
Primeiro um casamento, e num
casamento segundo Cristo, é o OUTRO (cônjuge, filhos), que contam primeiro.
Deste modo, tudo o que nos faz sair de nós para nos preocuparmos com os outros,
é quase certo que vem de Deus (ou por vezes da bondade natural dum coração,
donde a necessidade duma grande habilidade no discernimento dos espíritos).
Depois, é um casamento de
AMOR. Deste modo, tudo quanto acaba no amor (não apenas no SENTIMENTO de amor),
poderá bem ter uma relação com o Espírito de Deus.
Finalmente, se Deus é
HUMILDE, ou antes KÉNOSIS, quer dizer que o Pai não vive senão para o Filho e
reciprocamente… Assim, se um qualquer fenómeno paranormal conduz mais para a
humildade, é bom sinal.
Estes três critérios
espirituais do Espírito de Deus (amor humilde do outro) foram desde sempre o
critério de discernimento dos maiores teólogos para distinguir Deus e o
psiquismo humano, e às vezes, o demónio. Lembremo-nos do trabalho magistral do
enviado eclesiástico junto das religiosas videntes de Loudain: “Minha irmã, dizeis que Cristo vai
aparecer-vos. Mas eu digo-vos para irdes primeiro ao Ofício.” Resposta da
irmã: “Estais a abusar. A vontade de
Jesus deve passar à frente!” Esta desobediência da irmã vidente, a sua
falta de humildade e de desconfiança dela própria, diz tudo. E, de facto, os
fenómenos paranormais, os estigmas, as levitações vinham do seu orgulho que o
diabo tinha abençoado…
Assim deve ser para o
discernimento de todos os fenómenos paranormais de tipo “prodígios” (quer
dizer, aqueles que podem indiferentemente provir dos anjos bons, do demónio ou
do psiquismo humano). Se não são acompanhados por verdadeiros milagres (ver
mais adiante), é preciso primeiro, para além da fidelidade da fé da pessoa,
olhar para o amor e humildade que emanam da sua presença
Deus deixa-se contemplar. Há
certos domínios onde o conhecimento amoroso vai mais longe que a razão. Deus
chama o homem a procurá-lo: “Vinde a mim
vós todos que andais cansados e subjugados sobre o fardo, que eu vos
consolarei. Carregai o meu jugo porque eu sou manso e humilde de coração”[27].
A maior fonte de conhecimento que temos de Deus é a imagem que ele nos deixou
dele quando se fez homem. A vida de Jesus Cristo, que é Deus feito homem,
revela-nos simplesmente que Deus é amor.
Mas quando se trata de falar
da criação, Deus é inesgotável. Fala e este ensino que dá é extremamente
importante quanto aos fenómenos para normais. Para ir mais depressa, não iremos
aqui recomeçar a tarefa que consiste em extrair da Bíblia todo este dado
revelado. Forneceremos directamente a síntese realizada pela Igreja e precisada
no decorrer do tempo.
Tentemos representar-nos a
vida de Deus. Deus é. Sem começo, sem fim, Deus vive da sua felicidade
infinita. O Pai vive do Filho, o Filho vive do Pai e do Espírito Santo, e o
Espírito Santo é o seu amor. Três pessoas, um só Deus. Deus não tem necessidade
de ninguém. Para nós é inconcebível esta felicidade que se satisfaz a si mesma:
Deus satisfaz-se a si mesmo, porque é Deus… E no entanto, subitamente, cria. S.
Tomás sublinha que não existe razão para a criação senão a do amor: Deus teve
vontade de comunicar a sua felicidade e a sua felicidade está reservada aos
HUMILDES que desejam DESPOSÁ-LO NO AMOR:
CAPÍTULO 2: os anjos, segunda causa possível dos fenómenos paranormais
Alguns supõem que a Igreja
ensina que o universo inteiro não foi feito senão para o homem. Isso, no
entanto, é falso; Deus criou os anjos e Deus amou os anjos por eles mesmos.
Recordemos, em primeiro lugar, o que há de solenemente infalível no ensino da Igreja,
sobre os anjos. Resume-se em algumas frases.
1)
Os anjos existem[28]:
“Acreditamos num só Deus, Pai, Filho e
Espírito Santo, Criador das coisas visíveis e invisíveis, como os puros
espíritos a que também chamamos anjos.”
2)
São puros espíritos. Não têm corpo, mesmo um corpo
aéreo[29].
3)
Foram criados na fé, quer dizer, com a liberdade de
escolher ou de rejeitar Deus.
4)
Alguns voltaram-se para Deus e outros rejeitaram-no
por orgulho, tornado-se demónios.
5)
Têm um ministério de serviço, junto dos homens: por
exemplo, anjos da guarda, mensageiros[30].
Os anjos existem, afirma a
revelação, e o seu conhecimento, como veremos, é responsável por muitos dos
fenómenos paranormais. Ninguém conhece o instante concreto em que Deus
pronunciou estas palavras: “faça-se Luz”,
fazendo sair do nada essas miríades de criaturas chamadas anjos. Se já
estivéssemos presentes nesse instante em que começou o tempo, não nos
aperceberíamos de nada, porque o anjo não é visível aos olhos materiais. Ele é
luz, não no sentido próprio da palavra, mas no sentido metafórico: é puro
espírito, sem qualquer mistura com a opacidade da matéria. Para nós, é muito
difícil compreender verdadeiramente o que é uma realidade puramente espiritual,
como vive uma pessoa que não tem corpo. A nossa linguagem é feita para falar
das coisas materiais. Para compreender um anjo, é preciso esforçar-nos para
eliminar dele toda a faculdade dependente de um órgão. O anjo não pode comer,
beber, reproduzir-se. Todas as funções vitais vegetativas são inexistentes
nele. Mas é preciso eliminar também, toda a possibilidade de uma vida psíquica.
O anjo não tem cérebro e, portanto, não pode exercer as faculdades que
constituem a riqueza da sensibilidade humana e animal. O anjo não tem
percepções, não pode sentir o cheiro das plantas, não pode ver a beleza dos
pores do sol, não pode ouvir a música nem saborear o prazer dos alimentos. Faz
parte de um outro mundo, de uma outra dimensão diferente da nossa. O anjo não
tem memória sensível. É-lhe impossível decorar conhecimentos como nós o fazemos.
Aliás, isso é-lhe perfeitamente inútil, uma vez que o seu conhecimento é bem
superior àqueles. Não tem também a faculdade de imaginar: impossível para ele,
fechar os olhos e representar-se uma paisagem, como se sonhasse. Mas o mais
espantoso para nós, é que é preciso expulsar da vida dos anjos toda a paixão. A
paixão é um amor que nos conduz na direcção de uma realidade sensível. O homem
e o animal são seres apaixonados, capazes de se inflamarem por causa dos belos
olhos do sexo oposto. O anjo não pode enamorar-se desta maneira. Não conhece os
encantos destes amores senão porque é inteligente e não porque os experimente.
Amor passional e ódio, desejo e fuga, tristeza e prazer, medo e audácia,
esperança de um bem sensível ou desespero, eis toda uma série de sentimentos
impossíveis aos anjos. Assim, quando falarmos mais adiante, como se os anjos
tivessem paixões, será num sentido metafórico, para melhor exprimir as reacções
da sua inteligência e da sua vontade.
Que pode então fazer o anjo?
Qual a sua vida? Não lhe restam senão as faculdades vitais que ultrapassam a
matéria, as que não têm necessidade de um órgão para se exercerem: a
inteligência e a vontade. Não se trata da inteligência dos animais, que lhes
permite encontrar soluções engenhosas para viver melhor e sobreviver, ou para
melhor se reproduzir. Trata-se da inteligência no que ela tem de
especificamente espiritual, aquela que é capaz de conhecer tudo quanto é
conhecível, de penetrar a natureza das realidades. A inteligência dos anjos é
perfeita. É feita de tal modo que pode conhecer imediatamente a essência de
todas as coisas. Penetra a natureza de tudo quanto existe (excepto Deus, que a
ultrapassa demasiado para ser conhecido), de uma forma directa e intuitiva. Não
tem necessidade, como a nossa inteligência, de se apoiar previamente sobre um
conhecimento sensível.
O mesmo se passa quanto à
vontade. O anjo não possui essa vontade dos animais que os leva à procura do
que pode satisfazer as suas necessidades. A vontade do anjo é a sua
inteligência que dirige aquilo que compreendeu como um bem. Quando o anjo ama,
não é porque foi seduzido pelos encantos de uma realidade, mas porque
compreendeu a bondade dessa realidade. Não tem a capacidade de se emocionar,
não que seja insensível como o são certos intelectuais humanos de coração
contraído, mas porque não possui sensibilidade.
Por esta razão, a liberdade
dos anjos é perfeita. Não está submetida a nenhum limite, como a nossa. Não tem
corpo que o leve numa direcção outra que a da sua vontade. Não é como nós,
divididos entre os desejos contraditórios dos instintos. Não sofre qualquer
influência do meio social, porque se basta a si mesmo. O que quer é o que
compreendeu como sendo o bem absoluto e volta-se totalmente para ele,
simplesmente, sem voltar atrás, sem erro possível. Foi assim que Deus criou os
anjos, a sua primeira obra. Criou-os sem número, miriades, diz a Bíblia. Santo
Agostinho, e depois, no seu seguimento, S. Tomás de Aquino, perguntaram-se se
os anjos, uma vez criados, tiveram de aprender como nós, os diversos
conhecimentos que lhe eram necessários. Quando nasce um homem, não sabe nada. A
sua inteligência é como uma tábua sobre a qual nada está escrito. Graças às
sensações, a criança começa a aprender e não parará de aprender até ao fim da
vida, elevando-se pouco a pouco do sensível (este cão, este gato) ao espiritual
(a beleza, a verdade, a bondade etc.). Mas o anjo, não tendo sensações, não
pode aprender desta forma. Deus deu-lhe, ao criá-lo, o conhecimento de tudo
quanto precisava para a sua vida de anjo. Os anjos foram criados adultos e, no
próprio instante em que saíram do nada, compreenderam-se por completo.
Cada anjo, por natureza, é
diferente dos outros, segundo os graus recebidos por Deus. Cada anjo é um pouco
como um diamante muito puro que não se pode comparar a nenhum outro diamante.
Entre eles, o mais belo, o mais parecido com Deus chamava-se Lúcifer, o
“porta-luz”. Lúcifer era um Querubim resplandecente, obra-prima e objecto de
admiração de todos os outros anjos. “Deus
viu que a luz era boa”, comenta simplesmente a Bíblia.
Neste primeiro instante da
criação, todos os anjos eram bons. Lúcifer, pela sua beleza, pela grandeza do
seu ser, era a obra-prima de Deus. Os outros anjos não sentiam inveja. Bem pelo
contrário, ao contemplarem a sua perfeição, ficavam como uma ideia da infinita
grandeza do Deus escondido que acabava de os criar. Todos os anjos amavam Deus,
afirma S. Tomás de Aquino. Não sentiam senão reconhecimento por aquilo que
acabavam de receber da sua mão: a existência, a vida, a beleza. Este
espectáculo da criação, fazia-os cantar a uma só voz: “Glória a Deus nas alturas.”
Se o amavam, no entanto, não
podiam conhecê-lo senão de longe. Mesmo o mais inteligente dos anjos. Deus
permanece o Mistério por excelência. A inteligência dos espíritos celestes bem
pode ser superior à nossa, mas permanece limitada. Ora, o que é limitado, não
pode compreender o que é sem limites. Como é que um vaso finito (o anjo)
poderia conter o Infinito (Deus)? Isso, os anjos sabiam-no. Contentavam-se, pois,
em conhecer Deus de longe, através dos efeitos do seu poder. Ao olharem-se a si
mesmos, ao olharem os outros anjos, viam, como num espelho, o reflexo longínquo
de Deus. O que é interessante notar, neste primeiro estado do mundo, é que ele
era hierarquizado. O maior de todos era o que tinha o espírito mais aguçado.
Lúcifer era o Príncipe dos anjos, sem contestação, porque era o mais
inteligente. Ninguém contestava esse facto. Esta hierarquia e esta vida
pacífica e contemplativa, agradava-lhes. O mundo poderia ter permanecido assim
para a eternidade.
No entanto, a fé católica e
a Sagrada Escritura afirmam que esta felicidade natural não durou. Houve uma
quebra, um cisma terrível, no céu angélico. Apoiando-se nas poucas alusões que
explicam este facto na Bíblia, os teólogos e os santos, conseguiram
reconstituir a história deste drama primitivo, que fez de Lúcifer o príncipe
dos anjos revoltados contra Deus, o príncipe dos demónios.
Enquanto a criação estava
ainda vibrante da sua novidade, quando os anjos acabavam de descobrir num
olhar, a sua magnífica beleza, acabavam de se voltar para o seu Criador num
movimento de reconhecimento, Deus falou. Não se trata de uma palavra feita de
palavras articuladas. Trata-se antes de um pensamento, de uma revelação transmitida
directamente à inteligência de cada anjo, à maneira de um relâmpago luminoso. É
o conteúdo desta revelação primeira, que provocou este primeiro drama da
criação. Esta palavra foi, com efeito, sinónima para eles, de prova. Trata-se
de uma prova muito difícil de compreender para nós, porque é de ordem
estritamente espiritual. No entanto, é indispensável, no âmbito desta obra,
perceber o seu conteúdo, porque ela constitui um começo que ilumina muitos dos
fenómenos paranormais, particularmente aqueles que encontram a sua origem nos
demónios. Deus fala, pois, à maneira de um relâmpago que rasga os céus.
Para compreender melhor,
podemos decompor em três partes a revelação que Ele fez. Deus disse: “Criei-vos
a fim de que me vísseis face a face”. Esta primeira revelação é
perturbadora para um anjo, bem mais que para um homem, porque o anjo tem a
capacidade de captar imediatamente todo o seu alcance. Ver Deus face a face
significa para eles o inimaginável, o impensável. Era-lhes impossível, mesmo a
eles, desejar simplesmente tal felicidade. Sabiam bem melhor que nós a infinita
profundidade do mistério divino e o limite das suas capacidades intelectuais.
Ver Deus face a face, significava compreender o seu Mistério em plenitude, com
o próprio olhar com que Deus se compreende. Significava viver da própria
felicidade de Deus. Ora, tal coisa era impossível, da mesma forma que é
impossível colocar toda a água do mar dentro dum copo. A Bíblia dá testemunho
desta incapacidade natural das criaturas em ver o Criador[31]: “Ninguém pode ver Deus face a face sem
morrer”. No entanto, as legiões angélicas tinham ouvido bem: “Criei-vos
para que me vísseis face a face”. Acreditaram, aderiram a essa palavra de Deus,
apesar do seu carácter ilógico, sabendo que nada é impossível a Deus.
Acreditaram na possibilidade de uma vida sobrenatural. Lúcifer foi o primeiro a
acreditar. Com ele, os serafins, os querubins e todas as ordens celestes,
acreditaram em Deus e desejaram ver realizada esta promessa. Esta adesão
chama-se fé. Mas já neste primeiro instante, Deus sabia que Lúcifer acreditava
por um outro motivo que o arcanjo Miguel. Lúcifer acreditou porque sabia que
Deus pode realizar o que diz. Miguel acreditou porque o amava.
Na Bíblia, Deus diz ainda[32]:
“Deus separou a luz das trevas.” Esta
simples frase, mostra-nos que fala mais uma vez, de modo a manifestar
exteriormente a presunção de uns e o amor dos outros.
2) Deus disse[33]:
“Eu sou amor. Ninguém me pode ver face a face se não for, por sua vez, amor”.
Quando Deus revela aos anjos que é amor, não lhes ensina algo de inteiramente
novo. Eles sabiam, por razão da sua contemplação natural, que Deus não podia
tê-los criado senão por amor.
Mas, neste instante,
descobrem com estupefacção que Deus é amor. A sua contemplação natural
convidava-os a admirar em primeiro lugar a inteligência do Criador, a sua luz.
O mundo angélico parecia-lhes mais beleza que bondade. Pela sua palavra, Deus
convida-os a alterar completamente as suas concepções habituais.
Quando Deus afirma que é
amor antes de mais, manifesta que a perfeição natural dos Querubins não é nada
a seus olhos comparada ao amor. Manifesta que a sua ordem de preferência não é
a que dá a nobreza, mas a que dá o coração. Quando Deus diz “ninguém me pode
ver face a face se não é, por sua vez, amor”, manifesta claramente aos anjos,
que lhes pede uma conversão total. Não é apenas um convite, mas um mandamento.
Tornar-se amor é a condição necessária para toda a entrada no Reino de Deus, na
visão beatífica. Foi a mesma condição que foi revelada aos homens por Jesus,
quando diz: “amarás o teu Deus com todo o
teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito. Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Nestes dois mandamentos estão contidos toda a Lei e os
Profetas.”[34]
Para ver Deus é preciso,
portanto, que o anjo aceite pôr de lado a nobreza da sua ciência, a beleza do
seu ser, para entrar numa outra sabedoria onde a humildade é primeira. Aqui se
situa a prova terrível para os anjos: renunciar a si mesmos. Renunciar a si
mesmo é já grande para um ser humano que, no entanto, é cada dia confrontado
com as suas imperfeições. Isto é-o tanto mais para um puro espírito, imagem
perfeita e inviolada da perfeição de Deus. O orgulho é um defeito mais próximo
dos anjos que dos homens. Esta abnegação é indispensável, porque a vida
proposta é sobrenatural. Implica que Deus encontre um coração entregue,
abandonado entre as suas mãos, que ele possa elevar à glória. É a condição de
toda a vida sobrenatural, que ela seja dada aos anjos ou aos homens. Jesus
dizia[35]:
“se não vos tornardes como uma destas
criancinhas, não entrareis no reino de Deus”[36].
3) Os anjos compreenderam em
plenitude esta exigência de humildade. Mas Deus, para tornar a sua inteligência
mais lúcida ainda, na sua escolha, a fim de pôr à prova a intensidade da sua
confiança nele, revelou-lhes o seu projecto secreto, conhecido só dele, até à
altura: revelou-lhes o seu desejo de não terminar a criação com eles, mas
prolongá-la numa obra-prima última, revelou-lhes que essas novas criaturas
seriam superiores aos seus olhos, aos anjos, não em perfeição natural, bem
entendido, mas em perfeição sobrenatural: por causa da sua sensibilidade, o
homem e a mulher serão capazes de um maior amor que os próprios serafins.
Ora, o que há de maior aos olhos de Deus, é o amor.
Certos teólogos foram ainda
mais longe. Acreditaram ler na Bíblia, que Deus foi ao ponto de revelar aos
anjos que um dia nasceria uma mulher cujo coração seria tão puro, a humildade
tão absoluta, o dom de si mesma tão total, que o próprio Deus a elevaria acima
de todos os anjos e faria dela a sua rainha. Deus fez realmente isto?
Revelou-lhes, logo naquele instante, o nascimento futuro da Virgem Maria?
Anunciou-lhes que um dia se faria homem ele próprio, levando assim o seu amor
até à loucura? Isto permanece e permanecerá por muito tempo, o segredo dos
espíritos angélicos.
Uma coisa, pelo contrário, é
certa: compreenderam, a partir deste momento, o projecto de Deus de fazer deles
servidores e guias espirituais dos seus futuros irmãosinhos. Anjos da guarda,
mandatados, segundo uma ordem hierárquica perfeita, ao serviço dos homens, eis
o que será a sua missão, até que o último homem tenha terminado a sua vida
terrestre.
Esta revelação, à maneira de
um relâmpago fulgurante, deixou silencioso todo o céu e, num instante seguinte,
um desses instantes que o pensamento dos anjos mede, uma voz poderosa gritou “não servirei”[37].
O mais belo de todos, Lúcifer, tinha falado, tornando-se para sempre Satanás,
que a Bíblia chama também a antiga serpente, o príncipe dos demónios.
É indispensável compreender
o porquê da cólera de Lúcifer, porque o seu papel é muito importante na
Teologia católica de certos fenómenos paranormais. Lúcifer e os seu anjos
actuam em relação aos homens, de uma forma ordenada e dirigida por este primeiro
instante, que motivou a sua revolta comum. Lúcifer é o mais belo dos anjos. É,
portanto, o mais inteligente, o mais próximo de Deus pela sua perfeição.
Lúcifer ama Deus. Seria aberrante afirmar que este anjo tem ódio pelo seu
Criador, a quem sabe tudo dever. Apenas o homem é capaz de odiar Deus, porque
não o conhece e julga muitas vezes a sua providência pelos seus efeitos
penosos, provisórios e educativos. O homem comporta-se muitas vezes como uma
criança que, ao ser repreendida pela mãe, fica muito zangada com ela. A criança
ainda não é capaz de compreender que foi o amor que fez com que a mão agisse
assim. O anjo está para além dos raciocínios infantis.
O problema de Lúcifer é que
amava Deus à sua maneira. Via nele o ponto mais alto de todo o universo, diante
do qual todo o joelho se dobra. Tinha o sentido da honra de Deus e do seu
estatuto. Tinha, mais ainda, o sentido da sua perfeição pessoal, do seu lugar
de chefe de todos os anjos. Finalmente, para Lúcifer, o valor supremo de todo o
universo, chamava-se beleza e nobreza da inteligência, mas não, certamente,
humildade e amor. Quando percebeu que Deus decidiu doutra forma, que a ordem
natural ia ser derrubada, que os primeiro
seriam os últimos e os últimos primeiros, quando se apercebeu plenamente
que deveria, ele, o chefe de todas as legiões celestes, baixar-se e servir esse
ser de lama e ossos chamado homem, revoltou-se. Tornou-se num instante, de uma
forma perfeitamente lúcida, o arauto da defesa dos “direitos” de Deus e da
defesa do lugar hierárquico dos anjos. Em nome do seu amor pelo Criador e pela
criação, proclamou a sua revolta um pouco (salvaguardando as devidas
proporções) à maneira de S. Pedro, antes da paixão de Jesus[38]:
“Tu és mestre e Senhor, não me lavarás os
pés”.
Também Pedro teve o sentido
do lugar de Jesus mas, contrariamente a Lúcifer, soube calar-se quando Jesus
lhe respondeu: “se não te lavar os pés,
não terás parte comigo”[39].
Lúcifer, sendo o mais belo
dos anjos, teve, pelos seus argumentos, uma influência terrível sobre o resto
do Céu. A Bíblia diz que o dragão vermelho de fogo (cor que simboliza a cólera)
varreu um terço das estrelas do céu.
Este número, sem dúvida que não é para tomar no sentido próprio, mas manifesta,
mesmo assim, que os demónios são numerosos (um terço dos anjos). A sua
influência foi proveniente, sem dúvida, da nobreza dos seus argumentos.
Pretendeu comportar-se assim, apenas para o bem de Deus. O seu argumento teve
ainda mais peso se, como pensam certos teólogos, os anjos souberam desde o
primeiro momento do projecto da encarnação do Filho de Deus, em Jesus Cristo.
Tal projecto não pode ser senão escandaloso aos olhos dos espíritos puros.
Lúcifer foi verdadeiramente o defensor dos direitos de Deus? O seu amor por ele
foi verdadeiramente a razão da sua revolta? Muitos anjos não se deixaram
enganar (dois terços, se tomarmos à letra os textos). O Apocalipse diz assim: “Então, uma batalha gerou-se no céu: Miguel
e os seus anjos combateram o dragão. E o dragão foi contra eles, apoiado pelos
seus anjos, mas foram vencidos e expulsos do Céu.”[40]
Este combate não se fez com espadas de aço, mas com a espada da verdade.
Miguel, um simples arcanjo, foi o primeiro a denunciar a mentira de Satanás, um
Querubim resplandecente: “Não é por Deus
que lutas. Se amasses Deus verdadeiramente, obedecerias à sua vontade. O que
importa para ti é seres o primeiro. Foi o orgulho que te cegou.”[41]
Miguel, por esta palavra de verdade, arrastou no seu seguimento aqueles que
Lúcifer não pôde seduzir. A Bíblia não pára de confirmar este orgulho primitivo
de Lúcifer, que o soube tão bem camuflar sob a grandeza de sentimentos.
Isaías, falando dele,
declara[42]:
“Como caíste do céu, estrela da manhã,
filho da aurora? Como foste lançado à terra, vencedor das nações? Tu que tinhas
dito no teu coração: subirei aos céus, acima das estrelas de Deus elevarei o
meu trono. Serei igual ao Altíssimo”. Quanto a Jesus, não hesita afirmar
que Satanás foi mentiroso desde o
princípio[43]. Ele é o príncipe
da mentira. Com efeito, não há maior mentira que chamar bem àquilo que é mal.
Relativamente ao assunto que
nos ocupa, é importante compreender o que aconteceu aos anjos desde o momento
da sua criação e desde a queda de alguns deles.
Estão divididos em dois
grupos, segundo a escolha que fizeram: servir ou lutar contra o projecto de
Deus. Os anjos bons foram imediatamente introduzidos na visão de Deus e nunca a
deixam. Os anjos maus separaram-se de Deus, e Jesus afirma que a sua ruptura
não cessará jamais. Lúcifer e os seus anjos estão condenados para a eternidade.
Alguns cristãos pensam que a eternidade do inferno é contraditória com a
bondade de Deus. Pensam que Deus, um dia, perdoará o seu pecado a Lúcifer e
tomá-lo-á com ele. Falam assim porque compreendem erradamente o mistério do
inferno. Compreendem-no de uma forma humana e terrestre. O homem, enquanto
estiver na terra, pode sempre voltar atrás quanto ao pecado. Deus recebe-o e
perdoa-lhe as ofensas. O anjo, quanto a ele, é demasiado inteligente para se
submeter, para estar submetido a estas reviravoltas da vontade. Quando um anjo
escolhe, sabe o que escolhe. Num instante, pesa os prós e os contras, e a sua
inteligência, como uma lâmina cortante, não deixa nada no vago. Lúcifer e os
seus anjos sabiam o que era o inferno, esse vazio de Deus. O inferno não lhes
pareceu um mal tão terrível face à perda desse outro bem que puseram no lugar
supremo do coração: o amor de si mesmos. Deus bem poderia perdoar a Lúcifer,
este responderia indefinidamente “tenho razão”.
Que fazem agora os demónios?
O Apocalipse afirma que foram
precipitados na terra[44].
Esta frase misteriosa significa que a sua única obsessão, o objectivo de toda a
sua actividade, é o homem. Os demónios, lógicos com a sua escolha original, não
desejam mais que destruir o homem. Esperam, desta forma, demonstrar a Deus o
seu erro grosseiro, a estupidez dos seus planos de amor. Se conseguissem que o
homem, essa suposta obra-prima, se auto-destruísse ou, melhor ainda, se
condenasse, a sua vitória parecer-lhes-ia completa. Quando um homem, chegado ao
termo da sua vida, rejeita o amor de Deus e se junta a Lúcifer no seu
infortúnio, este não se alegra porque tem um novo companheiro de infortúnio.
Ele não tem senão desprezo pela pequena inteligência humana. Alegra-se porque
pode provar a Deus, mais uma vez, a legitimidade da sua revolta. Espera obter,
ao revoltar o universo inteiro contra o seu Criador, o restabelecimento da
antiga ordem que lhe agradava, a ordem da nobreza fundada sobre os direitos da
natureza.
A Igreja, através de toda a
sua tradição, pela voz de Jesus seu fundador e pela do seu Magistério mais
solene, afirma a presença constante e actuante dos espíritos angélicos junto de
nós. Quer sejam bons ou maus, os anjos exercem uma acção eficaz que vai bem
para além do que chamamos fenómenos paranormais.
S. Tomás de Aquino foi um
dos primeiros a perguntar-se como é que um puro espírito podia ter influência
sobre o mundo material. Demonstrou que era preciso necessariamente colocar na
natureza angélica, a existência de uma terceira faculdade vital, diferente da
inteligência e da vontade. Trata-se de uma faculdade de eficácia, de um poder
sobre a matéria[45].
O anjo teve conhecimento dessa faculdade desde o momento da sua criação, mas só
compreendeu a sua eficácia no dia em que lhe foi revelada a sua missão junto
dos homens. Se os anjos bons puseram esse poder ao serviço de Deus, os anjos
maus não a perderam e utilizaram-na. Foi pela tentação que Satanás atacou pela
primeira vez a humanidade.
Na sua relação com a
humanidade, o mundo angélico está organizado segundo três hierarquias
perfeitas. Foi S. Diniz o primeiro, no século quarto, a ser capaz de extrair da
Bíblia esta revelação. A primeira hierarquia, a mais elevada, é composta de
Querubins, Serafins e Tronos. Estão de tal modo próximos de Deus, que recebem
dele, directamente, as suas vontades acerca de nós, que depois comunicam às
hierarquias inferiores. São um pouco como os ministros do rei. A segunda
hierarquia, composta por Dominações, Virtudes e Poderes, ocupa-se da maneira
geral como essas vontades serão aplicadas aos homens. São como o Estado Maior
do exército do rei. Quanto à terceira hierarquia, a dos anjos inferiores,
executa junto de nós as ordens de Deus. São como o exército do rei, presente no
terreno de combate. É justamente por causa da sua natureza inferior que podem
estar tão próximos de nós. Esta hierarquia é composta pelos anjos da ordem dos
Arcanjos, que anunciam as grandes novidades e, finalmente, dos Anjos da Guarda,
que se ocupam de cada indivíduo em particular.
Podíamos descrever da mesma
forma a hierarquia demoníaca, com a diferença, no entanto, de que está cortada
da sua fonte, Deus. Lúcifer, príncipe dos demónios, comanda um exército cujo
poder não tem outro objectivo senão destruir. S. Paulo aconselha a não
subestimar a sua importância na nossa vida. Não hesita escrever, dirigindo-se
às pessoas que sofrem perseguições nas sua vida[46]:
“Não é contra adversários de sangue e de
carne que temos de lutar, mas contra os Principados, contra os Poderes, contra
os Regentes deste mundo de trevas, contra os espíritos do mal que habitam os
espaços celestes”.
CAPÍTULO 3: Os homens e o mundo visível
Deus é amor: não parou na
sua criação. A revolta dos anjos não o desanima e lança-se na realização da sua
obra mais bela, o homem. Disse Deus:
“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. Foi o sexto dia[47].
A Igreja, aqui também, ajuda-nos a compreender o mistério. O seu método é
completamente diferente do da ciência. Não se apoia sobre os vestígios do
passado, mas na palavra d’Aquele que foi testemunha do que se passou, uma vez
que foi obra sua. O texto Bíblico é muito difícil de ler, porque tudo se
exprime de modo simbólico. Como discernir nessas palavras aquilo que tem um
sentido histórico? Aqui também, o Espírito Santo vem em nosso auxílio pela via
solene do Magistério da Igreja. Eis alguns pontos que fazem parte da fé
católica:
1)
Foi o próprio Deus que criou o homem e a mulher, e
lhes insuflou uma alma espiritual e imortal;
2)
Os nomes de Adão e Eva, apesar do seu sentido
simbólico, designam um homem e uma mulher reais, os nossos primeiros pais.
3)
Adão e Eva foram criados perfeitos segundo a graça e
a sabedoria [o conhecimento do seu destino eterno]: por causa do seu lugar de
primeiros pais de todos os homens, Deus comunicou-lhes dons naturais e dons
preternaturais.[48]
Receberam também a graça sobrenatural que os tornou muito próximos de Deus. A
esta graça chama-se original.
4)
O demónio aproximou-se deles e seduziu-os. Eles
revoltaram-se contra Deus e perderam a graça original e os dons preternaturais
que a acompanhavam.
5) Sendo responsáveis da humanidade aos olhos de Deus,
separaram de Deus pelo seu pecado, todas as gerações que deviam nascer deles. É
o pecado original[49].
O Papa Paulo VI, no Credo
que deu à Igreja em 1968, escreveu: “Acreditamos
que em Adão todos pecaram, o que significa que a falta original cometida por
ele fez cair a natureza humana, comum a todos os homens, num estado em que
transporta as consequências dessa falta e que não é aquele onde se encontrava
ao princípio, nos nossos primeiros pais, constituídos na santidade e na
justiça, e onde o homem não conhecia nem o mal nem a morte. É a natureza humana
decaída deste modo, despojada da graça que a revestia, ferida nas suas própria
forças naturais e submetida ao império da morte, que é transmitida a todos os homens,
e é neste sentido que todo o homem nasce no pecado.”
A Igreja não sabe
exactamente como Deus se arranjou para preparar a terra ao longo de milhões de
anos. Deixa à ciência o cuidado de o descobrir. Tudo quanto sabe é que a mão de
Deus esteve presente para modelar passo a passo, traço após traço, um lugar
para o homem. Os anjos tiveram certamente um papel na organização grandiosa do
universo, uma vez que têm um poder real sobre a matéria. Deus serve-se de
intermediário sempre que pode. O texto do Génesis tem talvez um certo valor
científico. Não cabe à Igreja decidi-lo, porque isso tem pouca importância para
o que a interessa, a saber, a fé. A ciência, ao progredir, esclarece-nos sobre
o assunto. Como é que Deus fez o corpo do homem? Agarrou num macaco que
enobreceu com uma alma espiritual como pensa João Paulo II[50]?
Agarrou em terra para modelar uma obra totalmente nova? As duas teses foram
defendidas e é, sem dúvida, a ciência genética que decidirá definitivamente,
dentro de algumas dezenas de anos, o debate sobre a evolução.
O essencial é que este corpo
se tornou o receptáculo onde Deus depositou o espírito. A ciência moderna pode
ajudar-nos a aflorar a infinita solicitude de Deus pelo homem: dois biliões de
anos de gestação, somas colossais de energia cristalizada em milhões de
universos, galáxias de dimensões gigantescas e um sol que brilha suavemente com
a sua luz, para alguns grãos de pó. Num deles, a Terra, Deus depositou com
precaução a sua obra-prima: pelo seu espírito, o homem tornou-se o centro e a
finalidade de todo o universo. É porque tem um espírito, que se encontra
colocado bem acima desses mundos imensos, mas sem alma. O espírito é essa chama
divina que faz de um animal uma pessoa e, dessa pessoa, um ser capaz de ver
Deus. A experiência e a filosofia, não podem senão constatar a existência no
homem de algo mais que o animal. A inteligência animal, presa ao sensível, é
incapaz de colocar as grandes questões. Um animal é feliz quando a sua vida
material e sensível é satisfeita. O homem, pelo contrário, não tem paz senão
quando compreende o que faz sobre a terra. Enquanto não encontra a resposta,
anda errante. Esta interrogação perpétua, de que testemunha a arte, as
religiões e as ciências, é o efeito primeiro da existência nele de uma inteligência
feita para tudo conhecer e de uma vontade feita para um amor infinito.
A teologia dos fenómenos
paranormais de origem para-psíquica (no nosso corpo), fundamenta-se no
conhecimento dos dons dos nossos primeiros pais. O dom maior que Deus fez a
Adão e Eva, foi o da Sabedoria. Não se trata da sabedoria que faz um grande
arquitecto ou um grande homem político, mas da que faz amar Deus como um amigo
e torna simples a contemplação da sua presença. A Bíblia diz que Deus se
relacionava familiarmente com Adão e Eva, no jardim onde os tinha posto. Como
amavam Deus, toda a sua vida falava dele. Cada animal que aprendiam a conhecer,
fazia-lhes descobrir um pouco mais a bondade do seu Amigo. Não tinham senão que
se recolher um pouco, para encontrar imediatamente a presença do seu Bem-Amado
no fundo de si mesmos. A contemplação mística, de uma intensidade de fazer
empalidecer o mais santo dos monges cristãos actuais, era-lhes como que
natural. No entanto, esse dom nada tinha de natural: tratava-se da mais pura graça
sobrenatural. Se já um Serafim resplandecente não pode sequer, pelas suas
simples forças naturais, desejar uma simples amizade com o seu Criador, que
dizer quando se trata da pequena inteligência humana?
Mas Deus não criou o homem
na miséria moral em que se encontra actualmente. Por muito que desagrade a uma
certa ciência, a Igreja opõe-se à sua concepção que nos descreve a humanidade
passando, através de milhões de anos, do estado da besta ao de sábio. Se houve
um verdadeiro progresso no que toca à inteligência técnica, não tem nada a ver
com a inteligência do coração. Adão e Eva eram seres de uma limpidez comparável
à da Virgem Maria. Eva, tal como Maria, foi imaculada desde a sua concepção.
Talvez que o seu corpo não fosse exactamente de acordo com os nossos critérios
de beleza actuais, mas a sua alma, como a de Adão, foi cheia de graça. É-nos
quase impossível compreender a beleza interior de Adão e Eva. No entanto, temos
de tentar faze-lo, porque a Bíblia e a Igreja testemunham a existência neles de
faculdades preternaturais que, mesmo se parecem ter desaparecido depois do
pecado, não deixam de estar presentes na natureza humana.
É certo que Adão e Eva não
viam Deus face a face. A sua contemplação fazia-se na obscuridade: conheciam
Deus ao descobrir as suas obras e viviam do sentimento sempre novo da sua
presença no íntimo de si mesmos.
O segundo dom feito por Deus
a Adão e Eva foi a amizade. A Bíblia emprega um símbolo de uma grande
profundidade, para mostrar a grandeza do amor que o Criador desejou entre eles:
Eva foi moldada com a “costela” de Adão, quer dizer, com a parte mais próxima
do seu coração. Isto significa que Eva foi feita para estar colada ao coração
de Adão, da mesma forma que a costela é uma com o coração. Adão, entusiasmado,
exclamou ao ver pela primeira vez a sua mulher “Desta vez, sim! Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos”[51].
Mas, se o seu amor foi tão
puro, comparável a nenhum outro senão ao de Maria, a Mãe de Jesus, por José, é
porque estavam apoiados em Deus. A sua vida misteriosa com Deus era de uma tal
profundidade, que irradiava em todo o seu ser. O corpo estava aperfeiçoado por
dons preternaturais, que temos de descrever. Chamamos dom preternatural a uma
faculdade vital que tem a sua origem primeira na natureza do ser humano, mas
que, apesar disso, não se pode exercer de forma perfeita se a alma não estiver
num estado particular. Deve ser perfeitamente, ela mesma, quer dizer, dona do
corpo a que dá vida. A alma, fonte da vida de todo o homem, não deve ser
perturbada por nenhum obstáculo. Sendo total o seu domínio sobre o corpo, pode
utilizar-lhe todas as suas potencialidades escondidas. Os dons preternaturais
não são, pois, graças acrescentadas pela bondade de Deus, mas faculdades
naturais.
Ora, Adão e Eva estavam
neste estado de perfeição, porque os seus corações e as suas inteligências,
estavam inteiramente fundidas em Deus; neles, a paz era total. Esta paz invadia
a alma que, por sua vez, unificava o corpo. A origem da sua perfeição primeira
não vinha deles próprios, à maneira dos ascetas budistas, mas da sua união a
Deus, oferecida como um presente no dia da Criação.
Os dons preternaturais eram
múltiplos e o maior deles chamava-se imortalidade, mas havia muitos outros que
vamos tentar descrever.
A imortalidade é, pois, o
mais espantoso dos dons feitos aos nossos primeiros pais. A Igreja, enfrentando
o sorriso trocista da ciência, não hesitou, pela voz de Paulo VI, em colocar
esta espantosa crença no Credo da Igreja.[52]
Todos sabemos, no entanto, a
ciência moderna parece tê-lo mostrado, que a morte é natural nos seres vivos.
Está inscrita desde o seu nascimento nos genes, e a velhice não é senão a
consequência de uma lentidão programada das divisões celulares. Cada espécie
viva tem a sua duração própria que se pode prolongar, se for manipulado o gene
responsável por essa duração.
De certa maneira, esse gene
é a “árvore da vida”, de que fala a Bíblia no capítulo 3 do livro do Génesis.
Adão e Eva não foram feitos diferentes de nós, uma vez que nos comunicaram a
sua natureza humana. Estas descobertas científicas podem permitir-nos
interpretar de uma forma mais profunda, o dogma da sua imortalidade. Fazendo
deste modo, não estamos senão a imitar o método de S. Tomás, que não hesitou em
utilizar a ciência da sua época.
Duas hipóteses de
investigação se me apresentam. A que proporia que o gene da morte, presente em
Adão e Eva, era recessivo, quer dizer, não funcionava, permitindo que as suas
células tivessem uma divisão incessantemente renovada, uma eterna juventude.
Esta hipótese teológica parece pouco sustentável, ainda que seja sedutora. Uma
leitura literal de certas passagens da Bíblia, poderia, no entanto, apoiá-la.
Desde o capítulo 6 do Génesis, vemos Deus decidir, ao ver a maldade dos homens,
encurtar a sua vida: “Que o meu espírito
não seja para sempre humilhado perante o homem, uma vez que ele é carne. A sua
vida não será mais que de 120 anos”[53].
Esta hipótese não é a boa. Tudo quanto existe na terra, está submetido, tarde
ou cedo, à corrupção. Mesmo se certos cientistas da genética pudessem prolongar
a duração terrestre do homem pelas suas manipulações dos genes responsáveis
pelo envelhecimento, não poderiam tornar a vida eterna. Por isso, quando a
Bíblia fala da vida eterna que simboliza
com a “árvore da vida”, diz[54]:
“Deus expulsou o homem e colocou diante do jardim do Éden os querubins e chama
da espada fulgurante para guardar o caminho da árvore da vida”.
A hipótese mais tradicional[55]
parece-me ser a seguinte: Adão e Eva eram imortais no sentido em que Deus não
os deixaria morrer se eles não tivessem pecado. A sua vida seria, sob todos os
aspectos, idêntica à da Virgem Maria: certamente que teriam envelhecido, as
células ter-se-iam dividido menos depressa! Mas o poder das suas almas,
fortalecido por Deus, teria protegido o corpo de toda a doença, de toda a
enfermidade. Se não tivessem pecado, Deus tê-los-ia deixado na terra o tempo
necessário para que dessem vida aos seus filhos, que os tivessem educado.
Depois, tê-los-ia vindo buscar, tê-los-ia aspirado para a sua glória, em corpo
e alma, como o fez para Maria no dia da Assunção. Nunca teriam conhecido a
morte, nem eles nem os seus filhos. Nunca o seu corpo teria conhecido a
corrupção, porque Deus se teria adiantado à fraqueza da carne, pelo seu poder.
A imortalidade de Adão e Eva parece-me ser, pois, um fenómeno preternatural
devido às suas almas unidas a Deus, e não um fenómeno de ordem puramente
genética (devido ao seu corpo).
Mas, existiam neles outros
dons preternaturais que podem ser descritos em dois grupos distintos. A
harmonia total da sua vida interior, da sua psicologia e a harmonia total do
seu ser com o universo.
1) A harmonia total da vida
interior. A Bíblia diz assim: “Adão e Eva estavam nus e não tinham vergonha”.
Esta pequena frase pode simbolizar por si só a maravilha desta harmonia. Um
homem normal, quando vê um corpo esplêndido de mulher, corre fortemente o risco
de experimentar baforadas de sensualidade. “Nada de mais natural”, dir-se-á.
Mas, se por uma razão ou outra, esse homem quer controlar ou mesmo parar os
seus pensamentos, aperceber-se-á depressa que não é assim tão fácil. Existe uma
lógica da carne que, como cavalo fogoso, resfolga para se submeter à vontade. É
esta lei da carne oposta à do espírito, que torna a consagração monástica
heróica e a fidelidade conjugal, por vezes, difícil. Ela estava totalmente
ausente da vida dos nossos primeiros pais. Não apenas não existia no plano
sexual, mas era impossível em qualquer dos outros domínios da vida. A
justificação estava, mais uma vez, em Deus: a vida sobrenatural tinha de tal
modo invadido os seus corações, que a alma encontrava-se fortalecida para tudo
harmonizar. Na vida de todos os dias, a maioria das feridas que infligimos aos
outros, vêm desta fraqueza: um carácter colérico bem pode tomar a firme resolução
de nunca mais se enervar; recomeçará no dia seguinte e uma vida inteira quase
não chegará para controlar completamente essa tendência. Adão e Eva não podiam
pecar por fraqueza. Possuíam todas as virtudes de uma forma natural e inata. A
Bíblia, para nos mostrar isto, serve-se do exemplo significativo da
sexualidade.
Quando Adão via Eva,
olhava-a como a sua amiga mais querida, e a beleza do seu corpo encantava-o.
Era o amor que comandava todas as suas atitudes para com ela; tudo neles, mesmo
o prazer sexual mais intenso, era simples.
Depois do pecado original,
tudo se tornou complicado: as faculdades animais, neles como em nós, tomaram a
autonomia e procuraram o seu próprio bem. A alma, separada de Deus, perdeu para
sempre o seu poder unificador. Adão viu em Eva não mais a sua esposa, mas um
objecto para o seu prazer. E teve vergonha. Experimentava pela primeira vez o
que é uma sexualidade que se interessa apenas pelo prazer.
2) A harmonia total do ser
com o universo. Este dom preternatural é da mais alta importância para o nosso
estudo. A Igreja afirma que a alma unida a Deus, os harmonizava não apenas com
eles mesmos, mas com todo o cosmos. O corpo, dotado de uma sensibilidade
requintada, era capaz de viver como por instinto, com esse mundo feito propositadamente
para eles. A Bíblia fala pouco a este respeito, mas o que diz chega para abrir
caminho a muita investigação actual. A Bíblia contenta-se em descrever as
relações do homem com os animais: “Deus trouxe ao homem todos os animais
selvagens e todos as aves do céu para ver que nome lhes poria”.[56]
Portanto, os animais não
fugiam, vinham livremente ter com o homem, como que subjugados pela presença
daquele que sentiam superior a eles. A capacidade de atrair os animais
representa um fenómeno paranormal bem constatado hoje, dom que possuem apenas
as pessoas muito pacificadoras, quase maternais.
Mas o universo não é
constituído só por animais: existem também os planetas (o que coloca a questão
do horóscopo), os minerais como a água (o que nos deve interrogar sobre o que é
um vedor), as plantas (o que é ter ‘mão de jardineiro’?). Antes de entrar na
análise específica de cada fenómeno paranormal, é preciso narrar o segundo
drama da criação: o pecado dos homens.
Adão e Eva tinham sido
criados perfeitos: a sua inteligência tinha recebido tudo quanto era necessário
para fazer deles um homem e uma mulher. Conheciam a possibilidade do mal e a
revolta de Lúcifer. A sua vontade era perfeitamente dona de toda sua vida. Não
podiam praticar o mal, nem por fraqueza, nem por ignorância. Não o podiam fazer
senão por escolha.
Deus, por outro lado,
tinha-lhes revelado o seu projecto secreto acerca deles. A palavra Divina já
tinha ressoado muitas vezes no seu coração. Sabiam, pois, o que deviam fazer
durante a sua estadia na terra: ter filhos[57],
para que eles próprios pudessem viver e conhecer Deus. Educar esses filhos para
fazer deles homens: desenvolvendo a sua inteligência pelo conhecimento do
universo[58],
desenvolvendo a sua eficácia na transformação do mundo[59],
mas, sobretudo, desenvolvendo as capacidades do coração. Já nessa época, nesse
primeiro instante da criação do homem, o mandamento do amor representava o
resumo de toda a vontade de Deus. S. João diz que amar é o mandamento mais
antigo, recebido desde o início[60].
Adão e Eva viviam esse mandamento com todo o seu ser. Como eram os únicos
habitantes da terra, como a sua bondade e limpidez irradiava por toda a
natureza que os rodeava, podemos dizer sem mentir que viviam num verdadeiro
“paraíso terrestre”. Deus viu esse mundo que acabava de criar. Era muito bom![61]
No entanto, algures
escondidos como leões prestes a saltar[62],
os anjos revoltados espreitavam. Em silêncio, desprezavam essas duas criaturas,
ridículas a seus olhos, que eram o homem e a mulher. Indignavam-se ao ver Deus
ter tanto cuidado com seres de inteligência limitada, com um corpo pesado.
Remoíam no coração o que, a seus olhos, era um escândalo. Indignavam-se ao
recordarem-se do que outrora Deus tinha exigido deles, como condição para
entrarem na Visão face a face: servir os homens, serem os seus protectores!
“Que loucura, que indignidade!” proclamava Lúcifer, “mostremos a que ponto Deus
se engana. Façamos com que se arrependa de ter criado esses seres de carne,
essas supostas obras-primas. Quando compreender, há-de mostrar-se a nós face a
face, sem exigir nenhuma condição indigna da nossa Nobreza.”[63]
O pecado mais grave de
Lúcifer, chama-se presunção. Desejava ver Deus face a face, mas pretendia obter
essa felicidade sem aceitar as condições postas por Deus. Trata-se de um pecado
contra o Espírito Santo, o mais grave entre todos. A consequência, na sua
vontade, chamou-se ódio implacável ao homem e à mulher que eram, sem o saberem,
causa da sua queda. A sua única obsessão resumia-se deste modo: destruí-los.
Mas nada podiam contra o homem e a mulher, que estavam protegidos por legiões
de anjos fiéis. A única liberdade que restava a Lúcifer era falar-lhes como que
do exterior.
Deus antecipou-se, junto de
Adão e Eva, a qualquer acção do Demónio. Disse-lhes: “Podes comer de todas as
árvores do jardim, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, não comerás
porque, no dia em que comeres, morrerás”.[64]
Não há qualquer vestígio de
macieira nestas palavras. O seu sentido é, pelo contrário, totalmente
espiritual, e Adão e Eva não se enganaram quanto a isso. A árvore do
conhecimento do bem e do mal, representa o orgulho intelectual. Tomada em
sentido próprio, esta palavra de Deus pode traduzir-se deste modo: “Podes
experimentar tudo, conhecer tudo, tentar tudo, fazer tudo, excepto uma coisa:
ordenei-te que pusesses o amor no centro da tua alma. Ordenei-te que me amasses
a mim, teu Criador, com todo o teu coração, toda a tua alma, toda a tua força e
que amasses a tua mulher e os teus filhos que nascerem de vós, como a ti mesmo.
Se um dia, para tua desgraça, puseres outra coisa diferente deste amor no
centro da tua vida, se chamares ‘bem’ àquilo que eu chamo ‘mal’, se deres a ti
mesmo um novo conhecimento do bem e do mal, então é certo que destruirás o que
fiz em ti, e essa destruição do teu coração conduzirá, um dia, à do teu corpo.
Morrerás”.
Adão e Eva acreditaram nesta
palavra de Deus, com toda a confiança que tinham nele. Talvez não tenham
prestado a atenção necessária ao aviso trágico que ela continha, de tal forma o
mundo lhes parecia pacífico e sem perigo, de tal forma Deus era bom.
Nesse primeiro instante da
sua criação, Adão e Eva entregaram-se inteiramente à alegria de descobrir o
universo criado para eles. A sua alma não era senão acção de graças para com o
Criador. Tudo poderia ter continuado assim durante toda a sua vida. Teriam tido
filhos, numerosos filhos que educariam, depois, Deus teria vindo buscá-los,
tê-los-ia aspirado para junto dele, corpo e alma, na felicidade eterna do seu
face a face. Não foi assim. É preciso tentarmos reconstituir, baseando-nos no
texto bíblico, o segundo drama da criação, que levou, depois da queda dos
anjos, à dos homens.
“A serpente era o mais
astucioso, etc.”. Satanás aproximou-se deles subtilmente e, à maneira de uma
serpente[65]
que se esgueira, deslizou para junto deles para os tentar. A sua táctica foi
perfeita, porque soube mentir com o próprio timbre da verdade. Uma pergunta
bastou-lhe para saber a ordem dada a Eva por Deus: “Então, Deus disse que não
comessem de todas as árvores do jardim”. O que significa abertamente: “Então,
Deus proibiu-vos de fazer seja o que for sem autorização?”
Eva entendeu seu dever, o
repor da verdade: “Não! Deus permitiu que fizéssemos tudo, excepto declarar-nos
donos do que é bem e do que é mal”. O demónio ficou então a saber que a única
ordem dada por Deus fora: “ama e faz o que quiseres”[66].
Percebeu que não podia tentar Eva senão através do pecado de orgulho,
representado pela árvore do conhecimento do bem e do mal: “Não, de modo algum,
não vos acontecerá nada se comerdes dessa árvore. Pelo contrário, não vos
sucederá senão bem: sereis inteligentes e donos das vossas vidas. Sereis como
deuses que fazem o que querem. Deus tem demasiado medo de perder o seu poder
sobre vós. Foi por isso que vos ameaçou de morte”[67].
Esta parábola de Satanás
teve um efeito imediato no coração de Eva. Amar é sem dúvida uma coisa muito
bonita, mas que implica ser dependente. Que aparência de liberdade, pelo
contrário, quando depende de nós e apenas de nós, o fazer o que queremos. Eva, e
no seu seguimento Adão, decidiram, pois, comer dessa árvore, quer dizer,
colocar como bem supremo das suas vidas, para além do próprio amor por Aquele
que lhes tinha dado tudo, o amor da sua própria inteligência.
Imediatamente, com uma
brutalidade que jamais suporiam, “morreram”. Não se trata da morte física, mas
de uma morte bem mais grave: a do coração. A amizade que tinham com Deus e que
lhes iluminava toda a vida, quebrou-se. Perderam o sentimento íntimo da sua
presença. A noite abateu-se sobre eles porque tinham perdido a Luz sobrenatural
a que tudo deviam. As consequências desta perturbação abalaram a ordem perfeita
da sua natureza. O corpo, até aí perfeitamente submetido à vontade,
revoltou-se: “Adão e Eva souberam que estavam nus”[68].
Adão, ao olhar Eva, experimentou um sentimento de cobiça puramente sexual, e
com a sua pureza acabada de perder, teve vergonha. Face ao ataque sórdido da
sexualidade, que não mais podiam controlar, nem pôr ao serviço do amor,
experimentaram a necessidade de se cobrirem. Depois, descobriram neles a
pusilanimidade: Adão acusou Eva de ser responsável da sua perda, e Eva acusou
Satanás, incapazes que estavam de reconhecerem que, se foram seduzidos, foram
somente eles que decidiram pecar. O dom preternatural que os harmonizava com a
natureza desapareceu e, por sua vez, o mundo, até aqui paradisíaco, tomou a
aparência de um inferno. Os animais puseram-se a fugir deles, ou mesmo a
ameaça-los. O corpo vivificado por uma alma enfraquecida, experimentou o frio e
fome.
Vendo-se tão fracos e
pobres, tiveram medo. Deus tornou-se ele próprio, a seus olhos, um perigo.
Começaram a fugir dele, incapazes de se recordarem do seu imenso amor, desse
amor que no entanto tinham experimentado antes. Pareceu-me indispensável
recordar esta história. Pode fazer sorrir alguns, de tal modo parece ingénuo
acreditar, ainda nos nossos dias, no que parece ser antes uma lenda. Apesar
disso, o Magistério da Igreja continua a ensiná-lo incansavelmente. A seus
olhos, não podemos compreender o nosso estado actual, sem nos referirmos a esse
drama das origens, esse pecado original.
A Igreja, na sequência de S.
Paulo, ensina uma verdade muito mais difícil de acreditar: “Adão e Eva, ao
escolherem ser livres relativamente a Deus, ao separarem-se dele,
comprometeram-se POR NÓS”. Arrastaram-nos com eles, com todo o conhecimento de
causa. S. Paulo exprime-o deste modo: “Por um só homem o pecado entrou no mundo
e, pelo pecado, a morte. E assim, a morte passou para todos os homens, porque
todos pecaram”[69].
As consequências desta fé, são importantes para compreender a realidade dos
fenómenos paranormais. Deus não devolveu aos descendentes de Adão e Eva, os
dons sobrenaturais (a proximidade da sua presença) e os dons preternaturais
nunca mais existirão com a mesma intensidade que nos nossos primeiros pais. No
entanto, é provável que permaneçam presentes em germe na natureza humana.
Permitem certamente explicar certas faculdades paranormais, que por vezes
aparecem.[70]
A história da humanidade, no
seu conjunto, até Abraão, não é aos olhos da Igreja senão a consequência lógica
e lamentável da falta original. Durante milhões de anos, Deus deixou o homem
comer até ao fim, os frutos d árvore do conhecimento do bem e do mal. Deus
deixou o homem livre de se orientar sozinho. Não impôs nenhuma ordem nova.
Quando um homem o buscava, respondia no seu silêncio que é luz. Mas, muito
poucos homens tiveram sede dele. A Bíblia cita alguns: Enoch, Noé. A maioria
dos outros, a grande massa dos outros, viveram dessa “divina e irrisória
liberdade” prometida por Satanás, irrisória liberdade de que Freud, de forma
exagerada, mostrou os limites: liberdade condicionada, por vezes, determinada,
pelos instintos do corpo, pelos movimentos do ambiente social. Liberdade
manipulada, afirma a Igreja, pelo papel oculto dos demónios vencedores e
triunfantes que, no dia da queda de Adão e Eva, receberam um poder directo
sobre o corpo, a imaginação e as paixões.[71]
Teve como consequência,
muito mal, até hoje. Trata-se, felizmente, de um mal provocado mais pela
fraqueza das paixões e pela estupidez, do que por uma real maldade. Poucos
homens são capazes de ser realmente maus, de tal modo a natureza humana está
fragilizada. O primeiro, Caim, filho de Adão, matou o seu irmão Abel, por
inveja, mergulhando através disso mesmo, a sua mãe, no desgosto. “Conceberás na
dor”, tinha predito Deus. Depois, a humanidade perverteu-se cada vez mais,
apesar das renovações parciais de civilização. A pré-história teria muito a
dizer neste domínio.
Deus ama o homem e todas as
suas acções relativas a ele não se compreendem senão à luz do seu desejo de lhe
dar a felicidade infinita e perfeita: “ver-me-eis face a face”. Não existe,
pois, aos olhos de Deus, senão um único mal absoluto: é o orgulho, “a árvore do
conhecimento do bem e do mal”. Este mal é o única capaz, a seguir à morte, de
mergulhar o homem numa escolha eterna e terrível, a do Inferno.
Quando Deus deixa a
liberdade ao homem, é por amor por ele, porque o respeita. Isto permanece um
grande mistério, sobretudo quando esta liberdade conduz ao assassínio, à
violação. Deus cala-se. A fé cristã fala de uma segunda fase na história da
humanidade: aquela em que Deus voltou de novo a falar. Começou com Abraão e
terminou com Jesus, quando ele próprio se fez homem. A Boa-Nova, o Evangelho,
resume-se nesta única Palavra, sempre a mesma: “Amo-vos. Se me amardes e
fizerdes o que vos mando, ver-me-eis face a face”.
TERCEIRA PARTE: OS FENÓMENOS PARANORMAIS
“Abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de
Deus! Como são insondáveis os seus decretos e incompreensíveis os seus
caminhos! Quem jamais conheceu o pensamento do Senhor? Quem foi alguma vez seu
conselheiro?”[72]
Esta sabedoria, de que
tentámos dar alguns linhas mestras na parte anterior, ilumina com uma viva luz
todos os problemas humanos e, em particular, o dos fenómenos paranormais. A
revelação da ordem do universo, tal como Deus a quis no seu amor, permite-nos
compreendê-los de uma forma teológica. Tentarei estudá-los um a um, sem
pretender ser exaustivo, de tal modo a criação abunda em tesouros por
descobrir. Em primeiro lugar, irei dedicar-me a uma descrição de cada um dos
fenómenos, depois, a ver o que diz sobre eles a ciência e a filosofia. Não é
senão em último lugar, que apelarei para a teologia.
SECÇÃO I: fenómenos paranormais de origem humana
O reino animal é, muitas
vezes, um revelador do homem a si mesmo, sobretudo nesta época onde o clima
asséptico da cidade nos separa das nossas raízes profundas. Um amigo meu,
apaixonado por fotografia, tinha encontrado, por acaso, uma toca de raposa. Ela
afastava-se muitas vezes da cria, para caçar. Estes afastamentos faziam-se em
horas regulares e duravam muito tempo. Afastava-se, às vezes, vários
quilómetros. Um dia, o meu amigo teve vontade de aproveitar, para se aproximar.
A cria, aninhada no fundo de um terreiro estreito, não se mexeu. Teve então a
surpresa de ver aparecer a mãe, com as garras de fora.
Por várias vezes repetiu a
experiência. Quase sempre a mãe interrompia a corrida, qualquer que fosse a
distância a que estivesse. Donde vinha este sinal misterioso que a fazia
pressentir, quase infalivelmente, um perigo para a cria?
Uma educadora de infância
tinha duas crianças gémeas na classe. Eram gémeos verdadeiros e não se largavam
nunca. Surpreendia-se ao vê-los reagir da mesma maneira. Curiosa com o
fenómeno, decidiu separá-los. Deu a cada aluno uma dezena de folhas de papel e
deixou-lhes uma hora para fazerem, em cada uma, um desenho à sua escolha.
Terminado o trabalho, recolheu as folhas segundo a ordem da composição e teve a
surpresa de constatar que os gémeos, embora afastados na aula, se tinham
copiado. Não apenas os temas eram semelhantes, mas também os detalhes dos
desenhos.
Nas relações mãe filho, os
testemunhos são numerosos: que pensar dessas intuições súbitas que se apoderam
de numerosas mães, cujo filho está na guerra: “Aconteceu uma desgraça,
sinto-o”. Se a notícia da morte se confirma e se a hora coincide com a
intuição, as pessoas não hesitam em falar de coincidência. Comentam o
acontecimento dizendo: “estava tão próxima dele, não admira que o tenha sentido
morrer. Ele deve ter querido preveni-la”.
Perante tais histórias, não
se pode senão ficar impressionado. Trata-se aqui, sem dúvida, de um fenómeno
paranormal, tal como o definimos. Como explicá-lo? É à ciência soviética que
devemos as investigações mais interessantes neste domínio. A experiência mais
impressionante e célebre, foi realizada para fins militares. Duas pessoas eram
particularmente conhecidas na URSS, por serem dotadas no domínio das percepções
extrasensoriais. Depois de diversos testes surpreendentes, feitos em
laboratório, decidiu-se avançar com a investigação a bordo de submarinos. Um
dos médios embarcou, ao passo que o outro permaneceu em terra. Quando o médio
que ficou em terra começou a emitir, o outro dormia a bordo do submarino.
Acordou, no entanto, como se um sinal o tivesse movido e captou com certo
sucesso uma parte do texto codificado.
Constatou-se uma ligeira
diferença de tempo entre a emissão e a recepção e, levando a experiência mais
longe, percebeu-se que esta diferença não era proporcional à distância entre os
dois homens. O emissor, como o receptor, tinham necessidade de muita
concentração e saíam cansados das sessões. O electroencefalograma manifestava
uma intensa actividade cerebral.
Esta experiência e muitas
outras no seu seguimento, deram um estatuto científico ao fenómeno da
telepatia. Se bem que submetida às habilidade da afectividade humana, se bem
que se produza a maioria das vezes espontaneamente e seja difícil de reproduzir
em laboratório, abre-nos para a existência no cérebro humano, de uma faculdade
misteriosa de emissão e de recepção. Resta, no entanto, um problema a resolver
cientificamente: é o da natureza daquilo que é emitido. Diversas hipóteses
foram propostas, mas a mais válida parece-me ser aquela que a atribui a um
fenómeno de ondas cerebrais. O cérebro é local de uma intensa actividade
electromagnética. Nada impede que se comporte à maneira de um rádio, com a
diferença de que imite um tipo de ondas absolutamente desconhecido até aqui.
Sobre a natureza dessas
ondas, diversas constatações parecem, apesar de tudo, poder se feitas. A
proximidade genética (gémeos) ou afectiva (mãe-filho) de duas pessoas, parece
ajudar consideravelmente o fenómeno. Este dado parece sugerir que existe, para
cada um de nós, um “comprimento de onda” específico, determinado ao mesmo tempo
pelo nosso corpo (dom genético dos nossos pais) e pela nossa psicologia
(aspecto adquirido mais tarde).
A existência de certos casos
muito raros (como os dois médios soviéticos), parece indicar que tocamos aqui
numa faculdade parapsicológica muito rica. Estes dois homens podiam conjugar
entre eles, à vontade, a recepção telepática; o treino quotidiano tornava mais
fácil a experiência.
Na base desta hipótese,
numerosos caminhos parecem abrir-se à investigação científica. Mas, se a
hipótese se confirma, podemos pressentir, sob a noção de telepatia, a
possibilidade de um novo desafio para a humanidade… e de um novo perigo. Que se
irá fazer com estas novas técnicas…?
Quanto à filosofia, não pode
senão apaixonar-se por estas investigações da ciência. Não apenas se interessa
por elas, mas pode ajudar a ir mais longe, descrevendo toda uma série de factos
próximos da telepatia. Certas mulheres sentem, num só olhar, se é preciso
desconfiar ou ter confiança numa pessoa que nunca viram. Parecem atravessar a
fachada de um rosto, para ler directamente o psiquismo. Podemos perguntar se
não temos aqui o segredo de uma certa forma de vidência.
Outras pessoas, têm a faculdade
intuitiva de se aperceberem do ambiente que reina numa assembleia. Entram numa
sala e são tomadas, antes de nada terem visto ou ouvido, pelo clima que ai
reina: cólera ou mentira, alegria ou descontracção. Tais fenómenos não admiram,
são frequentes. O próprio mundo animal está cheio deles. Fiquei impressionado
ao ver como certas pessoas, pela sua única presença, tinham o dom de pacificar
os animais mais ferozes. Outras, pelo contrário, parecem excitá-los sem terem
necessidade de falar ou de se mexer. É preciso, parece-me, ver, aqui também, um
fenómeno intuitivo extrasensorial: o animal acalma-se porque sente que aquela
pessoa não lhe pode fazer mal.
Levada aos limites extremos,
esta relação animal-homem pode ir muito longe. As tradições cristãs e budistas,
encontram-se no seu comum amor pela vida ermítica. Se bem que um ermita cristão
não o seja pelos mesmos motivos que um ermita tibetano, assemelham-se na
procura da paz interior. Porquê admirar-nos que estas duas tradições, sem se
consultarem mutuamente, testemunham terem visto homens a viver com animais?
Estes eram como que atraídos, subjugados, pela presença da irradiação
particular do solitário. O Evangelho, falando de Jesus, diz: Ele estava no
deserto com os animais selvagens[73].
Dá-nos a impressão de reencontrar um vestígio do jardim de Adão e Eva.
Conclusão:
De tudo isto, o que é
necessário reter é que a telepatia, apesar do seu carácter misterioso, é um
fenómeno absolutamente natural. Não há necessidade de apelar para Deus para o
explicar.
CAPÍTULO 2: Os pêndulos e os vedores: o magnetismo cognitivo
Antes de entrar numa
avaliação teológica, é preciso levar mais longe a nossa investigação. Parece
que outros fenómenos se aparentam à telepatia. Se bem que a ciência os tenha
estudado pouco, até aqui, as descrições são suficientemente precisas para
demonstrar a sua existência. A telepatia exerce-se entre dois cérebros (animais
ou humanos). O fenómeno tratado neste capítulo exerce-se entre um ser vivo e o
mundo material.
No nosso meio rural, não é
raro que se apele para um homem conhecido por todos com o nome de vedor. Mesmo
na era do modernismo, alguns empresários não hesitam em apelar par os seus
serviços, quando têm que localizar a fuga subterrânea de uma canalização. Os
vedores descobrem a água. Os métodos de trabalho que utilizam são
significativos. De braços estendidos, deslocam-se sobre o terreno a prospectar.
Os vedores utilizam um pequeno instrumento, como um pêndulo ou uma pequena vara
que colocam de tal forma, que o mínimo movimento dos dedos, mesmo ínfimo, se
torne visível. Se interrogarmos os vedores, as suas respostas são diversas.
Alguns afirmam não saber como fazem. Não constatam senão uma coisa: quando a
vara mexe, é que a água está presente. Parecem ser os autores inconscientes de
um jogo que os ultrapassa. Outros, ao contrário, parecem sentir a presença da
água. O pêndulo é para eles um acessório quase inútil. Alguns podem mesmo
fornecer antecipadamente a quantidade de água presente e a sua profundidade no
solo.
Como explicar este fenómeno?
A ciência constata o facto, mas somos totalmente obrigados a admitir que não
faz mais do que isso. Apesar deste silêncio, a hipótese mais válida parece-me
ser análoga à que é emitida para a telepatia. Parece que estamos perante certas
radiações geológicas. A água é um corpo bem conhecido, que tem a sua própria
assinatura química. Nada impede, no entanto, que tenha ainda propriedades
desconhecidas da ciência, como a de emitir à sua volta uma espécie de radiação,
de “radioactividade” própria. Tal hipótese não é nova. Os nossos antepassados
conheciam esta propriedade dos corpos físicos e as suas influências sobre os
corpos humanos. Não tinham, bem entendido, nenhuma explicação para fornecer,
mas o realismo das suas observações bastava. Tinham constatado que certas
pessoas sensíveis, não podiam dormir senão orientadas segundo um determinado
azimute. Antes mesmo da bússola ter sido inventada, tinham deduzido a
existência de forças magnéticas terrestres. Na Idade Média, não se construía
uma aldeia nova sem chamar um magnetizador. Este devia determinar se o lugar
era são, quer dizer, exempto de magnetismo terrestre nocivo à vida. Tinham
constatado, com efeito, que certos lugares concretos, faziam mal à saúde,
faziam perder o sono, tornavam as pessoas depressivas ou agressivas. Nos nossos
dias, os especialistas constatam, por vezes, nesses sítios, desertados pelos
nossos antepassados, a existência de falhas nas camadas geológicas.
Os magnetizadores modernos
voltaram à moda. Toda a gente conhece o mais célebre de todos eles,
imortalizado por Hergé, no professor Tournesol. Hergé inspirava-se, aí também,
de pessoas reais. Alguns magnetizadores muito dotados, pretendem poder estender
os seus poderes a muitos outros domínios além da procura de água. Pretendem
poder pressentir a presença de qualquer corpo físico no solo. Segundo eles,
cada molécula tem uma assinatura magnética diferente e actua de uma forma
determinada sobre o corpo humano. O pêndulo actua à maneira de um ponteiro de
indicação e é movido pelo corpo físico, presente no solo. Basta, pois, dizem
eles, conhecer a forma do balanço do pêndulo, provocado por cada massa de
matéria, para poder indicar a sua presença no solo.
Outros magnetizadores vão
ainda mais longe: pretendem poder trabalhar à distância. A Polícia utiliza, por
vezes, os seus serviços para casos de pessoas desaparecidas. Pedem que lhes
seja fornecido um objecto que tenha pertencido ao desaparecido e ainda marcado
da sua impressão física. Concentram-se, parecem procurar, depois indicam uma
direcção, por vezes mesmo um local. Um dos exemplos significativos é o de
Jean-Louis Crozier em França. Encontra um certo número de pessoas, sem sair de
casa, em mapas do Estado Maior. Tenho de reconhecer que o seu caso é
perturbador. Se encontrasse, ao passar de helicóptero sobre os lugares
presumíveis de desaparecimentos, poderíamos falar de fenómeno de telepatia
natural. Mas o facto de encontrar num mapa, a milhares de quilómetros do sítio,
sugere uma outra causa sobreposta. Com efeito, o mapa é um papel que não fala
do terreno senão de forma simbólica e longínqua, de uma forma simbólica que apenas uma inteligência
pode compreender. Uma vez que é necessária para o efeito, uma causa adaptada,
não vejo como, em teologia, não inferir, além do seu talento natural, a ajuda
de inteligências angélicas… É assim e veremos ao longo de todo este trabalho: o
domínio do psiquismo humano não está longe do mundo dos espíritos…
Quer seja a telepatia, o
vedor, o magnetizador, parece que estamos perante um fenómeno de magnetismo cognitivo.
Utilizo a palavra cognitivo, para opor ao magnetismo eficaz, descrito no
capítulo seguinte. O magnetismo cognitivo, como o nome indica, não permite
senão conhecer. O telepata conhece o sentimento íntimo de uma pessoa, por
vezes, mesmo os seus pensamentos. O vedor conhece a presença da água. O
magnetizador conhece a de qualquer corpo físico, segundo os dons naturais ou o
seu treino.
Perante esta descrição, o
filósofo não pode senão interrogar-se: como explicar este conhecimento? Faz-se
sempre de modo intuitivo: trata-se mais de um sentimento interior que duma
verdadeira percepção. O filósofo está, em todo o caso, obrigado a colocar a
existência, em cada ser humano, de uma faculdade de percepção extrasensorial.
Esta faculdade está mais ou menos desenvolvida em cada indivíduo, em função da
sua sensibilidade natural. O filósofo é obrigado a colocar uma faculdade
análoga no animal. Geralmente, esta está mais desenvolvida no animal que no
homem, que substitui habitualmente as intuições, pela razão. O objecto desta
faculdade não é a cor nem o cheiro de um corpo, objectos respectivamente da
vista e do cheiro. O seu objecto é a irradiação devida à presença desse corpo.
O cordeiro, quando vê um lobo, mesmo se for a primeira vez, sente que é
perigoso e foge. O lobo, se vir um homem, terá a mesma reacção. Temos aqui o
exercício mais habitual desta faculdade. Permite ao animal pressentir se está
em perigo ou em segurança. Mais raramente, acontece que, cordeiros
particularmente dotados, pressintam a presença do lobo mesmo antes de o terem
visto ou ouvido. Estamos aqui no exercício perfeito desta faculdade. É capaz de
funcionar sozinha, independentemente dos 5 sentidos. S. Tomás de Aquino não
hesitou em dar-lhe um nome: chama-lhe estimativa
para o animal (porque o animal estima através dela o que é bom ou mau para ele)
e cogitativa para o homem (porque o
homem, geralmente submete as suas intuições à razão, à sua cognição).
Como explicar a existência
deste sexto sentido? O corpo humano está mergulhado no mundo, à maneira da
criança que vive na matriz da mãe. Não apenas se alimenta daquilo que o
universo lhe traz, mas faz parte desse universo, através de cada uma das
moléculas que o compõem. É pois evidente, que existem influências da natureza
inteira sobre a vida física. Algumas delas são grosseiras e facilmente
constatáveis (por exemplo, a poluição). Outras são mais finas, mais subtis. Não
afectam senão as pessoas mais sensíveis. A ciência desinteressa-se delas porque
tem tendência a não acreditar senão naquilo que acontece sempre e em toda a
parte. Mas faz mal.
Detenhamo-nos um instante
para colocar o olhar da fé cristã. Com efeito, na descrição destes poucos
fenómenos, o cristão pode tocar com o dedo um vestígio da antiga harmonia que
foi dada por Deus ao homem, mas que este perdeu por sua culpa. Adão e Eva
possuíam estes dons em plenitude. Eles eram a flor do mundo feito para eles. O
sua alma em paz com Deus, pacificava o mundo inteiro. St. António de Lisboa,
dizia que eles falavam com os animais. Não estava errado. A sua comunicação não
era feita por palavras, mas pela confiança. Falavam à maneira como um pastor
fala às suas ovelhas, quando as ama.
Conheciam a natureza toda
por uma ciência vinda do seu interior. Não tinham nenhuma necessidade de
dissecar uma planta para a conhecer. A água que corria sob a terra não tinha
segredos para eles. Eram vedores duma forma inata.
Mas, que dizer da amizade?
Sabiam desde o primeiro momento do seu amor, o que nós descobrimos raramente no
termo de uma vida inteira: essa harmonia perfeita que faz pressentir o desejo
do outro, antes dele falar. O fenómeno da telepatia, sendo sem qualquer dúvida
um dos dons preternaturais de Adão e Eva, a Igreja ensina que, infelizmente, o
pecado original destruiu essa harmonia.
Alguns proclamam: “Não choreis
o paraíso perdido e os seus dons parapsicológicos, porque ele não está
inteiramente perdido. Podeis reencontrá-lo. Olhai os monges tibetanos.
Trabalham e encontram, pelo seu próprio esforço. A telepatia torna-se-lhes
quase natural, à maneira de Adão e Eva!”
Os que assim falam não estão
totalmente errados, é preciso reconhecê-lo: os dons preternaturais permanecem
escondidos, em germe, no fundo da natureza humana. Mas esquecem uma coisa: os
monges tibetanos, eles próprios, acabam por morrer[74].
A sua vida de ascese e de Yoga não os leva para o paraíso perdido. O Nirvana
não é o Éden. A Bíblia afirma o seguinte: “Deus expulsou o homem e colocou
diante do jardim do Éden os querubins e a chama da espada fulgurante, para
guardar o caminho da árvore da vida”[75].
A graça original está, pois, completamente perdida. O monge budista alcança uma
harmonia física e psíquica que não passa de um vestígio longínquo, um rasto na
poeira onde se deitaram Adão e Eva. Falta a esta procura a fonte de vida que
jorrava para a vida eterna, no coração dos nossos primeiros pais: Deus.
Esta redescoberta das
faculdades parapsicológicas do ser humano, não permite dar ao cristão falsas
esperanças sobre um retorno à harmonia original perdida. A Igreja é muito clara
acerca disso: a prática dos yogas orientais é legítima e pode mesmo ser muito
proveitosa, uma vez que permite um melhor controle das faculdades do corpo e do
espírito. Inversamente, por mais longe que permitam ir estes métodos, serão
sempre limitados, porque o paraíso terrestre não mais existe. É preciso evitar
iludirmo-nos, ao fazer do yoga mais do que ele na realidade é.
Os monges cristãos
compreenderam bem isso: se acontece que alguns deles praticam alguma forma de
yoga, não o fazem senão porque a ascese e a paz psicológica que daí resulta,
dispõe para uma melhor concentração na oração. Mas não se trata aqui senão de
uma disposição. Nunca o yoga poderá dar ao monge cristão, o que constitui o
fim, a sede de toda a sua vida: Deus. Os monges cristãos não têm tempo de
procurar no yoga os dons preternaturais de Adão e Eva. Na sequência de St.
Agostinho, compreenderam o seguinte: “Possuir os dons preternaturais sem Ti, ó
Deus, é não possuir nada; mas possuir-te a Ti, é ser rico de toda a riqueza.”[76]
Comportam-se à maneira de um homem que tendo encontrado uma pérola de grande
valor (Deus), vende tudo o que tem, até a própria vida, para a comprar[77].
CAPÍTULO 3: A telecinésia e os curandeiros-magnetizadores: O magnetismo eficaz
Uma das descobertas
científicas mais importantes do nosso século foi, sem dúvida, a das ondas. O
fenómeno ondulatório era conhecido desde há muito (cordas de uma guitarra,
pedra na água), mas não se imaginava a extensão que tomaria nos domínios
electromagnético, luminoso, etc. As ondas estão por todo o lado e existem de
todas as espécies. Algumas deslocam-se à velocidade da luz, outras não. Não
pára de se encontrar uma nova aplicação para este fenómeno energético. Desde há
um século, as ondas são utilizadas como vectores de informação (T.S.F.,
televisão). Hoje, aparecem novas aplicações para a transmissão de energia. As
ondas são utilizadas pela sua eficácia (ver o forno de microondas e as suas
propriedades sobre os líquidos).
É uma nova página do
conhecimento do nosso mundo que se abre com este domínio.
Se abordo este assunto, é
que há um domínio do paranormal que poderia encontrar aqui a sua explicação.
O que é a telecinésia? É o
poder que teriam certos homens de deslocar um objecto a distância, pela força
única do seu psiquismo. A televisão mostrou-nos em Maio de 1990, uma das
aplicações mais espectaculares deste fenómeno: tratava-se de um mestre em artes
marciais, japonês, que dominava tão bem esta técnica, que podia dar uma pancada
à distância, capaz de deitar abaixo o adversário. O jornalista, intrigado e
séptico, quis experimentar ele mesmo. Teve a surpresa de se sentir paralisado,
incapaz de mexer, esmagado por uma força que lhe penetrava todos os músculos.
Outras experiências foram feitas, todas elas mais convincentes. Teria sido boa
a presença de um cientista.
Se bem que não estivesse lá
naquele dia, a ciência, não obstante, já se debruçou sobre este tipo de
fenómenos. É, mais uma vez aos soviéticos, que devemos os estudos mais sérios
sobre este assunto. Uma das verificações mais célebres foi feita com uma mulher,
cujo poder nesta matéria era bastante limitado, mas suficiente, para ser
verificável. À força de muita concentração, podia deslocar à distância, um
pequeno objecto do tamanho de um lápis. Fizeram que actuasse com um
dinamómetro.
Constatou-se que a força exercida
diminuía, quando ela afastava as mãos. As mãos funcionavam de uma forma análoga
ao de um íman que repele ou atrai um outro íman, segundo a sua polaridade.
Mediu-se efectivamente um intenso campo electromagnético junto dela.
Convém, no entanto, dar
demasiada importância a estes fenómenos. Um exemplo de falsificação ou de
prestidigitação merece ser aqui contado. Em Abril de 1973, no canal FR3, um
parapsicólogo célebre, Jean-Pierre Girard, foi convidado a demonstrar em
directo os seus poderes. Conseguiu torcer à distância, garfos e, depois, barras
de aço. Uma peritagem científica foi pedida, na sequência dessa emissão que
teve grande sucesso. Na presença de cientistas, convidou-se Jean-Pierre Girard
a tornar a fazer a experiência das barras de aço, feitas de uma liga de
altíssima resistência, não podendo dobrar senão com uma força média
desenvolvida com uma chave dinamométrica de 45 newton-metro (um homem de força
média desenvolve com uma chave dinamométrica apropriada, 26 newton-metro,
empregando toda a força dos dois braços). O Sr. Girard segurava a barra de 25
cm na mão direita e passava a esquerda por cima a cerca de 3 a 4 cm. Por vezes,
tocava-a ao de leva. Foi nestas condições, perfeitamente controladas, que a
barra referenciada “A5B2”, se dobrou duas vezes, de forma absolutamente
indiscutível. As dobras sucessivas ocorreram em dois pontos diferentes,
espaçados de 4 cm. “O fenómeno era perfeitamente visível do princípio ao fim,
produzindo-se as deformações durante 20 segundos, de cada vez. O diâmetro da
barra era de 1,5 cm, o que tornava a experiência impressionante”[78].
Aparentemente, uma tal experiência não se pode explicar por uma torção exterior
da barra, mas apenas por uma acção directa e interna sobre a própria liga, do
interior.
A hipótese da presença de
ondas suficientemente eficazes para comunicar uma parte da sua energia é,
evidentemente, a melhor. Este fenómeno parece ser, aqui também, natural e digno
de se tornar objecto de investigação científica. No entanto, diante deste
fenómeno, cientistas tiveram a ideia de criar na Internet o seguinte desafio: “Um milhão de dólares àquele que repetiria
esta experiência com uma colher… hermeticamente fechada numa esfera
transparente de vidro.” O Prémio continua em aberto, na Internet, desde
1995.
Quer dizer que tudo isto é
ilusão? É a cientistas americanos que devemos a prova, totalmente científica e
reprodutível, desta vez, do contrário, não para torcer colheres, no entanto,
mas para micro-movimentos de objectos muito pequenos. A fim de estudar hipotéticos
efeitos do psiquismo humano sobre os circuitos informáticos, tiveram a ideia de
montar a seguinte experiência.. Construíram uma “máquina de telecinésia”, qa
saber, um grande reservatório de micro-bolas calibradas para caírem num a
proporção de 50-50 em dois reservatórios. Uma pessoa tinha de se instalar
diante dos reservatórios e tentar, pelo pensamento, fazer cair mais micro-bolas
à direita. Os resultados foram surpreendentes: uma determinada pessoa, obtinha
sempre o mesmo número (por exemplo: 51,08% de bolas à direita) e isto qualquer
que fosse a intensidade da concentração. E este número “assinante” de
determinada pessoa era o mesmo quando a pessoa fazia a experiência… a partir de
casa ou do outro lado do mundo.
A hipótese de ondas
suficientemente eficazes para comunicar uma parte da sua energia é
evidentemente a melhor. Este fenómeno parece, mais uma vez, ser natural e digno
de se tornar objecto de investigação científica.
Apoiado nestas premissas,
parece-me que deve ser possível levar mais longe a aplicação e dar pistas de
base a capítulos que trataremos mais tarde: se existe no homem uma força
psíquica capaz de deslocar objectos a distância, nada impede que alguns a
utilizem, conscientemente ou não, em fenómenos que as crenças populares
atribuem habitualmente aos anjos, ou mesmo, a Deus. Falo das casas que se dizem
assombradas[79]
porque se vê nelas objectos que se deslocam sozinhos. Penso também no fenómeno
da levitação[80].
É verdade que é surpreendente ver um homem suspenso nos ares. Será sempre um
milagre? Não haverá possibilidade de uma levitação natural?
Mas, a mais bela aplicação,
parece-me ser a do curandeiro-magnetizador. O nosso meio rural está repleto de
curandeiros e não é raro que se apele para eles, quando a medicina habitual não
pode mais nada.
Existem charlatães em número
inacreditável, donde a necessidade de ser prudente. Se um membro está torcido
ou uma vértebra deslocada, chama-se um endireita. Mas se a doença é mais grave,
acompanhada de grande cansaço, é para o magnetizador que nos voltamos. A
tradição rural não esqueceu estas pequenas profissões paramédicas.
O magnetizador de que
falamos, nada têm a ver com o bruxo que invoca os espíritos em auxílio.
Trata-se de um homem que,
impondo as mãos sobre os doentes, parece comunicar-lhes uma renovação de
energia. Se os interrogarmos, ouvimo-los descrever sensações de um doce calor
que se espalha neles, a partir do local onde a mão poisou. Pude constatar eu
próprio o bem realizado por um magnetizador, sobre uma pessoa cancerosa. Não
podemos dizer que a curava. É mais rigoroso descrever a sua acção, pelo aporte
de um acréscimo de força para lutar contra a doença. Segundo o testemunho do
homem, a acção não é apenas de ordem psicológica (o curandeiro não levanta
apenas o moral). Há verdadeiramente comunicação progressiva de energia física
de um para o outro. O magnetizador parece esvaziar-se da sua força
proporcionalmente, e acaba os seus dias esgotado. Pude constatar que muitos
velhos, sem qualquer doença senão a da velhice, frequentavam este género de
médicos. Parece-me isto muito bem, e é sem dúvida a única medicina que lhes
convém. O magnetizador surge como um carregador de baterias. Substitui, do
exterior, a fonte de energia vital que não existe no interior.
Que pensa a Igreja? Lembra
com força a prudência extrema que se deve ter neste domínio. Sob a palavra
curandeiro esconde-se toda uma fauna que vai do pseudo-médico que não sabe
nada, ao bruxo adepto da magia negra. No primeiro caso, põe-se em perigo a
saúde física, no segundo a saúde psíquica e espiritual. Se, depois de uma
investigação, estivermos seguros de estar em face de um magnetizador, podemos
consultá-lo sem medo. Quanto a este, deve sempre permanecer em contacto com a
medicina oficial.
O horóscopo não necessita em
si de um capítulo especial. Poderia muito bem ter entrado nos capítulos
precedentes, consagrados ao magnetismo. Mas, diante da importância que lhe é
dada nas nossas sociedades, parece-me necessário tratá-lo à parte. Além dos
horóscopos semanais das revistas, vemos aparecer o horóscopo na “minitel”[81].
Certas empresas não hesitam em escolher o seu pessoal em função do tema astral.
Esta atracção pode ser
perigosa. É indispensável levar muito longe o estudo científico e filosófico do
fenómenos: que valor se deve atribuir à astrologia? Podemos ler o futuro nos
astros?
O que é a astrologia? É o
estudo da influência dos planetas do sistema solar sobre o comportamento dos
homens ou, mesmo, dos animais.
Para melhor resolver este
problema, temos de apelar primeiro para a ciência psicológica oficial:
constatou-se uma real influência dos astros sobre o comportamento? A resposta é
‘sim’ se falarmos do sol e da lua, ‘não’ se falarmos dos planetas. A influência
do sol é clara, e todos a constatamos. Os animais como os homens,
experimentam-na: quando o sol aparece, todos sentem alegria e falam do bom
tempo. Quando chega a primavera, uma certa euforia apodera-se de todos os seres
vivos. O sol regula não apenas os dias e as estações, mas influencia também a
alegria e a dor, o bom ou mau humor.
Quanto à lua, a sua
influência é mais escondida, mais subtil. Os psicólogos constatam-na com
evidência, nos animais e nos alienados. Estas duas categorias, têm de comum
serem sensíveis às coisas sem que o treino para os primeiros e a vontade para
os segundos, perturbem no mínimo as suas reacções. Em noite de lua cheia,
constata-se em alguns loucos, uma grande nervosidade (a experiência mostra que
não se comportam assim porque viram a lua). Quanto aos animais, o seu
comportamento estranho, antigamente, fazia tanto medo que se inventou a lenda
do lobisomem. Já não temos lobos em França. Se tivéssemos, era certo que
sentiríamos os mesmos sustos e as mesmas loucas imaginações que os nossos
antepassados, face aos uivos que escutavam em noite de lua cheia.
Através de estudos
estatísticos, podemos notar a influência da lua sobre os ritmos sexuais, tanto
dos animais como dos humanos: os partos são sempre um pouco mais numerosos nas
noites de lua cheia. O ciclo feminino é muitas vezes regido pelo mês lunar.
Mas quando se trata dos
planetas, os psicólogos oficiais são obrigados a confessar a sua ignorância. Se
existe uma influência, parece muito subtil para ser medida de forma
estatística.
A ciência presta-nos, mesmo
assim, um grande serviço. Mesmo se não fala senão do sol e da lua, manifesta
que têm uma eficácia real sobre o comportamento psicológico. Estas duas
influências bastam para fundamentar a existência de uma ciência astrológica.
É preciso no entanto
estudar, o que quer que diga a nossa ciência ocidental (que é necessariamente
grosseira nos seus conhecimentos, uma vez que tem de medir o que conhece), se
não existe uma astrologia planetária. Se me parece impossível fornecer uma
prova cartesiana, parece-me pelo contrário muito provável, que a influência dos
planetas exista realmente. Se um planeta, por mais longe que esteja em relação
a nós, consegue, como o demonstram os astrónomos, desviar a trajectória da
nossa terra, pela gravidade, nada se opõe a que o seu magnetismo natural não
nos atinja também. Esse magnetismo, mostrámo-lo, existe em todos os corpos
físicos. Existe pois, com maioria de razão, nessas imensas massas de matéria,
mesmo se o seu afastamento lhes diminui consideravelmente os efeitos.
A existência da astrologia,
uma vez fundamentada, precisamos agora de nos colocar na escola dos povos que
fizeram dela uma especialidade: os Caldeus[82]
e os Chineses. Nestas duas tradições, o horóscopo pessoal de um indivíduo
faz-se da seguinte maneira: é imperativo saber a data e hora exactas, e também
o lugar do nascimento da pessoa interessada.
A partir destes dados
básicos, a astrologia vai estabelecer o que se chama o tema astral. Trata-se de
um mapa do céu, tal como ele era no momento em que a criança nasceu. Uma vez
todos os planetas colocados no seu lugar, o astrólogo vai procurar, baseando-se
num conhecimento empírico do papel de cada um deles, determinar com rigor as
influências magnéticas sofridas pela criança nesse primeiro instante do
nascimento. O tema astral de cada pessoa é, portanto, praticamente único,
porque é raro que duas crianças nasçam exactamente no mesmo instante e no mesmo
local. O tema astral, determinado deste modo, é para o astrólogo a marca
definitiva dos planetas no psiquismo de cada um. Enquanto a criança está no
seio da mãe, segundo eles, está protegida de qualquer influência astral, pelo
corpo desta. Pelo contrário, no momento em que sai, o seu corpo é marcado, um
pouco à maneira de uma placa de cera mole sobre a qual se teria feito um
desenho, imediatamente antes dela endurecer definitivamente.
Ao comparar o tema astral de
uma pessoa no estado actual ou futuro, do céu, o astrólogo pretende deduzir,
quase cientificamente, certos dados do destino individual.
As duas tradições que
evocámos, falam também da possibilidade de um horóscopo geral, aplicável a uma
nação inteira ou a uma cidade.
O método é sensivelmente o
mesmo, se bem que se apoiem mais, neste caso, para estabelecer o tema astral,
na situação de localização da comunidade humana, do que na data da sua
fundação.
Duas grandes escolas, tanto
na China como na Caldeia, combateram pela utilização do tema astral. A primeira
afirmava que os astros permitiam prever todos os acontecimentos da nossa vida,
sem excepção, mesmo os devidos ao acaso ou à liberdade (tais como encontros,
acidentes, escolhas). A outra, pelo contrário, reduzia a influência astral ao
conhecimento dos nossos estados de alma, dos nossos bons ou maus humores. Se
olharmos atentamente o mundo contemporâneo, vemos que estas duas concepções
ainda existem. As revistas de sensação, publicam todas as semanas horóscopos,
onde milhões de capricórnios ou de sagitários, vêem acontecer-lhes um encontro,
um desgosto amoroso. Os astrólogos que se encarregam disso, apesar do ridículo
evidente das suas publicações, fazem parte da escola divinatória. Poderíamos
opor-lhes uma forma de astrologia utilizada por certos psicólogos. Estes fazem
parte da escola parapsicológica. Em qual das escolas está a verdade?
Mais uma vez, é a S. Tomás
de Aquino que devemos a mais brilhante síntese filosófica e teológica, a
propósito desta questão. Ele soube, em algumas páginas, resumir tratados
inteiros e fixar definitivamente a posição católica tradicional, neste domínio[83].
Segundo ele, a astrologia
existe realmente, se bem que, à falta de ser compreendida, caia muitas vezes na
pior das superstições. De facto, é aberrante pensar que o destino de cada um de
nós está inscrito na ordem dos astros, ao ponto de podermos ler neles o
desenrolar de toda a nossa vida. Isso parece-lhe mesmo bastante fácil de
demonstrar. Se os planetas e as estrelas permitem conhecer o futuro, isso não
pode ser senão de duas maneiras:
A primeira hipótese
consistiria em afirmar que eles são a causa indiscutível das acções humanas e
de todos os acontecimentos que se produzem na terra. Seríamos um pouco como
marionetes que, imaginado agir livremente, seriam de facto movidas de forma
inconsciente pelos fios do marionetista.
Ora, diz S. Tomás de Aquino,
tal acção dos astros é impossível. Para tomarmos consciência, basta compreender
a forma como os planetas actuam sobre nós. Actuam segundo o que são, quer
dizer, à maneira dos corpos físicos. Além da sua força de gravitação, exercem
também uma radiação magnética que influencia os órgãos e, por consequência, as
tendências que se revelam em actos. Mas aí pára a sua influência. Dois tipos de
acontecimentos escapam, pois, ao poder dos astros: os que são acidentais e os
que emanam da liberdade humana[84].
Se um homem sai à rua e que
nesse preciso instante, uma borrasca de vento desprende uma telha do telhado
que vem esmagar-se-lhe sobre o pé, como afirmar que a causa deste acidente vem
da interconexão das influências da Marte e de Júpiter, no tema astral do pobre
homem? Se tal interconexão pôde causar alguma coisa na sua vida, não foi certamente
este infeliz efeito do acaso.
Da mesma forma, se um
soldado submetido à tortura, por causa do seu sentido de honra, recusa entregar
os nomes daqueles com quem combate, seria aberrante atribuir tal heroísmo ao
seu horóscopo. Esta acção é fruto de uma vontade cuja liberdade é
suficientemente poderosa para resistir à dor. S. Tomás de Aquino não hesita
afirmar que os planetas, por causa das suas acções corporais, não podem agir
directamente sobre a liberdade, que não é uma actividade de um órgão físico. O
homem forte, pelo seu espírito, reina sobre os astros.
Se a influência dos astros
escapa ao acaso e à liberdade humana (quando ela existe), damo-nos conta do
pouco valor desta primeira hipótese, que consistiria em torná-los donos do
nosso destino. Porque o destino do homem está ligado a várias influências,
cujas duas primeira escapam aos astros: 1) A liberdade, que é fruto de uma
inteligência desenvolvida e de uma vontade dona de si mesma; 2) O acaso que não
tem causa; 3) As nossas inclinações psicológicas; 4) A influência do ambiente
social. Uma segunda hipótese foi proposta pela escola astrológica divinatória:
“Deus, afirma, criou o universo e conhece desde toda a eternidade o futuro de
cada homem”.
Até aqui, um cristão não
pode senão subscrever.
“Deus arranjou-se, então,
para criar o céu de tal forma que nele esteja inscrito previamente, segundo um
código que só os astrólogos conhecem, aquilo que apenas Ele conhecia desde
sempre.”
Segundo esta hipótese, os
astros actuam menos como causa das nossas acções que como um sinal. São um
pouco como um livro de história, que se desenrolaria ao mesmo tempo que a
história que conta, graças à feliz astúcia do Criador. Segundo esta hipótese,
os astrólogos tornam-se profetas de Deus, os únicos aptos pelo seu saber, a penetrar
nos seus segredos. Alguns não hesitam em apoiar as suas teses em textos
bíblicos:
“Deus disse: que haja luzeiros no firmamento do céu
para separar o dia da noite. Que sirvam de sinais, tanto para as festas como
para os dias dos anos”[85]. Esta hipótese teológica,
vemos que é muito mais sedutora que a primeira, mas não resiste à análise. S.
Tomás de Aquino mostra-o numa única frase: “Deus submete a leis diferentes os
movimentos dos corpos celestes e os acontecimentos contingentes. Os primeiros
produzem-se uniformemente, em virtude do determinismo que os rege, ao passo que
os segundos, submetidos à contingência, variam na sua produção”. Há, pois, uma
distância intransponível entre o movimento regular dos astros e a anarquia dos
acontecimentos da vida. O mundo terrestre, pela sua complexidade, pela desordem
deixada pelo acaso e pelas liberdades, corta com a ordem definitiva e estável
do céu. Para descrever os acontecimentos do mundo, 8 planetas não podem ser
suficientes. Não podemos encontrar na Bíblia uma prova teológica.
Quando, há 2000 anos, Deus
quis partilhar com astrólogos Caldeus o grande mistério da encarnação, não se
limitou a deixá-los com os seus mapas do Céu. O menino de Belém poderia ter de
esperar muito pela vinda dos reis magos. Mas, para anunciar o nascimento do
Deus Menino, o Criador adaptou-se à sua linguagem, e teve de lhes colocar
diante dos olhos, no céu, uma estrela nova, feita de propósito para a
circunstância e que, ainda para mais, se deslocava para lhes indicar o local.
Vemos mal porque é que Deus se teria sentido obrigado a fazer um tal milagre,
se o nascimento de Jesus que ia mudar o mundo, já estivesse inscrito por Ele na
ordem dos planetas. Um acontecimento desta importância não lhes podia ter
escapado.
De tudo isto, podemos
concluir com S. Tomás de Aquino, que a astrologia divinatória não existe: o
nosso destino não está escrito nos astros. Esta astrologia opõe-se não apenas à
fé católica, mas representa um perigo para aqueles que acreditam nela. O
Fatalismo que consiste em considerar-se predestinado em cada um dos actos da
vida, pode conduzir o homem a uma pobreza destruidora. Mas se a teologia
católica e os homens de bom senso rejeitam a existência desta astrologia
divinatória, seria pelo contrário excessivo, negar todo o valor à outra forma
de astrologia.
Se analisarmos o céu tal
como o viram os reis magos no início da era cristã, apercebemo-nos que se
passavam acontecimentos importantes no plano planetário: o sistema solar
entrava na era do peixe, o que significava certamente para os magos Caldeus,
alterações importantes nas sociedades humanas[86].
Tal coincidência com o nascimento do Salvador, é impressionante, e alguns não
hesitaram em interrogar-se se Deus não escolheu propositadamente este momento.
S. Tomás de Aquino, quanto a ele, não hesita em mostrar o valor real da
astrologia quando ela está ao serviço da psicologia e da sociologia. Segundo
ele, o ciclo dos planetas, através da sua influência nos nossos órgãos,
causa-nos estados de alma que se podem prever, na condição de ter um pouco de
prática. A criança e o animal, marcados pelos astros no corpo, no instante do
nascimento, sofrem a sua influência em função desse primeiro momento. Esta
influência está certamente longe de ser a única. É para considerar em paralelo
com todo um aspecto genético, recebido dos pais e cujo papel é mais radical, e
com um aspecto social.
Segundo S. Tomás de Aquino,
a ordem dos planetas apenas condiciona o comportamento humano, ao passo que
determina em grande parte o comportamento animal. O homem, na medida em que a
razão se torna dona das potências inferiores, aprende cada vez mais a opor-se a
este impulso proveniente dos corpos celestes. O animal ou o louco, que não
possuem razão, são incapazes disso. Segundo ele, o astrólogo que coloca o seu
saber ao serviço de uma pessoa, a fim de a ajudar a melhor se conhecer, age
bem. A sua acção é comparável à do grafologista, ainda que se exerça de forma
diferente: o grafologista serve-se de um efeito para descobrir a causa, a
partir da qualidade da escrita, induz o carácter da pessoa que escreveu. O
astrólogo parte de uma causa para deduzir o efeito: a partir do conhecimento da
eficácia dos astros sobre o corpo, deduz os efeitos psicológicos.
Igualmente, S. Tomás de
Aquino, reconhece o valor da astrologia em matéria sociológica. Considera mesmo
a sua adequação, como maior que em matéria de psicologia. A exactidão frequente
das predições dos astrólogos quando falam dos povos deve-se ao seguinte: a
maioria dos homens vão atrás das suas impressões corporais. Os seus actos não
têm normalmente outra regra senão a tendência que lhes imprimem os corpos
celestes. Assim, em bastantes casos, as predições dos astrólogos verificam-se,
sobretudo quando se trata de acontecimentos gerais que dependem das massas[87].
Um célebre homem político
dizia: “Um senador, tomado à parte, é inteligente. Mas o senado, uma vez
reunido, é estúpido”. Este efeito de massa não pode deixar de nos impressionar
quando se olha a história do mundo, à luz dos planetas. O nascimento de Jesus,
que devia abalar a ordem do mundo, foi marcado pela entrada numa nova era do
zodíaco, a do peixe. A queda do Império Romano do Ocidente, o nascimento do
Islão, a revolução francesa, as duas guerras mundiais, tiveram, no próprio
testemunho dos astrólogos, o seu sinal astral particular. Os anos 1990,
testemunha de uma nova mudança no zodíaco, deveriam, se a hipótese está certa,
acompanhar-se de alterações mundiais tão importantes como as de há 2000 anos.
Será que o homem se deixará levar pelas novas pulsões vindas dos planetas? É
provável. É preciso esperar simplesmente que elas sejam positivas. Para
ilustrar o valor dos horóscopos em matéria de sociologia, podemos citar o
exemplo das predições do Cardeal Pierre d’Ailly que foi um grande astrólogo da
Idade Média. Praticava a astrologia segundo as regras de S. Tomás de Aquino,
quer dizer, a partir das influências sobre os estados de alma humanos. Ora, ele
supôs ler, como numa probabilidade sociológica, a partir do alinhamento dos
planetas: “1789, fim do mundo.”
Conclusão:
A influência dos planetas, o
estudo das linhas da mão[88],
parece-me significativo para o conhecimento daquilo que há de inato no nosso
carácter.
Limitado a este domínio,
este estudo não tem nada de perigoso e não pode ser senão, pelo contrário, uma
ajuda para melhor nos conhecermos.
Quanto aos que objectam,
porque ficaram impressionados por certas profecias emitidas por anunciadoras de
boa sorte, respondo que tais profecias não podem vir da simples leitura das
linhas da mão. Veremos no capítulo consagrado à vidência, onde se encontra a
verdadeira origem deste dom espantoso. As linhas da mão, os jogos de tarot, ou
as bolas de cristal, não são senão simples suportes materiais para uma melhor
concentração. O dom de vidência, quando existe, vem doutro sítio.
SECÇÃO II: fenómenos no limite do natural e do sobrenatural
CAPÍTULO 1: A experiência de morte iminente (Near Death Experience)
Quando o Dr. Moody,
psicólogo americano, publicou o seu livro: “A vida depois da vida”[89],
teve tal sucesso, que foram feitas traduções um pouco por todo o mundo.
Tornou-se um best-seller e não é para admirar: a ciência parece aí juntar-se à
religião, para proclamar a existência de uma vida depois da morte.
Trata-se de um estudo feito
de maneira muito séria, junto de americanos que experimentaram num dado
momento, um estado de paragem cardíaca ou, mesmo, de morte clínica. O resultado
da investigação é impressionante e de grande interesse científico, filosófico e
religioso.
A despeito das diferenças
presentes em cada caso, escreve o Dr. Moody, resultado tanto das circunstâncias
que acarretaram a iminência de morte, como dos diferentes tipos humanos que as
experimentaram, a verdade é que existem semelhanças enormes entre os
testemunhos que relatam a própria experiência. Na verdade, essas semelhanças
são tais, que se torna possível extrair-lhes traços comuns, repetidos sem
cessar nos documentos que pôde reunir.
Apoiando-nos sobre essas
semelhanças, esforçar-me-ei agora para reconstituir brevemente um modelo
teórico ideal ou completo, da experiência em questão, introduzindo todos os
elementos comuns na ordem típica em que se vêem aparecer.
Eis que um homem está a
morrer e, ao mesmo tempo que atinge o paroxismo do mal-estar físico, ouve o
médico constatar a sua morte. Começa então a aperceber-se de um barulho
desagradável, como um forte toque de campainha ou um zumbido e, ao mesmo tempo,
sente-se transportado com grande rapidez através de um obscuro e longo túnel.
Depois disso, encontra-se fora do corpo físico imediato. Apercebe-se do seu
corpo físico a distância, como um espectador. Desse ponto privilegiado, observa
as tentativas de reanimação de que o seu corpo é objecto. Encontra-se num
estado de forte tensão emocional.
Ao fim de alguns instantes,
controla-se e acostuma-se pouco a pouco à estranheza da sua nova condição.
Percebe que continua a possuir um “corpo”, mas este corpo é de uma natureza
muito particular e goza de faculdades muito diferentes daquelas que faziam
parte do cadáver que acaba de abandonar. Rapidamente, outros acontecimentos se
sucedem, outros seres vêm ao seu encontro, parecendo querer ajudá-lo. Entrevê
os espíritos de parentes e amigos falecidos antes dele. E, subitamente, uma
entidade espiritual de uma espécie desconhecida, um espírito de quente ternura,
todo vibrante de amor (um ser de luz), mostra-se-lhe. Este ser faz surgir nele
uma interrogação que não é pronunciada verbalmente e que o leva a fazer o
balanço da sua vida passada. A entidade ajuda-o nesta tarefa, dando-lhe uma
visão panorâmica, instantânea, de todos os acontecimentos que marcaram o seu
destino.
Vem em seguida o momento em
que o defunto parece encontrar diante dele uma espécie de barreira ou de
fronteira, simbolizando aparentemente o último limite entre a vida terrestre e
a vida que virá depois. Mas, constata então, que é preciso voltar para trás,
que o momento de morrer ainda não chegou para ele. Nesse instante resiste,
porque está para sempre subjugado pelo fluxo de acontecimentos de depois da
vida, e não deseja retornar. Está invadido por imensos sentimentos de alegria,
de amor e de paz. A despeito disto, reencontra-se unido ao seu corpo físico:
renasce para a vida.
Na sequência, quando tenta
explicar aos que o rodeiam o que experimentou entretanto, esbarra com numerosos
obstáculos. Em primeiro lugar, não consegue encontrar palavras humanas capazes
de descrever de forma adequada este episódio supra-terrestre. Além disso, vê
bem que aqueles que o escutam não o levam a sério, de tal forma que renuncia a
abrir-se com os outros. No entanto, esta experiência marca-lhe profundamente a
vida e altera concretamente todas as ideias que tinha até aí a propósito da
morte e das suas relações com a vida.
Podemos resumir este quadro
ideal em cinco grandes etapas (ver Dr. Kenneth King):
1)
Descorporização: a pessoa encontra-se como que
suspensa acima do seu corpo;
2)
Túnel escuro;
3)
Visão do ser de luz;
4)
Visão dos parentes próximos falecidos anteriormente;
5)
Retorno e consequências psicológicas.
A ordem das etapas pode
variar, uma vez que certas pessoas afirmam ter visto o ser de luz antes da
passagem no túnel escuro. Por outro lado, certos testemunhos ficam-se pela
primeira ou segunda etapa, não tendo durado suficientemente a morte clínica.
O interesse científico foi
muito intenso nos USA e fizeram-se esforços para verificar a veracidade dos
relatos. Apenas a descorporização pode ser objecto desta pesquisa científica.
Quanto às outras, o testemunho dos doentes não pode ser confrontado com nenhum
método de medição.
Esta experiência de
descorporização apresenta um interesse único. Não podemos deixar de ficar
impressionados pelo relato das vítimas, que parece concordar em todos os pontos
com a realidade. Ora, a vítima, não devemos esquecê-lo, está em estado de morte
clínica. Está estendida numa mesa e não pode, teoricamente, ver nada do que a
rodeia. No entanto, somos obrigados a admitir que ela vê o que se passa e que o
vê de um ponto situado fora do seu próprio corpo.
Numa sala de reanimação, um
médico teve a ideia de aperfeiçoar as verificações, fixando na face superior
dos instrumentos, pequenos autocolantes, de tal maneira que só pudessem ser
vistos do tecto. Tiveram a surpresa de recolher, nos testemunhos daqueles que
pretendiam ter conhecido uma experiência de morte iminente, a menção desses
autocolantes.
Por causa do aperfeiçoamento
dos métodos de reanimação, esta experiência multiplica-se e coloca a ciência
diante de um novo fenómeno paranormal: somos obrigados a afirmar, a menos de
fazer mentir múltiplas verificações efectuadas, que existe uma descorporização.
Este fenómeno permanece por explicar, mas podemos descrever-lhe as condições.
As propriedades do corpo
duplo puderam ser descritas de uma forma bastante precisa. Trata-se, em
primeiro lugar, de um corpo material, mesmo se não composto de matéria
palpável. Trata-se antes de matéria sob a forma de energia, de fluxo
ondulatório. É uma espécie de campo magnético, um corpo psíquico.
Trata-se, apesar de tudo, de
um corpo humano, duplo do corpo físico, tendo uma vida psicológica e
espiritual. Possui os cinco sentidos, mesmo se o tacto e o gosto se exercem de
forma diferente. A imaginação está totalmente presente, com a memória e o seu
funcionamento cerebral. Memórias desaparecidas podem voltar, intactas. As
emoções passionais estão presentes, mas são muito mais calmas. A alegria, a paz,
o medo e a tristeza, exercem-se sem excesso, como se a ausência do corpo físico
as tornasse mais controláveis.
A vida espiritual está
intensamente presente. A inteligência compreende o que lhe acontece, a vontade
orienta-se par esta ou aquela escolha. Mas o mais impressionante, sem dúvida, é
o aparecimento de propriedades parapsicológicas muito intensas. Este corpo é
fluido: pode passar através de paredes das mais espessas, obedecendo ao desejo
da vontade. Uma mulher conta que, tendo-se apercebido que morria, pensou no
marido e no filho, presentes na sala de espera. Encontrou-se de imediato junto
deles, tendo atravessado várias salas do hospital através das paredes.
Descreveu, depois da reanimação, detalhes sobre a sala de espera que não deixam
qualquer dúvida sobre a sua boa fé.
Este corpo é ágil: pode
deslocar-se à vontade com uma velocidade incrível. Um homem, ao ver-se largar o
corpo físico, pensou intensamente na esposa que tinha deixado no estrangeiro.
Encontrou-se ao pé dela, tendo percorrido milhares de quilómetros nalguns
instantes.
Este corpo é leve: não
apresenta nenhum dos inconvenientes do corpo físico, como fadiga, peso,
inércia. Estando totalmente submetido à vontade, pode chamar-se, neste sentido,
“corpo espiritual”.
Este corpo é perfeito: não
apresenta nenhuma das deficiências do corpo físico. Uma jovem, cega de
nascença, conseguiu descrever, com grandes detalhes, a cor do que tinha visto
na sala, no momento da experiência. Um antigo combatente, amputado das duas
pernas, teve a surpresa de se ver tal como era, antes do seu acidente.
Finalmente, este corpo é
dotado de percepções extra-sensoriais novas e que lhe surgem como naturais. As
testemunhas pretendem não apenas ouvir as palavras proferidas em seu redor, mas
ler directamente os sentimentos e os pensamentos de cada um. É uma espécie de
telepatia de sentido único, uma vez que são, quanto a eles, incapazes de atrair
a atenção de quem quer que seja.
Cada pessoa, cada objecto,
aparece-lhes nimbado de uma auréola de luz de cores vivas, o que torna a sua
percepção do universo, quase feérica. Segundo os pensamentos e sentimentos
daqueles que estão na sala, estas cores tomam tons diferentes.
Perante tais propriedades,
que mais fazem pensar num conto de fadas que na realidade, seríamos tentados a
rejeitar tudo isto para o domínio da imaginação. A hipótese de um efeito
psíquico subjectivo, devido à morte clínica, foi proposta, mas não resiste,
porque os relatos ligados à descorporização têm uma objectividade verificável.
O problema não é, pois, afirmar que não é possível. O problema é que é.
Certos filósofos americanos
tentaram debruçar-se sobre a questão. Pareceu-lhes, em primeiro lugar, que o
fenómeno da descorporização não é novo. A psicologia descreve-o como
propriedade de certos alucinógenos poderosos. Por outro lado, os longos
tratados plurisseculares, escritos nas tradições filosóficas chinesa, hindu e
tibetana, falam disso. É, aliás, aí que se encontram as mais profundas
explicações filosóficas do fenómeno.
Segundo estas tradições,
podemos observar no ser humano, três graus de vida, aos quais correspondem três
corpos perfeitamente adaptados uns aos outros, para formar uma única pessoa: o
corpo físico, o corpo astral e o corpo mental.
O corpo físico é a sede das
faculdades vegetativas, como a nutrição, a reprodução, o crescimento. É também
a sede de um outro corpo, chamado corpo astral. É este corpo físico que é a
origem da existência do corpo astral, de tal forma que, segundo eles, a
sobrevivência deste último é bastante efémera, depois da morte do primeiro. Uma
simples comparação permite compreender o seu ponto de vista: o corpo astral é
comparável, na sua relação com o corpo físico, a um campo magnético em torno de
um electroíman. Se cortarmos a electricidade, o campo magnético cessa, por sua
vez. Se subsiste, é de uma forma efémera, sob a forma, por exemplo, de
electricidade estática.
De igual forma, depois da
morte do corpo físico, o corpo astral separa-se e subsiste um certo tempo,
alimentando-se da sua própria energia, antes de desaparecer, por sua vez; daí a
experiência de descorporização. O corpo astral é, com o corpo físico, sede das
faculdade psíquicas, como as sensações, as paixões, a imaginação e a memória.
O corpo mental não é senão o
que chamamos espírito. Sede da inteligência e da vontade. Não lhe dão o nome
“corpo”, senão por metáfora, porque, segundo eles, ultrapassa esta noção, por
ser inteiramente espiritual.
O corpo mental é imortal e
indestrutível. É ele que, na sabedoria hindu, se reencarna através dos tempos.
Esta explicação oriental
tradicional, longe de se opor à filosofia ocidental e tradicional, parece, pelo
contrário, encarar a realidade segundo um olhar complementar. Aristóteles, pai
da nossa filosofia, distingue do mesmo modo, três graus de vida, mas a sua
análise está menos ligada à causa material da vida. O mérito da filosofia
oriental parece ser aqui o de tornar inteligível um fenómeno que o ocidente
acaba apenas de descobrir.
Isto não passa, bem
entendido, de uma explicação hipotética, uma pista de investigação que deveria,
no entanto, encorajar a ciência a interessar-se pelo fenómeno. Com efeito, se o
corpo astral existe e é material, deve existir uma forma de medir a sua
presença.
As fases 3 e 4 (visão do ser
de luz e dos parentes mortos), não são verificáveis pela ciência. Na verdade,
se analisarmos com precisão o testemunho daqueles que rondaram a morte, não
afirmam terem visto com os olhos materiais, da mesma maneira que viam as
enfermeiras moverem-se na sala. Falam sobretudo de visão interior, de intuição
intelectual de uma presença. Esta intuição parece-lhes de tal modo poderosa,
que não conseguem descreve-la. Parece estarmos para além do mundo sensível,
para tocarmos uma dimensão espiritual, a
priori inacessível à ciência, que não mede senão o mundo material.
A filosofia e a psicologia
têm, pelo contrário, uma palavra a dizer. O Dr. Moody, sem se pronunciar
definitivamente, afirma o seu sentimento de estar em presença de um fenómeno
real. Segundo ele, as doenças psíquicas de tipo alucinatório ou histérico, se
originam a audição de vozes e a visão de fantasmas imaginários, têm, depois, um
efeito destruidor da personalidade. As pessoas afundam-se nas suas neuroses
(angústias, obsessão, desespero) e, por vezes, caem definitivamente na psicose
(paranóia, esquizofrenia).
Bem pelo contrário, a N.D.E
(NEAR DEATH EXPERIENCE), dá como que um sopro poderoso de renovamento de vida.
Para muitos deles, o valor primeiro torna-se o amor, segundo duas formas
significativas: o amor do Ser de luz, de que sabem que um dia irão ao encontro
(alguns chamam-lhe Deus, outros Jesus ou Buda, ou Maomé, segundo a sua
cultura), e o amor dos irmãos. Tendo em conta estes dois amores, esforçam-se
por progredir, por eliminar os defeitos, por desenvolver a inteligência.
Segundo o Dr. Moody, tais
efeitos não podem provir de um estado de doença alucinatória, mas de uma
verdadeira experiência mística. Por meu lado, estou bastante de acordo com ele,
ao mesmo tempo que mantenho que este raciocínio não prova, mas sugere. Surge-me
como um simples sinal da verdade do fenómeno, porque “de uma árvore má não saem bons frutos”.
A Igreja, pela voz do
Magistério, nunca se pronunciou a propósito da experiência de morte iminente.
Em geral, os teólogos recebem da sua parte dois critérios de avaliação:
1) Uma visão pode ser
considerada como válida quando, entre outras coisas, os efeitos que produz
sobre o comportamento humano são de certo tipo: por exemplo, se conduzem à
aproximação de Deus ou ainda a aprofundar o conhecimento da religião.
2) É indispensável que uma
visão seja coerente com a mensagem da Bíblia, segundo a interpretação autêntica
do Magistério romano.
Estes dois critérios não
bastam para provar aos olhos da Igreja que se tratou mesmo de uma visão.
Qualquer falsário poderia macaquear uma aparente conversão e uma grande
ortodoxia. A Igreja exige, para além disto, antes de reconhecer uma aparição,
alguns milagres cuja origem divina seja manifesta[90].
Portanto, não se pronuncia sobre a N.D.E.
Cabe pois aos teólogos, a
investigação sobre se os critérios 1 e 2 são válidos para a N.D. E.. O primeiro
critério é manifestamente verificável. É justamente no sentido de um retorno ao
religioso, que se sentiram levadas as pessoas marcadas por esta experiência.
Podemos mesmo afirmar que a maioria delas, mesmo se não se tornam cristãs,
fazem-se sem o saber, discípulas de Cristo, quando Ele dizia: “Dou-vos dois
mandamentos: amarás o teu Deus com todo o teu coração, toda a tua alma e toda a
tua força, e amarás o próximo como a ti mesmo”.
Quanto ao segundo critério,
é preciso agora verificá-lo. A teologia católica fala da vida depois da morte:
baseada na Bíblia e na Tradição, estas duas fontes, pelas quais o Espírito de
Deus se dá ao homem, são postas à disposição daqueles que têm suficiente fé,
anunciando o que vivem depois da morte. O seu olhar profundo vai bem mais longe
que a iminência de morte, tal como pensam tê-la vivido os sobreviventes. Vai
até, para além dessa barreira que nenhum deles ultrapassou. O Magistério solene
da Igreja, ajuda preciosa para o teólogo, já nos deu neste domínio alguns bases
sólidas que podemos ter como certas:
1) Acreditamos na vida
eterna.
2) No momento da morte, a
alma encontra-se na presença da humanidade Santa de Jesus.
3) Esta visão de amor é o
começo daquilo que se chama o julgamento particular.
4) As almas mortas em estado
de pecado mortal são imediatamente conduzidas ao inferno. As outras, seja que
ainda tenham que ser purificadas no purgatório, seja que desde o instante em
que deixam o corpo, Jesus as leve para o paraíso como fez com o bom ladrão,
tornam-se o povo de Deus no além da morte.
5) O paraíso consiste na
visão de Deus face a face.
Postas estas poucas balizas,
é na escola dos maiores teólogos, como S. Tomás de Aquino, ou dos maiores
santos (como Santa Catarina de Génova), que nos devemos colocar.
“Acreditamos na vida eterna”. Esta certeza
absoluta é o fundamento da totalidade da fé cristã: “se os mortos não ressuscitam, vã é a nossa fé.”
Todo o homem, no momento da
morte, quer seja baptizado, judeu, pagão ou ateu, encontra-se face à humanidade
Santa de Jesus. A Bíblia afirma com força: “toda a carne se prostrará diante da
tua face e diante da face do cordeiro”. S. Tomás de Aquino precisa que esta
visão primeira, que se segue à morte, não pode ser imediatamente a de Deus, tal
como Ele é. Pela sua irrupção brutal na alma, impediria toda a deliberação,
porque a liberdade não mais existiria. Ele é tão grande, tão infinito pela sua
bondade, que absorveria para sempre a alma no seu seio. Ora, Deus não quer
forçar a liberdade de ninguém.
Esta visão não pode ser
senão a de Deus, sob o véu da sua humanidade: Jesus. Ninguém pode imaginar a
comoção que provoca nas almas um tal encontro. Para a alma mais contemplativa,
para o mais espiritual dos monges, é a descoberta de que não tinha compreendido
praticamente nada desse amor. S. Tomás de Aquino, no final da sua vida, teve a
sorte de ver Jesus aparecer-lhe. Depois desse dia, parou de escrever, deixando
a Suma Teológica inacabada. Perante a insistência do seu secretário, o irmão
Reginaldo, que o encorajava a retomar os trabalhos, acabou por confessar a sua
visão. Todo em lágrimas, confessou: “ não tinha compreendido nada, não tinha
compreendido nada”. Não escreveu mais uma única palavra.
A primeira revelação feita
por Jesus àquele que encontra, resume-se numa palavra “eis o coração que tanto
te amou”[91].
Não é feita com palavras mas com fogo, quer dizer, com um amor e uma ternura
quase palpáveis. É como uma visão de jaspe e de coralina, comenta o Apocalipse[92],
manifestando assim a pureza comovedora do olhar de Jesus. Tudo quanto a Igreja
chama o juízo final, está contido nesta única palavra. O resto não é senão um
efeito, uma consequência lógica.
A alma, mergulhada na
ternura de Jesus, descobre em plena luz, a verdade de tudo o que não é amor aos
olhos de Deus. A sua vida inteira encontra-se como que iluminada, e o mais
pequeno pecado, o mínimo egoísmo que lhe torna à memória, toma aos seus olhos
todo o horror que deveria ter tido desde sempre: o cura de Ars, S. João Maria
Vianney, tremeu de terror toda a vida com a ideia de encontrar um dia o olhar
de Jesus. Tinha de tal modo consciência dos seus pecados, no entanto tão
pequenos aos nossos olhos, que estava convencido que morreria de dor ao ver a
dor que tinha causado ao seu Salvador.
Nesta etapa do juízo final,
as almas, quaisquer que sejam, têm fé[93].
Sabem que Deus existe e que é amor. Não mais existe ateísmo, no além. Jesus
pode, então, na sua extrema delicadeza, dirigir-lhes uma segunda palavra, a
mesma que foi dirigida aos anjos no dia da criação, a mesma que Adão e Eva
receberam, a mesma que está no coração do Evangelho: “ver-me-ás face a face, se
te tornares como uma criança”. Deus, no seu amor pela alma, sabe tocá-la com
toda a delicadeza necessária. Sabe a rude prova que representa para cada ser espiritual,
o facto de voltar a ser como uma criança. A humildade é dura para aquele que
sempre viveu do orgulho! O amor de Deus é uma coisa nova para aquele que não
fez senão amar-se a si mesmo. Apela então para tudo quanto possa ajudar a alma
a entrar na felicidade eterna: os seus parentes e amigos já falecidos, estão
presentes. Se é um católico que amava a Virgem Maria, a Virgem Maria está
presente. Se é um protestante, desconfiado relativamente à mãe de Jesus, a
Virgem Maria apaga-se. Os vivos, eles próprios, quer dizer, aqueles que ainda
estão na terra, tornam-se presentes, invisivelmente, se necessário. Marta
Robin, a grande santa de Chateauneuf de la Galaure, dizia muitas vezes: “É
preciso rezar por aqueles que acabam de morrer. Estão no momento de jogar o seu
destino eterno”. Mas o demónio, também ele, tem o direito de intervir neste
último combate. Recorda os pecados aos nossos irmãos e a sua sedução última
torna-se presente. O anjo das trevas disfarça-se em anjo de luz: “Lembra-te
daquela vez em que foste egoísta. Tinhas no entanto percebido, na altura, que
não há maior amor que o amor de nós mesmos. Permanece fiel a ti mesmo!
Permanece um homem de pé. Não te rebaixes a amar”.
Todas estas revelações,
todas estas descobertas não são para a alma senão premissas para a escolha
definitiva que a fixará no amor dela mesma até ao ódio de Deus ou, pelo
contrário, no amor de Deus até ao ódio de si mesma[94].
A fé da Igreja é clara em
afirmar que tudo isto se passa “no momento da morte”. Mas nunca definiu o que
entendia pelo momento da morte. Certas escolas teológicas pensam que se trata
do instante preciso em que a alma se separa do corpo. Outras ensinam que esse
momento pode durar vários dias. A liturgia cristã inclina-se mais par esta
segunda opinião, donde o costume de velar três dias o corpo dos defuntos. Marta
Robin pensava que era preciso rezar muito tempo pelos mortos e que o julgamento
podia durar vários dias. Se agora compararmos a teologia tradicional aqui
descrita, com o relato daqueles que se aproximaram da morte, somos obrigados a
admitir que não existe nenhuma oposição entre os dois. Bem pelo contrário, a fé
parece encontrar nestes relatos uma espantosa confirmação. Os critérios 1 e 2
parecem-me perfeitamente verificados.
Em conclusão, queria dar a
minha opinião pessoal, acentuando que ela não compromete senão a mim.
Estou intimamente persuadido
que a N.D.E., tal como o Dr. Moody no-la fez descobrir, é uma graça de origem
divina.
Nestes tempos em que a fé é
rejeitada como uma atitude indigna de um adulto dotado de espírito crítico,
Deus, mais uma vez, parece-me ter aceite colocar-se ao nosso nível. Para se
revelar, fala pela primeira vez uma linguagem nova da sua parte: aos astrólogos
caldeus, que não compreendiam senão a astrologia, revelou o seu nascimento
fazendo aparecer uma estrela; aos pastores, prontos a acreditar no mais pequeno
milagre, enviou um anjo!
Tal condescendência da parte
de Deus, impressiona-me e desejo que seja para muitos o caminho que conduz a
Jesus. Foi o caso para S. Paulo, apóstolo dos pagãos, que viveu ele próprio uma
experiência próxima desta: “Conheço
alguém, confessa ele, a propósito de si mesmo, que há 14 anos (era com o corpo?
Não sei; era fora do corpo? Não sei; Deus o sabe), este homem, foi arrebatado
até ao terceiro céu. E este homem (era com o corpo? Não sei; Deus o sabe), sei
que foi elevado até ao paraíso e que escutou palavras inefáveis que não é
permitido a um homem dizer”.[95]
SECÇÃO III: Exemplo de fenómenos por vezes naturais, por vezes supra-naturais.
O mundo é complexo. Aos lhos
de Deus, no entanto, é simples, porque toda a realidade encontra nele a sua
fonte. Somos pobres humanos perdidos na multiplicidade sempre renovada da
criação. Gostaríamos de ter um conhecimento claro de tudo, um conhecimento em
gavetas. Como seria fácil se pudéssemos afirmar com certeza: “a levitação de um
homem de Deus prova que Deus está nele”. Infelizmente, a realidade é mais
complexa e é preciso à Igreja uma extrema prudência para se pronunciar. Neste
capítulo, queria dar alguns exemplos da dificuldade do discernimento. Neste
mundo do paranormal, os poderes humanos, angélicos, satânicos, divinos, por
vezes, misturam-se, deixando os teólogos mudos.
Quis situar este capítulo
depois de termos visto a N.D.E., porque o primeiro tema, a viagem no astral, já
aí foi abordado no caso da descorporização.
CAPÍTULO 1: a viagem no astral, o desdobramento, a bilocação
Os budistas Tibetanos,
Hindus e Chineses, escolas incontestadas do paranormal, surpreendem-nos quando
afirmam, calmamente, a possibilidade do homem se desdobrar e viajar
voluntariamente no seu corpo, no mundo material. Para um cristão, o
desdobramento não é sem dúvida desconhecido, mesmo se lhe chamam, de
preferência, bilocação ou ubiquidade. Mas, a seus olhos, trata-se de um desses
carismas espantosos, que apenas Deus pode dar aos seus servos.
As vidas dos santos estão
repletas desse tipo de fenómenos. S. Martinho de Porres, pobre religioso
dominicano, simples irmão converso, no fundo do seu convento da América do Sul,
fez-se ver, e depois foi reconhecido até na Índia, onde ia, ornado da sua
eterna caixa de farmácia, tratar os doentes. Mais recentemente, o Padre Pio[96],
célebre estigmatizado italiano, esteve presente ao mesmo tempo em duas
reuniões. S. Tomás de Aquino teria totalmente razão. É certamente Deus que agia
nos seus santos. No entanto, se olharmos o que nos ensinam essas escolas
budistas, perguntamo-nos se Ele não pôs na natureza humana, o fundamento de
muitos carismas que não tem senão de suscitar com um piparote…
Viajar no astral, eis uma
doutrina que nunca teve um impacto muito forte no Ocidente, até que tenha
chegado o Dr. Moody e a sua vida depois da vida…. Desde a publicação do livro,
os cientistas americanos interessaram-se repentinamente pelo fenómeno, que não
atraía até aí senão alguns jovens, sedentos de esoterismo.
Que ensinam estas escolas do
budismo? Trata-se de um método chamado “Kundalini Yoga”, que permite, segundo
eles, provocar deliberadamente uma descorporização semelhante à descrita no
capítulo precedente… mas sem morrer.
A técnica exige um longo
treino e uma severa preparação. Os Yogis desaconselham a audácia de o
experimentar sem ajuda.
Depois de um longo treino em
diversos Yogas especializados na respiração, no controle dos instintos ou do
medo, depois de adquirida uma certa pacificação das paixões, o mestre convida o
aluno a aprender a concentração. Deve conseguir uma concentração deliberada,
num só local do corpo, de todas as suas energias vitais.
Depois destes preliminares,
o aluno deve tentar concentrar fora de si mesmo, as suas energias. Pode
acontecer, às vezes, depois de vários anos de exercício (salvo dom
excepcional), que experimente uma impressão estranha, desagradável, como um
zumbido que lhe toma a cabeça. Não deve, então, ter qualquer medo, mas prolongar,
pelo contrário, a concentração. Os Yogis afirmam que se sente a mesma impressão
que na morte. Segundo eles, o aluno encontra-se, então, pela primeira vez, fora
do corpo, que pode mesmo observar, por baixo dele, na posição onde o deixou,
pálido com um morto.
No entanto, explicam os
Yogis, o corpo não está morto, mas funciona simplesmente ao retardador. O corpo
astral, quanto a ele, depois de se ter penosamente extraído do seu envelope
carnal, permanece intimamente ligado a ele por uma espécie de laço energético,
chamado correntemente “cordão de prata”. O corpo astral pode deste modo
continuar a ser alimentado.
O aluno pode, então,
voluntariamente, deslocar-se na sala. O cordão de prata estica em função da
distância do corpo físico. Os Yogis afirmam que, com um pouco de treino e de
confiança em si, o aluno pode chegar a passear-se no mundo inteiro. As
propriedades que descrevem a propósito do corpo astral, são as mesmas de que
fala o Dr. Moody, a respeito da morte iminente.
O retorno ao corpo físico
faz-se voluntariamente e é tão agradável, segundo eles, como se entrássemos num
fato de mergulho, húmido e estreito.
O fenómeno é possível sem a
intervenção do poder absoluto de Deus? Não se opõe isto à unidade substancial
da pessoa humana? Se colocarmos a um filósofo aristotélico esta pergunta, fica
necessariamente um pouco hesitante. Como é que a alma, princípio da vida
humana, pode desempenhar o seu papel, enquanto um pedaço de homem se encontra
em Paria e outro em viagem na lua?
No entanto, reflectindo bem,
não há, a priori, impossibilidade total. A alma, segundo Aristóteles, não é uma
realidade submetida à noção de lugar, uma espécie de polvo que conseguiria
manter a vida humana, porque uma das suas patas está presente em cada uma das
partes. A alma é uma causa e não uma realidade palpável. É uma força unitiva e
não tem uma localização. Nada impede que desempenhe o seu papel unificador,
enquanto um laço físico subsiste entre o corpo físico e o corpo astral em
viagem. O cordão de prata poderia bem desempenhar esse papel.
O filósofo não pode, em todo
o caso, se é honesto consigo mesmo, rejeitar este fenómeno como, a priori,
impossível. Deve, pelo contrário, reconhecer que o facto pede reflexão e
atenção.
Se compararmos agora a
descorporização do budismo com o carisma da bilocação dos santos, somos
obrigados a reconhecer que, para além das relações, existem diferenças
notáveis. O monge budista, quando viaja, não pretende estar em dois lugares ao
mesmo tempo: o seu corpo físico repousa como morto e é incapaz de esboçar o
mínimo movimento. O corpo astral, quanto a ele, é invisível aos olhos dos
vivos. Se alguns Yogis pretendem poder tornar visível a sua presença astral, é
sobretudo sob a forma de um espectro, mais que de um real corpo carnal.
Os santos, pelo contrário,
eram palpáveis e actuantes em dois lugares ao mesmo tempo. Aqui está o dedo de
Deus, o dom carismático do seu Poder Criador Absoluto.
Se a viagem no astral
existe, como dizem as tradições orientais, confirmadas pelos relatos recentes
de morte iminente, podemos legitimamente perguntar-nos o que é o mundo astral
onde o corpo duplo se desloca. Trata-se de um mundo físico onde vivemos
habitualmente, ou do céu onde vivem os espíritos? É possível, ao
descorporizar-se, ver os anjos?
A resposta a esta última pergunta
não pode deixar de ser “não”. O mundo dos anjos, recordemos, está estritamente
separado da matéria. O mundo dos anjos é puro espírito. Não possuem nenhum
corpo aéreo. Ora, segundo os testemunhos daqueles que descrevem a viagem no
astral, o espírito permanece ligado a um corpo, mesmo se este corpo não é feito
de matéria palpável. Qualquer que seja a natureza da matéria deste corpo duplo,
permanece matéria, daí as suas propriedades sensíveis (existência de sensações,
de imaginação, de memória, etc.). Não se deve portanto esperar, ao viajar no
astral, encontrar anjos ou Deus (salvo, bem entendido, se estes se tornam
visíveis modelando um corpo provisório[97],
da mesma forma que o podem fazer perfeitamente para cada um de nós).
O mundo astral não é senão o
nosso mundo físico, tal como ele é, com os seus limites, as suas cores e
cheiros. Mas é visto com faculdades sensíveis mais perfeitas. Certos aspectos
habitualmente invisíveis aos nossos olhos, tornam-se visíveis, donde a
impressão sentida pelas testemunhas, de descobrirem coisas inéditas, cores não
habituais (ver, como ilustração, o capítulo 3, consagrado à aura).
Não me cabe pronunciar sobre
a existência da viagem no astral, mesmo se me parece difícil recusar a soma de
testemunhos que a atestam[98].
No entanto, permaneço crítico e, quando uma pessoa me diz que é capaz,
lanço-lhe sempre o seguinte desafio: “Coloquei
um objecto em cima do meu televisor. Venha a minha casa esta noite e diga-me
amanhã o que era.” Até à data ainda ninguém conseguiu.
Este fenómeno, se existe,
parece-me ser uma magnífica propriedade da natureza humana, sem dúvida a mais
impressionante. Mas, que os cristãos não se enganem. Deus não está na
descorporização. Bem poderíamos dominar a técnica e tornarmo-nos, deste modo, o
mais poderoso mestre de kundalini Yoga, nunca encontraríamos o Todo Outro. “Ele
habita as regiões inacessíveis”, afirma a Bíblia. Ninguém pode conquistar essas
regiões. Só ele pode introduzir nelas quem ele quer, quando ele quer. E, para
isso, é preciso que encontre um coração humilde e sedento da sua presença.
Nota: Antes de concluir
este capítulo, é preciso fazer notar àqueles que se interessam um pouco por
teologia católica, que seria perigoso e errado, identificar o corpo astral, tal
como o descrevi no capítulo anterior, com o corpo glorioso, ressuscitado, de
Cristo. Mesmo se as propriedades são análogas (subtilidade, agilidade, leveza,
claridade), a Igreja afirma com clareza que o corpo glorioso de Cristo era bem
o seu próprio corpo, ressuscitado do túmulo e não um simples fantasma[99].
Cristo podia, segundo a sua vontade, fazer-se tocar pelos discípulos, comer
peixe, etc., propriedades que estão excluídas do corpo astral. Da mesma forma
se passará connosco, quando ressuscitarmos nos últimos dias, encontraremos a
nossa natureza humana completa, física, psíquica e espiritual. Mas este corpo
glorificado, será inteiramente submetido ao nosso espírito, como o corpo de
Jesus, daí as suas propriedades espantosas.
Quando era mais novo, tive a
sorte de viver durante dois meses junto de um ermita cristão, de quem guardarei
para sempre a simplicidade e a ternura. O Pe. Emanuel, monge beneditino,
tinha-se retirado para os Alpes. Éramos vários jovens, desejosos de Deus, que o
Padre reunia todas as noites para falar das suas experiências, porque era um
apaixonado do paranormal.
Contou-nos que um dia teve a
visita de um estranho sujeito, de tipo indiano. Este homem afirmou-lhe bem
alto, que as levitações que Santa Teresa de Ávila ou Santa Mariam de Baouardi
tinham experimentado, nada tinham de divino. Pretendia ser capaz de fazer o
mesmo.
O Pe. Emanuel, curioso por
natureza deste género de fenómenos, convidou o homem a provar o que dizia. Este
último preparou-se longamente, concentrou-se, o seu rosto endureceu sob a
tensão. Efectivamente, pouco depois, o Padre pôde constatar que ele flutuava a
várias dezenas de centímetros do solo. O prodígio era manifesto e nenhum
falsificação era detectável. Bom para abalar a fé de qualquer um que não ele.
Pediu ao homem que permanecesse no ar, correu pelo convento fora até à oficina
e aí agarrou num íman, um simples íman de escola. Colocou-o no chão, na
vertical do faquir que, de imediato, caiu. Santa Teresa não teria caído. Foi
assim que concluiu o encontro.
Era preciso o bom senso
deste monge, no entanto pouco adepto do Yoga oriental, para deduzir pela
simples cara do homem, pelos seus traços contraídos pelo esforço, que esta
levitação era natural, simples fenómeno de telecinesia.
Santa Mariam, quanto a ela,
vivia uma coisa totalmente diferente. Os carismas de que Deus a dotou,
tornavam-na leve como um pássaro. As suas irmãs, no convento de Belém onde
vivia, viam-na elevar-se nas árvores, apoiada nas folhas, ao mesmo tempo que a
boca improvisava salmos. Inútil atribuir a Deus esta maravilha[100]:
nenhum acto criador faz aqui falta. O ministério dos anjos basta, como diz a
Bíblia: “Ele dará ordem aos seus anjos para que te protejam. Eles te levarão
nas suas mãos para que não tropeces em nenhuma pedra”[101].
Os anjos, como mostrámos, têm poder para elevar a matéria.
Devemos então concluir a
existência de dois tipos de levitação, uma natural que se consegue realizar
depois de anos de treino, a outra angélica, sinal de uma benção de Deus? As
coisas seriam demasiado simples. Existe uma terceira forma de levitação, cuja
origem é demoníaca. O anjo rebelde, permanece um anjo e não hesita em entregar
o seu poder a quem o serve. Que dizer das possessões demoníacas onde este tipo
de fenómeno paranormal é moeda corrente? Perante tal complexidade, a Igreja
pede cautela: não acrediteis em todos os profetas sob pretexto de que fazem
milagres. S. Paulo escreve “no fim dos tempos, o Ímpio virá, marcado pela
influência de Satanás, com toda a espécie de obras poderosas, sinais e
prodígios mentirosos”[102].
Se o desdobramento parece
poder explicar-se pela natureza, em certos casos, e noutros, por Deus, se a
levitação é um fenómeno natural ou angélico, que devemos pensar da auréola?
O fenómeno da aura (ou
auréola) é uma espécie de halo de luz de que estariam rodeados certos rostos de
homens. A tradição vem-nos de duas fontes muito distantes: do Tibete, na
confluência da China e da Índia, e da Igreja, na confluência do pensamento
judeu e grego.
Todos sabemos que Buda, como
Jesus Cristo, são raramente representados sem um disco dourado à volta da
cabeça. A aura ou auréola dourada, são consideradas sinal de santidade. Eis um
belo símbolo, rico de significado. Mas a questão complica-se quando escutamos o
que ensina sobre isso o budismo, por um lado, e a Bíblia, por outro. Falam
desta coroa, não apenas como um símbolo, mas como uma realidade.
Seria de admirar que a
ciência ocidental confirmasse tais afirmações. No entanto, por surpreendente
que pareça, confirma-as, num certo sentido: “Todo o corpo quente emite por
radiação, diz a ciência, uma luz cujo comprimento de onde diminui à medida que
o calor aumenta, passando do infravermelho, ao vermelho, depois, à luz branca”.
O corpo humano, com os seus trinta e sete graus, emite luz que, infelizmente, é
invisível porque é infravermelha. O seu comprimento de onda não entra na
estreita capacidade do olho humano. O exército e a fotografia, quanto a eles,
já há muito que aprenderam a utilizar esta radiação que permite, se dispusermos
de óculos especiais, ver durante a noite. Mas, se escutarmos os Budistas, a
aura parece-lhes ser uma coisa bem diferente dessa grosseira luminescência da
pele. Segundo eles, a aura é um feixe luminoso que rodeia a totalidade do corpo
humano e que representa, sendo invisível ao olho normal, variações de cores
quase infinitas. Ora, estas cores têm uma ordem, uma harmonia, porque têm a sua
origem na própria ordem do corpo humano que as produz. São como que a sua
radiação física. Sendo do corpo, o seu conhecimento permite, segundo eles,
conhecer o estado da causa, portanto, a saúde do corpo. Sempre segundo eles,
certos órgãos estão ligados à vida vegetal (órgãos digestivos, coração, órgãos
reprodutores), outros estão ligados ao psiquismo (cérebro). Assim, o médico que
aprendeu a visualizar a aura, será capaz, em função das cores que constata, de
diagnosticar uma doença. Cada doença tem a sua cor. Uma cirrose do fígado, por
exemplo, distingue-se pela emissão de uma luz de cor amarela, de um tom
especial. Quanto ao hábil psicólogo, dotado da mesma faculdade, estará apto a
visualizar através da aura que rodeia a cabeça, todas as paixões sentidas pelo
seu interlocutor: traços vermelho vivo para a cólera, amarelos para a mentira,
dourados para a paz interior e a espiritualidade. Esta tradição oriental
descreve-nos um fenómeno bem espantoso. O Ocidente conhece bem certas
propriedades do cérebro humano: é nítido que as ondas do electroencefalograma,
apresentam características em função dos sentimentos do paciente: cólera,
mentira, paz. É, aliás, sobre este princípio, que foram inventados os
detectores de mentiras, úteis à justiça americana. Mas daí a imaginar que estas
ondas cerebrais se acompanham de luminescência? Os sábios orientais respondem
que são essas próprias ondas que aparecem luminosas, a quem as sabe ver. O
terceiro olho[103]
ou faculdade de ver a aura, pode ser adquirido, segundo eles, por diversos
métodos: certos alucinógenos como o álcool ou a droga, um treino laborioso
fundado na concentração, um choque cerebral, o jejum levado a um estado limite.
A acupunctura não lhes parece ser senão uma das múltiplas aplicações desta
visão paranormal. Quando se pode visualizar livremente os pontos donde partem
as ondas electromagnéticas corporais, é fácil, se for um médico, reparar no que
aí se encontra de anormal. Agulhas em ferro ou prata (portanto, condutoras de
correntes eléctricas), se forem judiciosamente implantadas, podem restabelecer
o equilíbrio onde ele não existia.
Estas tradições veneráveis
da China, da Índia e do Tibete, não podem senão encher-nos de admiração. Mais
uma vez, parecem revelar-nos um fenómeno de origem natural, humano.
A Bíblia, quanto a ela, fala
explicitamente do fenómeno da auréola, relativamente a pessoas concretas.
Moisés e Jesus. Quando Moisés e Jesus desceram da montanha, não sabiam que os
seus rostos irradiavam, na sequência do encontro com Deus. “Aarão e todos os
filhos de Israel viram Moisés e eis que a pele do seu rosto brilhava. Não
ousaram aproximar-se.”[104]
“Jesus subiu à montanha para rezar. Ora, enquanto rezava, o aspecto do seu
rosto mudou e as suas vestes tornaram-se de uma brancura fulgurante. Pedro e os
companheiros viram a sua glória”[105].
Se compararmos as auréolas
de Moisés e de Jesus à aura, tal como a descreve a medicina oriental, ficamos
impressionados com as semelhanças, mas também com as diferenças. A auréola de
Jesus e Moisés, não parece natural, porque não permanece no estado de
infravermelho. Torna-se visível e testemunha a glória de Deus. Um teólogo
cristão não pode concluir a existência de um fenómeno novo cuja origem não pode
ser puramente natural, mesmo se, neste caso, ele parece baseado na natureza.
Uma influência diferente é necessária. Devemos falar aqui, necessariamente, de
carisma de origem divina? O ministério dos anjos é suficiente para tornar um
rosto luminoso, de uma forma visível? Penso que esta última solução é
suficiente, o anjo parece-me capaz de realizar, pelas suas próprias forças, sem
a ajuda de Deus, um tal fenómeno. Com efeito, aqui como na levitação, nenhum
acto criador, nem mesmo nenhum acto necessitando uma energia infinita, é
necessário, mas apenas a simples e judiciosa utilização das leis naturais.
Se a minha opinião é boa, é
preciso concluir que todo o homem luminoso não é, por via de consequência,
homem de Deus. O que o anjo pode realizar, o demónio pode imitar.
Conclusão: Compreendemos
melhor a extrema prudência da Igreja quando se trata de reconhecer esta ou
aquela aparição, este ou aquele milagre. Todos os assuntos de que tratarei na
secção seguinte, são candidatos a estas distinções subtis.
Com efeito, o psiquismo
humano e a natureza angélica, são dois domínios que Deus tornou extremamente
próximos, por causa do papel de servo do homem que previu para os anjos. Dois
extremos são de evitar: o dos psicanalistas, que negam toda a acção angélica ou
demoníaca e o dos iluminados, que atribuem toda a doença psicológica, todo o
fenómeno paranormal, às forças ocultas.
SECÇÃO IV: Onde se fala dos anjos, dos demónios e dos espíritos dos mortos.
Gostaríamos tanto de
conhecer ou controlar o futuro. Dotados desse poder, teríamos a impressão de
escapar à insegurança da nossa existência, sempre frágil. Ser dono do destino,
eis um sonho que o mundo moderno e a sua técnica, não poderá jamais realizar
inteiramente: tudo seria simples e não existiriam senão leis para regular o
universo. Infelizmente, o acaso e a liberdade humana, são incontroláveis.
A atracção cada vez mais
pronunciada das massas, por todo o tipo de vidência, por toda a forma de magia,
manifesta o limite do nosso conhecimento e do nosso poder. Mas, que pensar dos
profetas e dos videntes que pretendem conhecer o futuro? Que pensar dos mágicos
que pensam ter os destinos entre as mãos? Inútil, neste domínio, apelar para as
luzes da ciência ou da filosofia moderna. Tais fenómenos foram oficialmente
classificados como impossíveis, a priori[106].
Existem, sem dúvida,
numerosas obras de ciências ocultas. Na minha opinião, tais obras não podem, em
caso algum, ter autoridade para um cristão, com as suas pretensas explicações.
Os autores, nos casos raros em que as motivações são outras que não
pecuniárias, encontram as suas fontes de informação na frequentação dos
círculos de ocultismo, onde se fala incessantemente dos “espíritos”.
Ora, o mundo dos espíritos é
complexo e bem acima do conhecimento humano. Além dos espíritos dos mortos,
existem, vimo-lo, puros espíritos, como os anjos. Mas existem também, e os
próprios autores desses livros testemunham, demónios enganadores, cuja única
obsessão é destruir o homem.
De que forma, então, os autores
dessas obras ocultas conseguem discernir o espírito bom do espírito mau? Em
nome de que critério? Será porque o espírito com que contactam lhes parece
sincero? É esquecer que o mais sincero dos anjos se chama Lúcifer (pelo menos
assim se apresenta[107]).
Estamos face a um mundo feito de espíritos que nos ultrapassam, tanto pelo
poder como pela inteligência. Jesus ensina-nos a desconfiar.
O único caminho válido de
informação, parece-me ser a Igreja, que recebeu, neste domínio, ensinamentos
bíblicos muito interessantes. Deus conhece o mundo dos espíritos, uma vez que o
criou. Creio que Deus não pode enganar-se nem enganar-nos neste domínio, como
nos outros. Parece-me pois inútil e perigoso apelar, nas secções que se vão
seguir, para outra fonte diferente da palavra de Deus e da tradição católica.
Os trabalhos de ocultismo servir-me-ão, bem entendido, mas unicamente para
melhor descrever certos fenómenos, nunca para os explicar.
CAPÍTULO 1: Os anjos conhecem o futuro?
Antes de abordar
directamente assuntos como a vidência e a magia, resta um certo número de
pontos preliminares que deixámos em suspenso, nas nossas anteriores descrições
do mundo dos espíritos. É indispensável conhecer até onde vai o conhecimento e
o poder dos anjos e dos espíritos dos mortos, nas suas relações connosco.
Perguntaremos, em primeiro
lugar, se os anjos conhecem o futuro; tentaremos, em segundo lugar, estudar até
onde vai o seu poder sobre a matéria (questão importante para o estudo dos
milagres, da feitiçaria, etc.); finalmente, colocaremos as mesmas questões
acerca daqueles que morreram antes de nós. É a S. Tomás de Aquino que devemos o
tratado mais completo e mais profundo sobre os anjos. Isso valeu-lhe, da parte
da Igreja, o título de doutor Angélico. É, pois, na sua escola que nos devemos
colocar, para responder à primeira pergunta.
A segunda parte desta obra,
permitiu-nos mostrar o que é um anjo: é uma criatura puramente espiritual, cuja
substância se realiza em inteligência e vontade.
O anjo, sendo incapaz de
aprender servindo-se, à nossa maneira, das sensações (uma vez que as não tem),
recebe da parte de Deus, no próprio instante da sua criação, todos os
conhecimentos que lhe são indispensáveis. Ora, dois domínios dizem-lhe
particularmente respeito: a sua própria vida (o seu destino pessoal) e, por
outro lado, a sua futura missão junto dos homens. Deus comunica aos anjos tudo
quanto é preciso nestes domínios. Conhecem-se, em primeiro lugar, a si mesmos.
É este mesmo o seu primeiro conhecimento, diz S. Tomás de Aquino. A inteligência
é capaz de compreender essa perfeição e essa beleza natural que lhe foram dadas
por Deus. Apenas por mais nada que isto, ultrapassam-nos largamente: somos
incapazes de compreender o que é um anjo, porque a natureza angélica é maior
que a capacidade da nossa pobre inteligência. Ao contemplar a sua beleza, o
anjo é capaz de deduzir dela, um certo conhecimento natural da beleza da sua
origem: Deus. É, por natureza, um ser contemplativo.
No que toca à sua missão
junto dos homens, recebe da parte de Deus um conhecimento de todos os outros
anjos que cooperam com ele. Mas recebe, sobretudo, um conhecimento perfeito da
natureza humana. É, por consequência - e isso por natureza -, o maior dos
físicos (nenhuma lei da natureza tem segredos para ele), dos biólogos (todas as
leis da vida), dos psicólogos (todas as leis do comportamento animal ou
humano), dos sociólogos (as leis dos grupos humanos), dos astrólogos, dos
filósofos…. Poderíamos ainda enumerar muitos títulos. O anjo, por exemplo, é o
mais fino dos artistas. Conhece a música não porque a saboreie (não a pode
ouvir!), mas porque sabe, de uma maneira teórica, que harmonias encontram
ressonância na natureza humana.
Esta ciência, espantosa pela
sua riqueza, é indispensável ao anjo para exercer o ministério que Deus tinha
previsto para ele. Recebe-a em plenitude, quer dizer, segundo a capacidade
plena da inteligência.
Esta ciência teórica, é
completada por um conhecimento prático de cada um de nós, no concreto da nossa
existência. Sem nos ver (porque não tem olhos), conhece-nos directamente. A sua
inteligência penetra cada uma das nossas acções. Apenas o santuário secreto do
nosso espírito lhe escapa.[108]
O anjo conhece o nosso
futuro?
Recordemos que as coisas
futuras ainda não existem. Ninguém as pode conhecer em si mesmas, excepto Deus
que, na sua eternidade, vê tudo, porque, graças à sua simplicidade, está
presente à totalidade do tempo e contém o tempo. Mas, nem a inteligência
angélica, nem nenhuma inteligência criada, igualam a eternidade divina.[109]
Em resumo, podemos dizer
que, salvo revelação da parte de Deus, o anjo conhece o futuro da mesma forma
que nós: tratando-se de futuros puramente contingentes, como aquilo que é fruto
do acaso, o anjo é cego como nós. Não pode senão conjecturar. Pelo contrário,
certos acontecimento futuros, são capazes de ser conhecidos, mesmo por nós, na
medida em que descobrimos a causa que os produz: um médico que se apercebe, ao
auscultar o seu doente, da presença de um tumor canceroso, poderá facilmente
anunciar-lhe o futuro. Certos médicos muito bons, sabem antecipadamente se o
doente se curará ou, pelo contrário, a data aproximada da sua morte. O anjo
pode, desta mesma maneira, prever o futuro. Fá-lo mesmo duma forma muito mais
rigorosa que os homens, porque conhece muito mais perfeitamente que nós, as
múltiplas leis da natureza. Neste sentido, e neste sentido apenas, se pode
dizer que o anjo conhece o futuro. Este conhecimento, quando o comunica a um
homem, constitui, veremos, um verdadeiro fenómeno de vidência.
Com efeito, o anjo conhece
desta forma espantosa, acontecimentos que escapariam ao mais perspicaz dos
homens. Este exemplo convencer-nos-á: numa guerra, o sonho de qualquer Estado
Maior, é possuir os planos do inimigo. O que é difícil para o mais dotado dos
espiões, é uma brincadeira de criança para o anjo, não apenas porque pode ler
nos papéis, mas porque pode conhece-los na própria imaginação daquele que os
constrói. Não está aqui um poder temível e a perspectiva de um longo capítulo
consagrado à vidência?
Em conclusão, podemos dizer
que existem dois domínios que escapam aos anjos: o domínio dos futuros
contingentes (tudo quanto se deve ao acaso) e o domínio dos pensamentos dos
corações (portanto, tudo quanto se deve à liberdade humana). No entanto, não
conhecendo os futuros contingentes, este estudo do espiritismo mostrará que,
por vezes, ele pode mesmo provocar o acidente que anuncia, fazendo-se assim
passar por mais poderoso do que é….
CAPÍTULO 2: O poder dos anjos sobre a matéria e sobre o homem
Até onde vai este poder
angélico sobre a matéria, poder que todas as religiões não param de descrever?
Podem os anjos fazer tudo?
Quando olhamos para a
Bíblia, constatamos os múltiplos efeitos que lhes são atribuíveis. As aparições
de anjos são múltiplas e realizam-se, por vezes, em sonhos (a S. José, por
exemplo), por vezes, com um corpo real, moldado para a ocasião (Rafael, ele
mesmo, explica-o a Tobias: “acreditaste ver-me comer, não era senão uma
aparência”[110]).
O anjo conseguirá mesmo exprimir-se pela boca de um animal! (a burra de Balaão[111],
a serpente do Génesis, por exemplo).
De uma forma negativa, os
demónios são tidos como responsáveis de múltiplas obsessões (pesadelos
descritos no livro da sabedoria), possessões (os evangelhos estão repletos
delas) e mesmo, assassínios cometidos sobre homens (os sete esposos de Sara
mortos por Asmodeu[112]).
Mas o texto de referência,
no que toca a estes poderes, é, sem dúvida, o relato das 10 pragas do Egipto,
onde vemos Moisés fazer sucessivamente milagres, que os mágicos, com os seus
sortilégios, imitam. A história e a tradição da Igreja relatam fenómenos ainda
mais numerosos: levitações, palavras em línguas estrangeiras, curas ou doenças.
S. Tomás de Aquino fala mesmo dos íncubos, esses demónios que provocariam
gravidezes sem intervenção de um homem.[113]
Quanto às religiões não
cristãs, os testemunhos são semelhantes. O animismo africano, por exemplo, cujo
culto tem, justamente, os espíritos como objecto, atribui-lhes um poder quase
ilimitado.
Não podemos senão ficar
impressionados perante o arsenal de fenómenos atribuídos aos anjos. No entanto,
a Igreja afirma, e S. Tomás no seu seguimento, que os seus poderes não são
infinitos, longe disso. Não passam de criaturas, quer dizer, quase nada, diante
de Deus. Tentemos determinar de uma forma rigorosa, até onde vai o poder dos
anjos sobre a matéria. Em primeiro lugar, podemos afirmar com certeza, que os
anjos são incapazes de fazer milagres. No sentido próprio, um milagre é um
fenómeno que sai da ordem da natureza. Mas não basta, para que haja milagre,
que alguma coisa seja realizada fora da ordem da natureza de determinada
criatura particular: porque então, quando alguém deita uma pedra ao ar,
deveríamos dizer que fez um milagre, uma vez que isso está fora da ordem da
natureza da pedra. Portanto, uma coisa é um milagre quando se realiza fora da
ordem de toda a natureza criada. Isso, apenas Deus o pode fazer[114].
Desta forma, tudo quanto o
anjo faz, fá-lo aplicando a sua própria energia, às leis físicas. Nunca destrói
essas leis. Não seria capaz. Se um anjo decide elevar no ar um objecto, não o
faz suprimindo a gravidade; fá-lo opondo uma força à gravidade, de uma forma
análoga à nossa, quando pegamos nesse objecto.
Para retomar S. Tomás de
Aquino quando ele fala dos íncubos, esta fecundação sem intervenção do sexo
masculino, não é feita por criação, mas por um simples transporte de sémen
recolhido em qualquer parte, à maneira das nossas modernas inseminações. S.
Tomás de Aquino tenta ir mais longe. Não se contenta em descrever as acções
angélicas e em estabelecer os seus limites. Procura estabelecer a maneira como
os anjos aplicam a sua energia ao mundo físico. Segundo a ciência da sua época,
todos os fenómenos da natureza eram explicados por combinações do movimento
local. O mundo material era concebido como a organização de partículas (água,
ar, fogo, terra) que, combinando-se de diversas maneiras, davam a madeira, a
pedra, a carne humana. Todos os movimentos vitais do corpo humano, eram
explicados por movimentos locais das partículas. S. Tomás explica, por exemplo,
nos seus escritos, que os sonhos são o efeito da modificação local dos humores
do corpo. Com esta concepção, era previsível ver este grande teólogo definir
deste modo a acção dos anjos: “realizando movimentos locais, podem através
deles provocar outros movimentos, da mesma forma que o ferreiro se serve do
fogo para amolecer o ferro.”[115]
O progresso das ciências
físicas e biológicas, obriga-nos a falar de uma forma um pouco diferente,
conservando o mesmo espírito.
Para explicar os múltiplos
fenómenos descritos mais acima, somos obrigados a admitir nos anjos, não apenas
um poder sobre a matéria quando esta se apresenta sob a forma de corpúsculos ou
de partículas, mas também um poder sobre a matéria quando esta se apresenta sob
a forma de energia. O domínio das ondas, do magnetismo, da electricidade,
descoberto recentemente pela ciência, é também o dos anjos. Podem conhecer a
matéria quando esta se apresenta sob esta forma e podem modificá-la, donde a
sua extraordinária penetração no cérebro humano, que funciona desta forma. O
anjo é capaz de produzir a partir de si mesmo, fluxos de energia material,
cujos efeitos são múltiplos. O movimento local não é senão um entre muitos
outros, muito subtis. Mas, aos olhos da maioria dos homens, é o mais impressionante.
Finalmente, não é exagerado dizer que o mundo físico está inteiramente
submetido ao poder dos anjos, embora na medida das suas leis gerais.
CAPÍTULO 3 : Os espíritos dos mortos, seus estados e relações
Já esboçamos alguns aspectos
do que espera o nosso espírito depois da morte[116].
Precisamos agora continuar a nossa explicação. Onde estão os mortos? Podem
intervir junto de nós?
Recordemos que, segundo a
Igreja, não é senão o primeiro grau dum purgatório, caracterizado pelo silêncio
de Deus e um aparente abandono da sua parte. O quase total silêncio do Céu é,
pois, uma vontade expressa do Céu, com o objectivo da nossa educação, e este
princípio será extrema mente importante para adivinhar quem responde nas
sessões de espiritismo. As razões da nossa solidão e da nossa fragilidade
dependem duma só palavra: humildade.
Todo o homem, cristão ou pagão, ateu ou crente aprende uma coisa neste corpo
frágil: a sua pequenez. Esta humildade não é senão uma disposição que Deus um
dia nos quer propor (e que propõe já nesta vida aos discípulos de Jesus): a
caridade, quer dizer, um verdadeiro amor de humildade por ele.
No momento da morte, antes
mesmo da separação da alma e do corpo, a pessoa é confrontada com uma nova
etapa, perturbadora: Cristo aparece-lhe na glória, acompanhado dos anjos e
santos. Esta aparição ardente e doce condu-la a escolher de uma forma
definitiva entre dois caminhos: o do orgulho ou o do amor. Tudo quanto fez na
vida passada, pesa grandemente como um condicionamento que eleva para o amor ou
que eleva para a revolta. Mas não é senão um condicionamento. O acto
definitivo, o juízo final, não pode ser feito senão nesse instante, porque a
liberdade é total. A inteligência, com efeito, está perfeitamente esclarecida
quanto ao sentido desta escolha, a vontade está forte, à imagem da dos anjos,
porque o corpo e a suas paixões desapareceram. Por causa desta liberdade total,
a escolha última, fruto de toda uma vida, é definitiva. Aquele que escolhe o
inferno sabe, tanto como o anjo, aquilo que faz. O amor egoísta de si mesmo, de
que viveu toda uma vida, parece-lhe um bem suficientemente grande para se
tornar o seu bem último. Jamais este ser sairá do inferno, porque jamais o
quererá. É o mistério do orgulho e este orgulho deve ser bem grande entre os
que se danam, para os ter tornado capazes de rejeitar face a face o grito, o
apelo último de Jesus, escutado no momento da morte: “tenho sede de ti”.
S. Tomás de Aquino faz notar
que este pecado último, este pecado contra o Espírito Santo que é amor, pode
tomar várias grandes formas: recusa de acreditar, apesar da evidência; recusa
de esperar a felicidade eterna proposta ou, inversamente, presunção que
pretende atingir a visão de Deus pelas suas própria forças, sem se tornar
pequeno; inveja da felicidade daqueles a quem fizemos mal durante a nossa vida;
impenitência relativamente aos pecados passados.
Mas, a única raiz da tudo
isto, é o amor de si mesmo em absoluto, dito de outra forma, o egoísmo.
Portanto, Deus não condena
ninguém, Deus não julga ninguém. São os nossos próprios actos que nos julgarão.
Não sabemos se existe um único ser humano no inferno. Não sabemos se Hitler lá
está. Um acto de arrependimento, no instante da morte, é suficiente para Deus
perdoar à sua criatura muito amada. Mas, a existência deste acto, é pouco
provável naquele que nunca o fez, no decurso da sua vida terrestre.
O que sabemos é que é o
homem, que faz de si mesmo o seu Deus, se condena, se encontra só. Não há amor
no inferno, salvo o amor egoísta de si mesmo. É também um lugar ardente, afirmado
pela Bíblia, um lugar onde o verme do remorso corrói e não cessa mais. O
mistério deste verme corrosivo, é a recordação lancinante do encontro com Jesus
na hora da morte, a recordação desse olhar de amor que o condenado desprezou e
continua a desprezar, mas que não esquecerá jamais. As almas que estão no
inferno, são incapazes de estabelecer o mínimo contacto connosco. Os evangelhos
testemunham-no com força: “Entre nós e vós foi estabelecido um grande abismo
para que aqueles que quisessem passar d e cá para lá, não o possam, e que não
se venha também de lá para cá”[117].
S. Tomás de Aquino explica
porquê. A alma humana, quando estiver no outro mundo[118],
não tem mais nenhum meio natural de comunicar com o mundo dos
vivos. Não dispõe, como os espíritos angélicos, de um poder espiritual
relativamente ao mundo material. O corpo, que desempenhava esse papel durante a
vida, desapareceu. Encontra-se, pois, num outro mundo e não sabe o que se passa
no nosso. Se um contacto se realiza, não pode ser senão à custa de um
intermediário, Deus ou anjo. Esta observação, veremos, terá consequências
importantes na questão da necromancia (contacto com os mortos).
Mas, que acontece àqueles
que, no momento da morte, escolhem Deus? A sua escolha é dotada da mesma
qualidade de liberdade e de lucidez que a dos condenados. É, portanto, da mesma
maneira, definitiva. Mas, ao contrário dos anjos aquando do seu julgamento,
certas almas são incapazes de ser introduzidas imediatamente na felicidade de
Deus: permanecem nelas algumas manchas de egoísmo, apegos a si próprias, que as
impedem de se entregarem à acção de Deus.
Ora, Deus é como um cristal
muito puro. Ninguém pode contemplar um cristal se os seus olhos estão sujos de
impurezas. A alma, consciente deste peso que a afasta de Deus, aceita com
alegria ser purificada. O purgatório, segundo Santa Catarina de Génova, tem
várias etapas. Mas, o que caracteriza todas as almas que o sofrem, é a
santidade. Todas amam Deus e desejam contemplá-lo face a face. O purgatório não
é senão o sofrimento terrível, para aquele que ama, de estar separado por um
tempo, do seu amado. “Procurei aquele que o meu coração ama, não o encontrei.
Chamei-o mas ele não respondeu”[119].
Não podemos imaginar o sofrimento das almas do purgatório. Ultrapassa tudo o
que existe sobre a terra, porque é à medida do desejo de Deus.
Certas almas, mais
grosseiras, pouco habituadas ao amor, mas mesmo assim desejosas de Deus, estão
na primeira etapa do purgatório: aprendem a descobrir pouco a pouco a vaidade
dos bens criados. Uma certa tradição, não hesita afirmar que esta aprendizagem
se pode fazer no próprio lugar onde pecaram. Estudaremos esta teoria no
capítulo consagrado às almas penadas.
Uma segunda etapa do
purgatório, está reservada aos que progridem no amor. Se ainda têm que lutar
contra um certo egoísmo, o seu coração aspira cada vez mais ao amor de Deus,
que lhes aparece como o único bem.
Uma terceira etapa, a que
Santa Catarina chama o verdadeiro “átrio do céu”, não é senão o purgatório dos
perfeitos: o pecado não tem qualquer atractivo para eles e gemem, de tal
maneira o seu coração deseja o Amado. Como uma chama, este sofrimento acaba de
os purificar. Podem então fundir-se na visão de Deus, Pai, Filho e Espírito
Santo, a sua única felicidade.
Qualquer que seja o grau de
progressão, as almas do purgatório estão, relativamente a nós, no mesmo estado
que as do inferno. Não têm a possibilidade de nos ver, do mesmo modo que nós
não as podemos ver. Por maioria de razão, não nos podem contactar. Aqui também,
têm necessidade de um intermediário, quer seja o próprio Deus ou um anjo.
Quando rezamos pelas almas do purgatório, os benefícios dos nossos pedidos são
levados pelos anjos até elas, mas não as atingem directamente.
Uma excepção, todavia, deve
ser feita, relativamente às almas da primeira etapa. A tradição que afirma que
se purificam no lugar próprio do seu pecado, põe problemas.[120]
Quanto às almas do paraíso,
o seu estado é muito diferente: estão mergulhadas em Deus e contemplam a sua
substância face a face, sem nenhum intermediário. A sua felicidade é perfeita.
S. Tomás de Aquino diz que
vêem, na própria substância de Deus, tudo quanto fazemos na terra. Vêem-nos com
o próprio olhar de Deus. Sabem, pois, o que fazemos a cada momento. Podem
contactar connosco ou aparecer-nos? Sim, mas fazem-no apenas se Deus o desejar,
porque nada desejam fora da sua vontade. As suas aparições são perfeitamente
possíveis, mas são raras, porque estas almas compreenderam a razão que leva
Deus a ser discreto para connosco: o mistério da fé. “Bem-aventurado aquele que
acredita sem ter visto”. Aquele que acredita, é grande aos olhos de Deus,
porque a sua atitude é a de uma criança. Tem confiança e esta confiança o
levará direito ao céu, na hora da morte.
CAPÍTULO 4: A necromancia e o espiritismo
O mundo dos espíritos é,
pois, complexo. Estes três capítulos permitiram-nos conhece-lo melhor e,
sobretudo, ver a sua relação com o mundo que é o nosso. Precisamos agora entrar
na parte mais difícil deste estudo, aquela em que teremos de discernir os
efeitos deste universo paralelo.
A necromancia (ou
adivinhação com os mortos), será o primeiro fenómeno que estudaremos,
acompanhado da sua forma moderna, que é o espiritismo. Desde sempre que o homem
procura tomar contacto com aqueles que morreram. Não existe uma única
civilização que não tenha as suas formas de necromancia. O mundo ocidental
moderno, curiosamente, consagrou a renovação do fenómeno, no preciso momento em
que a revolução científica e industrial, estavam em plena florescência. Vítor
Hugo é conhecido como um dos mais fervorosos adeptos do espiritismo em pleno
desenvolvimento.
É muito difícil fazer a
recensão dos métodos que antigamente foram utilizados para estabelecer o
contacto com os espíritos. Conhecemos muito melhor aqueles que foram
sucessivamente utilizados no espiritismo moderno. Nasceu no século XIX, nos
USA: duas jovens ouviam pancadas surdas, em sua casa. Tiveram a ideia de
responder-lhes. Decidiram estabelecer um código que permitisse ao espírito
responder por um ‘sim’ ou um ‘não’. A notícia da experiência fez sensação, e
bem depressa foram imitadas em todo o país. Os métodos para comunicar com o
espírito que bate, aperfeiçoaram-se. Inventaram-se as plaquetas do sim-não[121],
depois, a mesa de pé de galo, que o espírito pode bascular para bater no chão.
Os círculos espíritas,
depressa tomaram consciência dos limites destes métodos de comunicação.
Inventaram outros sistemas. Sobre uma mesa redonda, dispunha-se em círculo,
pedaços de papel, sobre os quais se escreviam as letras do alfabeto, os números
de 0 a 9, e as palavra ‘sim’ e ‘não’. Um copo era colocado no centro. Os
participantes deviam concentrar-se e invocar o espírito para que ele se
manifestasse, donde a célebre frase “espírito, estás aí?” Quando a manifestação
se dava, o copo punha-se a escorregar sozinho sobre a mesa, indicando as letras
que constituíam as suas respostas.
Os espíritas, tendo
constatado a facilidade com a qual os espíritos deslocavam os objectos, tiveram
a ideia de os invocar sobre si mesmos, para que lhes tomassem posse da mão. A
escrita automática tinha nascido; através dela obtêm-se escritos espantosos.
Partituras foram cobertas, em alguns instantes, de notas de música, depois de
se ter invocado o espírito de João Sebastião Bach. A escrita era a do célebre
músico e a música era, não apenas do seu estilo, mas da mais alta qualidade.
Com a invenção do gravador,
o espiritismo entrou numa nova fase. Depressa se percebeu a possibilidade de
comunicar por intermédio de fita magnética. O espírita invoca o espírito.
Quanto está seguro de ter estabelecido o contacto, coloca uma pergunta e deixa
o gravador funcionar durante um tempo. Ao voltar a escutar a fita, ouve, nos
espaços deixados em branco, as respostas do espírito. Com a câmara de filmar, o
fenómeno vai mais longe, uma vez que não é apenas a voz que se regista, mas
também o rosto daquele que fala. Do próprio testemunho das famílias, pessoas
mortas desde há anos, puderam ser reconhecidas nesses filmes de vídeo, de um
novo tipo. Quando estamos em presença de espíritos suficientemente poderosos, a
gravação parece poder fazer-se, quanto a câmara está desligada. O Pe. Brune não
hesita em se entusiasmar diante de um tal milagre, que torna o mundo dos mortos
ao alcance do dos vivos.[122]
Estes métodos, apesar da sua
extrema diversidade, têm todos alguns pontos comuns. Não podem habitualmente
ser utilizados sem serem precedidos de uma espécie de orações, de invocação dos
espíritos[123].
A iniciativa procede do homem. Apoiado nessa oração, o espírito manifesta-se,
mesmo aos principiantes. Todos ouvimos falar desses serões de jovens que acabam
numa sessão de espiritismo, “para se divertirem”. Não é raro, apesar do
ambiente pouco sério, que uma manifestação tenha lugar, a partir do momento em
que uma invocação tenha sido lançada.
Segundo o testemunho dos
espíritas, os espíritos são de várias espécies. Alguns apresentam-se como bons
espíritos (o de um homem que viveu na terra ou o de um anjo que nunca
encarnou). Outros apresentam-se como maus espíritos e os espíritas transmitem
entre si rituais para se livrarem deles (partir o copo, vira-lo, etc.). Outros,
finalmente, são “farsantes”. Parecem ter um especial prazer em contar não
importa o quê, quando são interrogados. Os espíritas normalmente não confiam
senão nos bons espíritos. Recebem deles previsões sobre o futuro e relatos
sobre o mundo do além.
Os espíritos não têm todos o
mesmo poder de acção. Alguns deles podem manifestar-se a quem quer que queira,
sem que nenhuma disposição magnética seja necessária. Outros, pelo contrário,
não podem dirigir-se aos homens senão por um intermediário, ou médio, cujo
magnetismo natural favorece o contacto. Certos testemunhos, relatam aparições
directas de espíritos, particularmente poderosos, sobre a forma humana. O corpo
que arranjam, é por vezes uma simples imagem (um holograma), outras vezes é,
pelo contrário, palpável pelos que assistem.
Que pensa a Igreja de tudo
isto? Muitos pensam que não pode senão encorajar tal fenómeno, que traz uma
confirmação do seu ensinamento sobre a sobrevivência depois da morte. Não é
nada disso. A condenação é total, tão antiga como a própria Igreja, e já é
formulada pelos primeiros padres apostólicos. Foi solenemente renovada em 1917,
com uma severidade que lhe manifesta a gravidade: “É permitido tomar parte,
seja através de médio ou sem ele, usando ou não o hipnotismo, em reuniões ou
manifestações espíritas, apresentando mesmo uma aparência honesta ou piedosa,
seja para interrogar as almas ou os espíritos, seja para escutar as respostas
dadas, seja para meramente observar, mesmo afirmando tácita ou expressamente
que não se quer uma relação com espíritos maus?” A resposta é não,
relativamente a qualquer destas formas[124].
Esta condenação vinha acompanhada de uma ameaça de excomunhão.
Em 1962, a comissão
pré-conciliar recorda a severidade da Igreja neste domínio: “O espiritismo que,
na sua forma actual de pretensa comunicação com os mortos, não tem, de todo,
mais de 100 anos de existência, foi condenado por várias vezes pela Igreja, por
causa dos riscos que comporta para a fé e para a moral. Desde 1865, antes mesmo
de ter sido publicado um dos textos fundamentais da doutrina do espiritismo
(1869, Kardec), o Santo Ofício (actual Congregação para a Doutrina da Fé) tinha
declarado como gravemente ilícita, a invocação dos mortos. Esta condenação foi
renovada de formas diversas em 1882, 1889, 1917, para não citar senão as mais
conhecidas.”
A Igreja baseava a sua
condenação, não apenas nos alertas lançados por todas as nações cristãs a
propósito das consequências graves do espiritismo, mas também na própria
Bíblia. Moisés não hesita em escrever no livro do Deuteronómio: “Que não se
encontre entre vós ninguém que se entregue à adivinhação ou à magia, e que
interrogue os mortos. Todas estas coisas são uma abominação para Javé” [125].
Os primeiros reis de Israel,
receberam de Deus a missão de fazer desaparecer do país, toda a forma de
necromancia. Um deles, o rei Saúl, desobedeceu a esta ordem ao consultar por
ele mesmo, os mortos. Aí perdeu a vida, no dia seguinte, como Deus lhe tinha
anunciado por intermédio de uma aparição.[126]
Porque é que a Igreja é tão
severa? Até à data, nunca justificou a sua condenação através de um documento
dogmático solene. Deixa, pois, aos teólogos, o cuidado de se exprimir por ela.
A sua decisão está ligada à pastoral (constatação dos efeitos perversos do
espiritismo nos cristãos e nos homens em geral, mas sobretudo à fé (conteúdo da
Revelação sobre a razão do silêncio do Céu enquanto estamos na terra).
Estes efeitos são
efectivamente terríveis. Os primeiros de entre eles, são psicológicos. Um
relatório dos hospitais psiquiátricos de Paris, datado do final do século XIX,
dá o alarme, afirmando que mais de um psicótico em dois, foi adepto do
espiritismo antes de se afundar na doença mental. Parece, pois, existir uma
ligação estreita entre estas práticas e a loucura. Por outro lado, os
testemunhos referem um número incrível de suicídios, devidos a neuroses
obsessivas graves. Vítor Hugo, tendo tentado durante uma parte da vida, entrar
em contacto com a filha que falecera, terminou os seus dias obcecado por
pesadelos nocturnos. Uma das suas filhas suicidou-se e muitos pensam que as
sessões de espiritismo não foram estranhas ao sucedido.
Os psiquiatras explicam as
consequências psicológicas da seguinte forma: praticado com assiduidade (e a
necessidade, como a paixão, nascem depressa), o espiritismo transforma-se numa
obsessão, numa ideia fixa, em perturbações mentais. É certo dizer das práticas
espíritas, o que Santo Agostinho diz das práticas mágicas, que têm como causa
e, ao mesmo tempo, excitam o desejo desmedido de experimentar e conhecer, e
este desejo, esta curiosidade sem fim, provoca na alma a expectativa febril,
alucinante, do maravilhoso. Demasiado numerosos são aqueles a quem esta bebida
envenenada extraviou a razão. Para mais, quando um demónio surge marcando por
uma sensação de presença obsessiva um psiquismo já desequilibrado, os estragos
são importantes.
O Pe. Charles, escreve em
1921: “Há caracteres bem assentes e firmes para os quais a sugestão não actuará
de todo. Mas a massa é muito mais permeável, mais sensível, relativamente a
todos os dissolventes, e uma única sessão espírita, sobretudo se ela tem
resultados, pode ser origem de perturbações psíquicas muito graves. É aliás
difícil, quando pensamos de boa fé receber todos os dias notícias do outro
mundo, ter sobre a realidade ambiente e sensível um olhar nítido e normal, que
é o do homem são. A ebriedade dos videntes é muitas vezes mais perniciosa que a
dos alcoólicos.”
Os efeitos do espiritismo
dizem respeito também à fé, domínio que a Igreja tem o direito e o dever de
proteger. Allan Kardec foi o primeiro a reunir os dogmas principais da fé
espírita. Nesse livro, os ensinamentos da Igreja são negados. As brochuras
espíritas estão atulhadas de erros teológicos. Constituem uma espécie de
sincretismo entre aspectos cristãos e aspectos budistas. Deus não mais é uma
pessoa, mas um elemento inteligente e universal, do qual emanam todos os
espíritos. O pecado original, tido como chocante, é substituído pelo dogma da
preexistência das almas ou do pecado pessoal anterior à encarnação (ver
Platão). A reencarnação é uma das doutrinas fundamentais deste movimento. A
Igreja não pode senão constatar a atracção quase fatal que os fiéis sofrem por
tais doutrinas. Na maioria das pessoas, mesmo se as experiências não passam de
tentativas curiosas, quase de brincadeiras, surge uma grande avidez por livros
que explicam estas coisas. A doutrina, que parece tão bem comprovada pelo facto
da mesa ter respondido, das plaquetas terem dado pancadas, é admitida como
incontestável.
Os efeitos do espiritismo
relacionam-se também com a vida concreta das pessoas: muitas delas põe-se à
escuta, com uma confiança cega, do espírito, que acaba por lhes dirigir a
existência. É a ele que se pedem palavras de ordem e a quem se submetem as
dúvidas. As piores aberrações tornam-se possíveis em tais condições e na
ausência voluntária de qualquer controle.
Perante os desastres do
espiritismo sobre a saúde mental, sobre a fé e os costumes, a Igreja tinha de
reagir. Mas é preciso irmos mais longe. É possível determinar com certeza a
origem do fenómeno? O teólogo pode admitir a existência de um verdadeiro
contacto com os mortos? Para responder a esta pergunta, colocamo-nos de novo na
escola do grande teólogo S. Tomás de Aquino.
Como mostrámos no capítulo
anterior, as aparições dos espíritos dos mortos são possíveis em certos casos.
Duas categorias de almas são capazes disso. As que estão em Deus e que recebem
dele a possibilidade de nos ver e de nos ajudar, e aquelas que, segundo uma
tradição, permanecem em ligação com o nosso mundo, onde sofrem uma primeira
etapa do purgatório.
É fácil mostrar que as almas
que estão junto de Deus, no paraíso, não se deixam nunca levar, em resposta aos
apelos dos espíritas: Deus proíbe tais práticas, portanto vemos mal como é que
eles desobedeceriam tão abertamente, enquanto não querem senão a vontade de
Deus. A única excepção conhecida a esta regra é relatada pela Bíblia. O rei
Saúl estava em guerra contra os filisteus. Interrogava-se se devia atacar.
Tenta consultar os profetas de Deus, mas estes não conseguiram responder nada.
Decidiu então ir ver secretamente uma necromante. Mas, correu-lhe mal: “Saúl
disfarçou-se e vestiu outras vestes, depois partiu com dois homens e chegaram
de noite a casa da mulher. Disse-lhe: ‘Peço-te que me faças ver o futuro e
invoca para mim aquele que te direi.’ Mas a mulher respondeu: ‘Mas, tu próprio
sabes o que fez Saúl e como ele suprimiu os adivinhos do país. Porque estendes
uma armadilha à minha vida para me fazeres morrer?’ Então, Saúl fez-lhe o
seguinte juramento por Javé: ‘Tão certo como Javé estar vivo, disse ele, não
praticarás nenhuma falta neste assunto’. A mulher perguntou: ‘Quem devo invocar
para ti?’ E ele respondeu: ‘Invoca-me Samuel, o profeta’.
Então, a mulher viu Samuel
e, dando um grande grito, disse a Saúl: ‘Porque me enganaste? Tu és Saúl’. O
rei disse-lhe: ‘Não tenhas medo! Mas, que vês tu?’ E a mulher respondeu: ‘É um
velho que sobe, está vestido com um manto’. Então Saúl soube que era Samuel e,
inclinou-se prostrado por terra. Samuel disse a Saúl: ‘Porque perturbaste o meu
repouso invocando-me?’ ‘É que, disse Saúl, estou numa grande angústia: os
Filisteus fazem-me guerra e Deus desviou-se de mim, não responde mais, nem
pelos profetas, nem em sonho. Então chamei-te para que me indiques o que devo
fazer’. Samuel disse: ‘Para quê consultar-me quando Javé se desviou de ti e se
tornou teu adversário! Porque não obedeceste a Javé, foi por isso que hoje Javé
se desviou de ti. Amanhã, tu e o teu filho, morrereis. Estareis comigo, o campo
de Israel também, Javé o entregará aos Filisteus’”. De imediato, Saúl caiu,
estendido por terra. Estava aterrado. Morreu efectivamente no dia seguinte.
Os teólogos e os Padres da
Igreja não pararam de discutir se era o próprio Samuel que tinha aparecido. S.
Tomás de Aquino mostra que é possível que tenha sido Samuel, na condição de ele
se ter tornado aparente pelo poder dos anjos, que são os únicos capazes de
figurar espectros desta forma. Este caso é excepcional. Se Deus quis que Samuel
respondesse assim aos apelos da necromante, foi para mostrar a Saúl a gravidade
da sua falta.
Exceptuando este caso, os
Santos de Deus não se mostram aos apelos dos espíritas. Respeitam demasiado a
vontade de Deus, que quer que conheçamos as coisas do além através da
humildade, que é justamente o contrário da avidez curiosa dos adeptos do
espiritismo. Por causa do mistério da fé, as almas santas do paraíso não
aprecem senão de uma forma breve, de uma maneira totalmente espontânea, sem nunca
serem provocadas[127],
muito menos constrangidas. E, devemos acrescentar, que trazem sempre com elas
ensinamentos salutares. No que toca aos bons anjos, podemos fazer exactamente o
mesmo raciocínio. A alma santa e o bom anjo, comportam-se exactamente da mesma
maneira relativamente a nós.
Mostrámos que as almas do
inferno e do purgatório não têm, por elas mesmas, a possibilidade de nos
aparecerem. Não dispõem do poder de Deus, que o dá às almas do céu. A natureza
humana despojada do corpo, não tem a possibilidade de nos contactar porque, ao
contrário da natureza angélica, não pode mover a matéria.
Restam unicamente duas
categorias de espíritos que podem responder às invocações espíritas: em
primeiro lugar essas poucas almas humanas do purgatório inferior que Deus
mantém ligadas a este mundo através dum corpo invisível e que são a causa do
fenómeno das almas penadas[128].
Recordemos que, para estar aí, esses espíritos são necessariamente os mais
grosseiros, incapazes de ter um verdadeiro ensinamento sobre o além, que apenas
começaram a compreender. Formam, pois, uma fraca autoridade doutrinal!
Mas existe, sobretudo, a
imensa categoria dos anjos rebeldes a Deus. Esses não podem ter, evidentemente,
nenhum escrúpulo em se tornarem presentes pela invocação dos espíritas. A sua
natureza, estando adaptada para tal, pode à vontade comunicar com os homens e a
ajuda de um intermediário mediúnico é-lhes tanto menos necessária, quanto fazem
parte de uma hierarquia superior. Todos os grandes teólogos católicos do
paranormal, estão de acordo em atribuir aos demónios a paternidade da maioria
das manifestações espíritas. Compreendendo isto, vemos melhor a gravidade e o
perigo prático da necromancia. O demónio, lembremo-nos, é o inimigo do género
humano. A sua inteligência é extremamente poderosa, bem mais forte que a nossa
e não deseja senão uma coisa: afastar-nos do que se chama amor (amor de Deus e
amor do próximo). Qualquer jovem rapariga sensata, sabendo que tem diante dela
um violador notório, jamais iria isolar-se com ele numa sala! Seria uma
loucura. Do mesmo modo, todo o cristão, sabendo que tem diante dele aquele que
pode não apenas destruir-lhe o corpo mas também a alma[129],
não pode, sem ser inconsciente, evocar a sua presença.
Muitas pessoas, adeptas do
espiritismo, contrapõem a tudo isto a certeza de terem estado um dia em
contacto com um dos seus conhecidos, mortos. Um aluno, contava-me um dia a
propósito da mãe: “Ela recordou-me mesmo um episódio que nós dois, e apenas nós
dois, tínhamos vivido.”
Este argumento tem com que
impressionar e compreende-se o desejo destes jovens em prolongar as
experiências espíritas, que lhe permitem reencontrar os entes queridos
desaparecidos. No entanto, é preciso ser lúcido: o demónio, se quer conduzir as
pessoas à prática perigosa do espiritismo, não se vai apresentar sob o seu
aspecto real. Não é com vinagre que se apanham moscas, mas com mel. Nada de
mais fácil para ele que disfarçar-se com o rosto de uma mãe desaparecida. S.
Pedro afirma que o espírito do mal vê todos os nossos actos: “Sede vigilantes,
o vosso adversário, o demónio, roda em torno de vós como o leão, procurando a
quem devorar”[130].
O essencial para ele, no ponto de partida de uma aventura espírita, é seduzir
aqueles que a praticam, para os incitar a recomeçar. Espera, assim, adquirir um
poder directo sobre a inteligência e sobre a vida, para os perder o mais rápido
possível. Espera ultrapassar o simples e habitual poder da tentação, que
normalmente exerce, e que não toca directamente senão a imaginação dos homens.
Consequentemente, não há que
admirar em ver o espírito apresentar-se àqueles que são sinceramente cristãos,
como ainda mais cristão que eles, àqueles que são muçulmanos, como adepto
fervoroso do profeta, àqueles que acabam de perder uma pessoa amiga, aparece
como esse amigo em pessoa, àqueles a quem a curiosidade devora, manifesta a sua
presença através de fenómenos fascinantes, mesas que voam (conta-se que na
minha família, antepassados quiseram fazer apelo aos espíritos por simples
curiosidade. A mesa redonda que estava diante deles pôs-se a rodopiar a uma
altura de 10 cm acima do chão. Toda a gente ficou assustada. Uma das minhas
antepassadas, que tinha um terço benzido no bolso, lançou-o sobre a mesa que de
imediato se imobilizou, partindo-se em duas), objectos que levitam, anúncios do
futuro, àqueles que são ambiciosos, não hesita em revelar o seu poder, àqueles
que querem ter sucesso num exame, fornecerá gratuitamente as perguntas (pelo
menos se já estiverem escritos), estando certo de ser de novo consultado por
aquele que fez batota uma vez. Quando lida com pessoas frágeis
psicologicamente, agirá mais directamente através do medo, apresentando-se como
o anjo das trevas e divertindo-se a assustá-las ou a persegui-las (daí, certas
loucuras)[131].
Em cada um destes casos, se
consegue atrair uma presa, irá esforçar-se por conduzi-la pouco a pouco à sua
perda (perda da fé, da moralidade ou mesmo da razão).
Eis, brevemente relatados,
três testemunhos significativos:
*) Uma mulher jovem,
profundamente cristã, teve a imprudência de experimentar o espiritismo com o
marido. O fenómeno funcionava muito bem, ao ponto que acontecia o espírito se
manifestar a ela através do marido, durante o sono. Instruía-a sobre as coisas
do céu e ela estava cada dia mais espantada com tanta sorte que tinha. Nos
primeiros tempos, o espírito aconselhava-a a educar os filhos na fé. Ao fim de
um ano, depois do que me parece uma longa aproximação para lhe ganhar a
confiança, a jovem mulher considerava esse espírito como o seu anjo da guarda.
Começou a pô-la de pé atrás contra certos ensinamentos da Igreja,
insensivelmente no início, depois, abertamente. No fim, revelou-lhe os segredos
da reencarnação. A mulher acabou por deixar a Igreja, já não acreditava. Tinha
perdido a fé que até aí a fazia viver.
*) Um jovem, apaixonado por
música, perguntava-se como se havia de tornar cantor. Ora, durante uma sessão
de espiritismo, o espírito afirmou-lhe ser capaz de realizar o seu sonho, sob
certas condições. As canções teriam de ser compostas nas sessões de espiritismo.
Este jovem chamava-se Bob Dylan. Tornou-se efectivamente célebre. Mas, à medida
que a sua carreira avançava, o espírito tornava-se cada vez mais exigente, ao
ponto de reclamar a composição das canções sob efeito de narcóticos ou de
droga. Apanhado pela droga, consciente da sua decadência física e moral, Bob
Dylan acabou por se converter ao cristianismo, rejeitando toda a espécie de
espiritismo. O seu testemunho é eloquente: “É preciso acreditar, escreve ele,
no diabo. Não é uma imagem, um símbolo, mas uma presença real, viva. Está
presente em toda a parte, no mundo. Pode mesmo tomar a máscara de um homem de
paz”[132].
Com a música proveniente do espiritismo, saímos do domínio da magia branca
(aquela que procura obter alguma coisa através da evocação, apenas dos
espíritos bons), para o domínio da magia negra (aquela que evoca os espíritos
maus). O espiritismo é como a porta aberta para o fenómeno da feitiçaria[133].
Basta utilizar um pouco mais os poderes do demónio.
*) Um terceiro exemplo, vem
de um dos meus alunos. Queria terminar os exames do bacharelato com sucesso.
Teve a ideia de perguntar pelas matérias numa sessão de espiritismo. O espírito
comunicou-lhas sem dificuldade e verificou-se que não tinha mentido. Um ano
mais tarde, o aluno decidiu recomeçar, relativamente ao primeiro ano dos
estudos de pós-graduação. O espírito aceitou, mas pondo uma condição: tinha de
praticar, pelo menos uma vez por semana, uma sessão espírita. Tendo sido
educado numa escola católica, hesitou, depois, teve medo. Decidiu parar com as
actividades espíritas. Ora, ao entrar em casa à noite, teve a impressão de ser
seguido e espiado. Foi efeito de imaginação? É possível. Foi um fenómeno
demoníaco? Talvez. A verdade é que não teve paz senão depois de ter contado
tudo a um padre, que o aconselhou a confiar em Deus, confessar-se e fazer o
sinal da cruz se fosse tomado por estas angústias.
Deste último testemunho,
resulta que as profecias do espiritismo são muitas vezes verdadeiras. O demónio
tem todo o interesse em agir deste modo, se quer seduzir. Em S. Lucas, vemos o
demónio proclamar que Jesus é o Messias, e Ele diz: “Cala-te”[134].
St. Atanásio comenta deste modo: “Se bem que o demónio confessasse a verdade,
Cristo reprimia as suas palavras para que não espalhasse a sua malícia ao
publicar a verdade. Queria acostumar-nos também a não prestar atenção às
revelações deste tipo, mesmo se elas parecem verdadeiras. De facto, é criminoso
quando possuímos a Sagrada Escritura, fazer-nos ensinar pelo demónio.”[135]
O último testemunho foi-me
relatado por uma mulher, à saída de uma conferência sobre espiritismo: “um
casal amigo, o Sr. e a Sra. D., tinham por hábito praticar juntos uma sessão de
espiritismo, todas as semanas. O espírito dizia-lhes muitas coisas sobre o seu
futuro e o dos amigos. Ora, anunciou um dia a morte próxima, por acidente de
viação, de um casal de que eram amigos. O espírito aconselhou-os a não lhes
dizerem nada, para não os assustar inutilmente perante o seu destino[136].
Efectivamente, 15 dias mais tarde, souberam que os seus amigos se tinham
encarcerado com o carro, debaixo de um camião e que os bombeiros tinham levado
duas hora a tirá-los de lá. Morreram antes de chegar ao hospital. Chocados, mas
maravilhados pelo poder do espírito, que podia mesmo anunciar o futuro, o casal
D. continuou as suas sessões de espiritismo. Menos de seis meses mais tarde, o
espírito anunciou-lhes de novo, a morte futura de um amigo deles. Desta vez
ficaram com medo e decidiram ir falar com um padre. Este, pouco ao corrente
destas questões, orientou-os para o exorcista diocesano. O exorcista, ao que
parece, ficou extremamente zangado e repreendeu-os pela sua imprudência.
Exigiu-lhes que voltassem no dia seguinte com o amigo a quem o espírito tinha
anunciado a morte.
No dia seguinte, depois de
ter contado ao jovem toda a história, o padre sossega-o e promete-lhe que nada
lhe poderá acontecer, na condição dele se entregar à oração e à protecção de
Deus. Deu-lhe uma medalha da Virgem, que abençoou. Até à data, efectivamente,
nada aconteceu ao rapaz. Quanto ao casal D., evidentemente que parou de
praticar o espiritismo”.
Fiz questão de contar esta
história, porque ela coloca um problema: como é que o espírito pôde conhecer a
morte próxima por acidente de viação? Trata-se de um facto que, teoricamente,
só Deus pode prever. Vimos acima como é que os próprios anjos eram ignorantes
diante do acaso. Será preciso admitir uma revelação da parte de Deus? Claro que
não. Tocamos mais uma vez no orgulho de Lúcifer, que espera fazer-se adorar
como Deus. Ao anunciar um acontecimento acidental que, efectivamente, se
acontece, faz com que os espíritas acreditem que ele pode saber tudo, que é
Deus. Na realidade, o demónio é incapaz de prever o acidente. Se o anuncia, é
que sabe que pode provocá-lo. A zanga do exorcista explica-se, sem dúvida, por
causa disto. Ao praticar o espiritismo, o casal D. não punha apenas as suas
pessoas em perigo, mas também a pessoa do próximo. O casal é, de certa forma,
responsável da morte dos amigos, uma vez que o espírito a provocou num intuito
de propaganda do seu poder.
Assim, aos olhos da fé, o
espiritismo é condenável de forma absoluta. Cristãos, Judeus e Muçulmanos,
concordam com esta única teologia. A meu ver não existe senão um aspecto
positivo neste método: alguns dos meus alunos, depois de terem experimentado,
apesar dos avisos da Igreja, saíram convencidos da existência do mundo dos
espíritos. Infelizmente, é muito raro que aquele que praticou uma vez, não
recomece.
Aos olhos da fé, o demónio é
muito mais perigoso quando se apresenta como um bom anjo, que quando se diverte
a assustar, pelo poder das suas acções. É muito mais grave, face à vida eterna,
perder a fé (esse fundamento de todo o edifício espiritual), do que perder a
razão. Ora, a prática do espiritismo, sob as suas formas modernas (filmagem),
seduziu nestes últimos anos, fiéis e homens de Igreja. O Pe. Brune é para mim o
exemplo típico da sinceridade abusada. Descreve-se no seu livro, como um homem
de fé, mais que como teólogo. Foi pela credibilidade que se deixou abusar,
incapaz de discernir entre as contradições de alguns dos seus ensinamentos e a
fé da Igreja[137].
Um amigo, conhecia um padre
que lhe confidenciava a sua preocupação: ao olhar para os USA, que têm 10 anos
de avanço sobre a velha Europa nestes domínios, ao constatar a existência de
cultos espíritas nos colégios e liceus, perguntava-se se não iríamos passar em
França por um crise destas. O caminho, a seus olhos, está completamente aberto:
a religião oficial, estando em parte arruinada e substituída pelo culto
materialista, a necessidade de religiosidade dos nossos contemporâneos não está
preenchida. Ora, a natureza tem horror ao vazio. É muito possível que
assistamos a um violento recuo da arma, uma poderosa atracção pelo espiritual a
que a Igreja não será forçosamente capaz de dar resposta, à falta de
trabalhadores. Eis o caminho aberto ao espiritismo e às seitas.
Uma vidente é uma mulher que
pretende poder conhecer o que habitualmente nos é impossível conhecer. Ao
frequentá-las, apercebemo-nos que existem vários níveis, que nem todas atingem.
Algumas limitam-se a contar aos clientes o seu passado e o seu estado presente.
Não descobrem, sem dúvida, nada de francamente novo, mas esta faculdade não
deixa por isso de ser menos espantosa. Se uma destas videntes é dotada, além
disso, de um bom sentido psicológico, não deixará de ter clientes, que arranca
à psiquiatria habitual, ou mesmo ao confessionário. Outras videntes vão mais
longe e dizem-se capazes de anunciar acontecimentos futuros, por vezes de uma forma
geral (exemplo: arrisca-se a quebrar o seu casamento se continuar assim), por
vezes de uma forma extremamente rigorosa (exemplo: no dia 6 de Julho vai perder
um ente que lhe é querido).
Outras, finalmente, não
hesitam em dar notícias de pessoas já falecidas, como se entrassem em contacto
com o mundo dos mortos. Eis o testemunho de um homem de 53 anos, na sequência
da sua passagem por uma vidente: “Ao chegar a casa dela, tirei a minha aliança
e tinha vestido coisas que não me eram habituais, para não lhe deixar nenhum
meio de deduzir as suas afirmações, a partir da minha aparência. Praticava a
vidência sem se servir de nenhuma bola de cristal, nem jogo de tarot. Começou a
dizer-me coisas sobre o meu passado e sobre a minha situação actual, com uma
precisão que me deixou intrigado.
De seguida, pôs-se a falar
de um processo que efectivamente me causava muita preocupação, anunciado-me que
as coisas se resolveriam daí a dois meses (o que foi, em parte, o caso). Mas o
que mais me impressionou, foi quando se pôs a falar do meu pai. É preciso dizer
que o meu pai tinha morrido há 5 anos, depois de ter feito muito mal a mim e à
minha mulher. Disse-me que via o meu pai, que lá onde estava sofria muito e que
me pedia perdão.
Concluiu o nosso encontro
exortando-me a rezar muito por ele, porque tinha necessidade e mesmo a mandar
dizer missas. Pediu-me 100 francos pela consulta (em 1980), o que me pareceu
muito honesto da sua parte. Fiquei marcado por este encontro.”
Um testemunho destes é
positivo, mas está longe de ser o caso de todos. Uma mulher jovem, conta:
“Desde há algum tempo que andava angustiada com o meu futuro profissional.
preocupava-me também com o meu casamento, que tinha altos e baixos. Mais ou
menos na mesma altura, deram-me no metro, um cartão onde um homem se
apresentava como ‘grande vidente, extra-lúcido, diplomado numa escola de
parapsicologia’. Fui lá, dizendo para comigo que isso não me poderia fazer mal.
Entrei numa sala decorada de panos e esculturas africanas. Havia incenso a
queimar, o que dava à sala o aspecto de um templo. O homem era africano,
vestido com um fato da sua terra. Comecei por lhe contar as minhas
preocupações, perguntando-lhe se achava que o futuro me resolveria tudo. O
homem fez então gestos e pronunciou palavras que pareciam um rito religioso.
Afirmou-me que alguém me queria mal e tinha lançado contra mim um feitiço.
Forneceu uma data que me pareceu corresponder ao início das minhas
preocupações. Estava impressionada. Prometeu tirar-me de sarilhos, graças ao
auxílio dos espíritos. Pediu-me que voltasse três dias mais tarde e que então
me daria um talismã. Voltei, deu-me o talismã, reclamando 12000 francos. Estava
completamente emocionada pelo clima que reinava na sala e não ousei recusar.
Dei-lhe três cheques de 4000 francos, dizendo-lhe para os levantar com
intervalos de 1 mês. Quinze dias mais tarde, o homem tinha levantado os três
cheques e quando quis encontrá-lo, tinha mudado de endereço. Mandei analisar o
talismã. Era um frasquinho cheio de açúcar em pó”.
Temos aqui o relato de uma
burla da pior espécie. Muitos desgraçados ficam presos ao anzol destes milhares
de falsários que abundam nas grandes cidade. É grande a sua habilidade. Sabem
de antemão que existem dois tipos de pessoas que os virão procurar: os curiosos
e os angustiados. Os primeiros representam uma fraca promessa de ganhos, porque
não estão prestes a levar o vício até gastar somas loucas. Os segundos, são uma
caça de escolha: basta prepará-los psicologicamente e carregar um pouco na
alavanca das suas angústias, atribuindo-as a forças ocultas. Tal técnica é
conhecida desde sempre pelos feiticeiros africanos, que mantinham assim, tribos
inteiras, sob a sua dependência. Não se pode senão aconselhar prudência.
Mas, ao lado desta maioria
de escroques que se aproveitam do mercado do oculto, a Igreja e a Bíblia
afirmam a existência de um verdadeiro dom de vidência. Certos videntes relatam
aos clientes o passado e o presente, unicamente. Tal fenómeno não necessita
sempre da ajuda doutra coisa que o simples natural. No início deste trabalho,
falámos da telepatia. Habitualmente, ela não vai mais longe que a simples
intuição feminina, capaz de sentir os estados de alma. Certas mulheres sabem
distinguir imediatamente um coração angustiado ou uma má intenção. Muito mais
raramente, a telepatia permite penetrar na imaginação do interlocutor e
extrair-lhe os pensamentos. Nada impede, pois, que possam penetrar na memória
sensível, órgão do cérebro onde são depositadas as recordações.
Se, acrescentado a este dom,
a vidente possui o sentido agudo da dedução, poderá aconselhar os seus clientes
quanto à vida futura e exercer o seu talento para seu bem. Exemplo: “se
continuar assim, arrisca-se a quebrar o seu casamento”. Não há qualquer
objecção em consultar uma tal mulher, da mesma forma que não há em fazer-se
aconselhar por um psicólogo.
Infelizmente, as videntes
deste tipo, para melhor atrair o cliente, têm muitas vezes o hábito de envolver
o seu carisma natural, de todo um ambiente misterioso. Trata-se de um defeito
que é muito de lastimar, porque pode conduzir a formas de superstição. A
superstição é um mal porque torna dependente de causas que não existem.
Certas videntes anunciam aos
clientes o futuro, de uma forma de tal maneira precisa, que temos dificuldade
em acreditar que o fazem por simples dedução psicológica. Exemplo: “Em 6 de
Julho, perderá um ente querido”. Tive a sorte de encontrar um monge, membro de
uma comunidade beneditina, que tinha praticado a vidência na sua juventude. O
seu testemunho parece-me importante para esclarecer o problema.
“Devia ter os meus 16 anos.
Entrei numa loja para fazer compras, quando fui abordado por uma mulher que
afirmava sentir em mim a presença de um fluido particularmente forte. Disse-me
que esse dom era raro e que, se eu quisesse, poderia utilizá-lo para fazer o
bem. Intrigado, decidi tornar a vê-la. Em casa dela, ensinou-me a manejar o
jogo do tarot e dos símbolos. Mas acabou por me confessar que as cartas não
constituíam a vidência, que não eram senão um suporte para a concentração.
Ensinou-me que o verdadeiro dom de vidência vinha do contacto com os espíritos,
que era preciso que eu tentasse experimentar, o que me seria fácil graças ao
meu fluido.
Apercebi-me rapidamente da
presença de qualquer coisa de novo em mim. Quanto me preparava a lançar as
cartas, ao mesmo tempo que invocava os espíritos, passavam imagens claras na
minha cabeça, uma espécie de ‘flashs’ muito nítidos. Muitas vezes, via uma
menina, vestida à moda de 1900. Às vezes, parecia-me nimbada de uma luz,
outras, coberta de sangue. Como uma obsessão, uma cena voltava sem cessar. Via
essa menina a andar no passeio pelo braço da mãe. Um fiacre passava e deitava a
menina ao chão. Ouvia então um grito horrível: “Olga, Olga”. Nunca procurei
informar-me sobre esta Olga, mas constatei várias vezes as consequências da sua
presença. Quando lançava as cartas às pessoas, vinham-me imagens que lhes
diziam respeito e que era preciso
interpretar. Às vezes era fácil. Um dia, um casal procurou-me. Vi
nitidamente a imagem do homem com uma outra mulher na cama. Deduzi que ele a
enganava e estava certo. Outra vez, vi a imagem de um grande vaso no chão, uma
espécie de bacia de jardim. A bacia caía e esmagava uma criança. Estava então
em consulta com uma mulher. Contei-lhe a minha visão, incapaz de a interpretar.
Disse-me ele, que tinha efectivamente duas grandes bacias à entrada. Quinze
dias mais tarde, recebi um telefonema seu. Agradecia-me calorosamente.
Intrigada com a minha visão, imediatamente mandou fixar as bacias da entrada.
Ora, nessa manhã, acabava de encontrar o filho mais novo no interior de uma
delas. Se as bacias não estivessem presas, a criança tê-las-ia feito tombar ao
trepar lá par dentro, e só Deus sabe o que teria acontecido.
À medida que os anos
passavam, as minhas visões tornavam-se mais obsessivas. Sonhava mesmo com Olga,
durante a noite. Um amigo religioso, a quem tinha pedido conselho, pediu-me que
parasse. Pôs-me de sobreaviso contra os perigos de tais práticas. Assegurou-me
que rezaria por mim. Deixei de praticar a vidência e as obsessões
desapareceram”.
Como explicar este fenómeno?
Devemos admitir a intervenção do espírito dessa jovem morta, Olga? Já
respondemos a esta pergunta, no capítulo consagrado ao estado das pessoas
depois da morte.
Uma coisa parece clara:
estamos perante um verdadeiro dom de vidência, uma vez que foram anunciados
acontecimentos futuros. Um espírito parece manifestar-se ao médio, quer dizer,
a um homem dotado de disposições físicas favoráveis.
O fenómeno está próximo do
espiritismo em muitos pontos: o seu ponto de partida é o mesmo. Ritos que devem
ser praticados (aqui são as cartas), acompanhados da invocação de um espírito.
As consequências são análogas: existem verdadeiras predições, mas são
acompanhadas de efeitos secundários negativos, como obsessões ou pesadelos. De
tudo isto, somos obrigados a concluir que esta forma de vidência não é senão um
espiritismo disfarçado. O anjo enganador, aqui também, põe o seu poder
intelectual ao serviço daquele que o deseja. A maioria das vezes, o médio
evoca-o em toda a inocência[138],
sinceramente persuadido de estar perante o espírito dos mortos. No entanto, com
toda a tradição católica, devemos admitir a existência de um fenómeno de
vidência de origem demoníaca, que é preciso julgar exactamente como o fizemos
para o espiritismo. Os perigos são os mesmos e a Bíblia proíbe estritamente a
sua prática. Moisés escreve: “que ninguém de entre vós se entregue à
adivinhação, pela magia, ou consulte os que invocam os espíritos e os
adivinhos. Todas estas coisas são uma abominação para Javé”[139].
Como reconhecer um vidente
desta espécie? Em geral, é obrigado a acompanhar as sessões de ritos muito
particulares: bola de cristal, cartas de tarot, observação do café, das linhas
da mão, em resumo, práticas rituais bem estranhas às grandes religiões
reveladas. O demónio gosta de se rodear de tais sacramentos por duas razões.
Por um lado, com isso, imita a Igreja quando ela venera Deus. O demónio não
hesita em fazer-se adorar como Deus se isso lhe permite afastar os homens do
verdadeiro Deus. Por outro lado, consegue que os homens acreditem que são estas
práticas mágicas que lhe permitem conhecer o futuro, mergulhando-os assim na
superstição.
Como no espiritismo, o
demónio faz, por vezes, verdadeiras profecias de duas maneiras: quando se trata
de um acontecimento previsível, limita-se a servir-se da inteligência, quando
se trata de um acidente imprevisível (ligado ao acaso), esforça-se por
provocá-lo, através do seu poder natural.
Resta-nos agora falar de uma
terceira forma de vidência, aquela que tem origem nos bons anjos, ou mesmo em
Deus. Da mesma forma que os demónios, os anjos bons podem conhecer o futuro
(numa certa medida, quando procuram descobri-lo por eles mesmos, e
perfeitamente, quando Deus lho revela). Mas, ao contrário dos demónios, não se
servem deste poder para seduzir os homens e melhor os destruir. Não o utilizam
senão para o bem, de uma forma inteiramente submetida à vontade de Deus.
A Bíblia dá testemunho deste
dom de vidência[140].
No povo Judeu, o papel dos videntes era oficialmente reconhecido. Os reis
consultavam-nos muitas vezes, sobretudo antes de uma batalha e a sua intenção
era pura, uma vez que procuravam assim obter as suas ordens da própria boca de
Deus. Todos sabiam diferenciar um vidente de Deus de um vidente do demónio.
Primeiro, os métodos não eram os mesmos. O vidente ou profeta, não procurava
nunca a resposta por práticas mágicas, mas esperava humildemente a vinda do
anjo. Pelo contrário, os necromantes, chamavam os espíritos através de orações
rituais e de sacrifícios. Esta atitude de fé humilde é característica do
verdadeiro homem de Deus.
Por outro lado, toda a
profecia vinda de Deus era assinada por esta expressão, mil vezes expressa na
Bíblia: “Palavra de Javé”. Nenhum vidente ousaria cometer a blasfémia de atribuir
a Deus aquilo que sabia vir doutro lado[141].
Sobre este último ponto, o Livro dos Números[142]
dá-nos um testemunho da maior importância. Existia nessa época um grande
profeta do demónio, chamado Balaão. Era conhecido e temido, porque era também
um feiticeiro: as suas maldições realizavam-se sempre sobre aqueles a quem
amaldiçoava. Sabendo isso, o rei Balac mandou-o vir, a fim de que ele
amaldiçoasse o povo de Israel, mas Deus interveio e não lho permitiu. O
feiticeiro Balaão foi interiormente obrigado a abençoar, em vez de maldizer:
“Oráculo de Balaão, filho de
Béor,
Oráculo daquele que escuta
as palavras de Deus.
Ele obtém a palavra de Deus
e os seus olhos abrem-se.
Como são belas as tuas
tendas, Jacob
E as tuas moradas, Israel.”[143]
Esta profecia, apesar de sair
da boca de um feiticeiro, é assinada por Deus.
O Novo Testamento atesta,
também ele, a existência da vidência de origem positiva. S. Paulo fala do
carisma de profecia[144].
Na Igreja dos primeiros séculos, era um verdadeiro ministério que se exercia na
missa, em presença de toda a comunidade.
Nos nossos dias, o carisma
de profecia retorna em força. Manifesta-se nas novas comunidades, ditas
carismáticas. Estas comunidades esforçam-se por viver à maneira dos primeiros
cristãos e redescobrem, tanto no mundo católico como no protestante, o poder
prodigioso dos bons anjos e, sobretudo, do Espírito de Deus. Mas o carisma de
profecia manifesta-se ainda mais nas aparições da Virgem. No que toca às
profecias do futuro, a profecia mais conhecida, é sem dúvida a de Fátima. Se
analisarmos a mensagem dada pela Virgem em Julho de 1917, apercebemo-nos de que
foi inteiramente realizada: “A guerra terminará em breve (1 ano mais tarde).
Mas se não cessarem de ofender a Deus, uma outra bem pior se abaterá no reinado
de Pio XI (este papa foi eleito em 1922, ou seja, 5 anos mais tarde. O seu
reinado terminou em 1939). Quando virdes uma noite iluminada por uma luz
desconhecida, sabei que esse é o sinal supremo que Deus vos dará para vos fazer
saber que vai castigar o mundo pelos seus crimes (a propósito desta luz
estranha, ver os jornais de 26 de Janeiro de 1938)”. Esta punição será a
guerra, a fome e a perseguição (1939-45).
“Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia
ao meu coração Imaculado, e a comunhão reparadora dos primeiros sábados. Se
escutarem os meus pedidos, a Rússia se converterá e teremos paz. Se não, ela
espalhará os seus erros pelo mundo, provocando guerras e perseguições contra a
Igreja (a URSS foi a primeira nação oficialmente ateia, desde outubro de 1917.
Não parou de espalhar o seu ateísmo materialista até à eleição de Gorbachev).
Muitas pessoas boas serão martirizadas. O Santo
Padre terá muito que sofrer. Várias nações serão arrasadas (holocausto Judeu,
Cigano e Polaco; aqui situa-se o terceiro segredo de Fátima). Mas finalmente, o meu coração imaculado
triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia que se converterá e será
concedida ao mundo um tempo de paz. (consagração realizada solenemente por
João Paulo II, em união com todos os bispos do mundo, em 13 de Maio de 1982 em
Fátima[145]).
Perante a grande precisão
desta profecia que descobre ao mudno em algumas palavras os principais
problemas politico-religiosos do século XX, compreende-se o desejo de muitos de
conhecer o terceiro segredo de Fátima. Quando o papa João Paulo II o revelou em
2000, muitos não compreenderam o seu sentido extremamente profundo e teológico:
o anúncio do martírio do papado, anúncio já explicitamente feito por Jesus no
texto misterioso que termina o evangelho de S. João: “Vimos vários outros bispos, padres, religiosos e religiosas subir a
uma montanha escarpada, no cimo da qual havia uma grande cruz feita de troncos,
como se fossem de carvalho com a sua casaca. Antes de lá chegar, O santo Padre
atravessou uma grande cidade metade em ruínas e, tremendo, num passo vacilante,
cheio de sofrimento e de penas, rezava pelas almas dos cadáveres que encontrava
no caminho. Chegado ao cimo da montanha, prostrado de joelhos junto à grande
cruz, foi morto por um grupo de soldados que lançaram vários tiros com uma arma
de fogo e com flechas. E da mesma forma morreram uns após outros, os bispos, os
padres, os religiosos e as religiosas e diversos leigos, homens e mulheres de
classe e de categoria sociais diferentes. Sob os dois braços da cruz, estavam dois
anjos, cada um com um com um regador de cristal na mão. No qual recolhiam o
sangue dos mártires e com o qual regavam as almas que se aproximavam de Deus.”
Uma profecia destas não pode
vir simplesmente da Virgem ou dos anjos na qualidade de criaturas. Dá
demasiados detalhes sobre acontecimentos futuros e contingentes, para não vir
de Deus.[146]
O carisma de profecia ainda
existe na Igreja, recebido por homens e mulheres da parte de anjos e de Deus.
Como reconhecer tais videntes? A Igreja dá-nos alguns sinais que, se não
permitem inteiramente concluir, não são menos necessários para o discernimento.
O carisma de profecia, sendo dado por Deus ou pelos anjos, no momento em que
querem, não pode ser provocado pela vontade do vidente. Este pode dispor-se a
isso (meditação, oração, incenso ou, como fazia o profeta Eliseu[147],
ouvir música), mas não pode provocá-las. Deste modo, num vidente de Deus, não
há nem bola de cristal, nem invocação de espíritos. Jamais esse homem forçará o
céu a desvendar os seus segredos.
Podemos discernir um segundo
sinal da origem positiva do carisma, pelos seus efeitos: todo o dom carismático
dado por Deus, conduz a Deus. Se uma sessão de vidência provoca este efeito
(desejo de rezar, de amar melhor o próximo), é que Deus está certamente presente.
Todavia, recordemos mais uma vez, que o anjo das trevas se pode disfarçar em
anjo de luz.[148]
Um terceiro sinal, talvez
significativo: os videntes de Deus fazem-se pagar muito pouco, por vezes, de
todo. Sabem, com efeito, que os bens vindos do Senhor não se vendem. Se pedem
dinheiro, é o que lhes é necessário para viver (porque todo o trabalhador
merece o seu salário). Não especulam sobre o seu carisma, sob pena de verem
Deus e os seus anjos retirarem-se imediatamente e para sempre.
A Bíblia dá-nos, finalmente,
um quarto sinal, de valor bem mais importante. No Deuteronómio, podemos ler a
frase seguinte: “Como saberemos que uma palavra pronunciada por um profeta, não
foi dita por Deus?
Se um profeta falou em nome
de Deus e que a sua palavra não se cumpre, então Deus não disse essa palavra. O
profeta falou com presunção”[149].
Este sinal, infelizmente,
não permite discernir o valor de uma profecia relativa ao futuro, senão depois
da sua realização. Tem, pelo contrário, a vantagem de manifestar com clareza a
vaidade de certos movimentos religiosos que apoiam a sua autoridade em
pretensos profetas. As testemunhas de Jeová hesitam em falar das suas origens
históricas e com razão: os profetas que fundaram esse movimento religioso
[Charles Russel (1873), Joseph Rutherford (1919)], previram o fim do mundo para
1874, depois, para 1914. Anunciaram, depois, o retorno de Abraão para 1925.
Falhanços tão estrondosos acabaram por acalmar, em parte, tais profetas, sem no
entanto os terem feito interrogar-se sobre o valor dos seus contactos com Deus.
Inversamente, temos de citar
aqui o valor excepcional de certas profecias feitas pelos santos. Santa Odília,
escreve no século VII a propósito da segunda guerra mundial.
Escuta, escuta, ó irmão. Vi o terror das florestas e
das montanhas. O pavor fez gelar os povos. Chegou o tempo em que a Germânia
será chamada a nação mais guerreira da terra. Chegou a época em que surgirá do
seu seio o guerreiro que fará a guerra do mundo e que os povos em armas chamarão
Anticristo, aquele que será maldito pelas mães que choram, como Raquel, os seus
filhos, e não querem ser consoladas.
O conquistador partirá das margens do Danúbio. A
guerra que desencadeará será a mais medonha que os humanos alguma vez sofreram.
Os seus exércitos serão chamejantes e os elmos dos soldados serão armados de
pontas que lançarão relâmpagos, enquanto as mãos brandirão tochas inflamadas.
Alcançará vitórias sobre a terra, sobre o mar e
mesmo sobre os ares, porque ver-se-ão os seus guerreiros alados, em cavalgadas
inimagináveis, elevar-se até ao firmamento, para aí agarrar as estrelas, a fim
de as projectar sobre as cidades e aí atear grandes incêndios.
As nações ficarão espantadas e dirão: “Donde vem a
sua força?”
A terra ficará perturbada pelo choque dos combates:
os rios serão avermelhados de sangue e os monstros marinhos, eles próprios,
fugirão aterrorizados até ao mais fundo dos oceanos.
As gerações futuras irão ficar admiradas com o facto
dos seus adversários não terem podido entravar a marcha das suas vitórias.
Torrentes de sangue humano escorrerão à volta da
montanha, será a última batalha (ultima pugna).
No entanto, o conquistador terá atingido o apogeu
dos seus triunfos, cerca do meio do sexto mês do segundo ano das hostilidades;
será o fim do primeiro período, dito de vitória sangrenta. Pensará então poder
ditar as suas condições.
A segunda parte da guerra será igual em duração a
metade da primeira. Será chamada tempus diminuitionis, o período da diminuição. Será fecunda em surpresas, que farão
estremecer os povos.
No terceiro período, todos os povos espoliados
recuperarão o que perderam e algo mais: a região da Lutécia será ela própria
salva, por causa das suas montanhas abençoadas e das suas mulheres devotas. No
entanto, todos tinham acreditado que se perderia, mas os povos irão à montanha
e darão graças ao Senhor.
Porque os homens viram tais abominações nesta
guerra, as suas gerações não mais a quererão.
Malditos no entanto aqueles que não temem o
Anticristo, porque ele suscitará novos assassínios. Mas a era da paz sem o fogo
terá chegado, e ver-se-á as duas pontas da lua reunirem-se à cruz, porque
nesses dias, os homens assustados adorarão Deus em verdade, e o sol brilhará
num esplendor desacostumado.
Os grandes profetas de Deus,
manifestam a sua origem divina pelo testemunho de uma vida santa e por
milagres. Os videntes modernos podem ser detectados segundo os mesmos
critérios. Mas a melhor maneira, a maneira mais prudente, que permite ter a
certeza de estarmos perante um vidente que não fará para nós senão a vontade de
Deus, é certamente pedir conselho à Igreja. Todas as dioceses possuem um
sacerdote especializado nestas questões. O exorcista da diocese está
normalmente ao corrente. Então, é totalmente permitido, com o seu acordo, consultar
Deus através dos seus videntes. Nenhum mal pode vir daí, bem pelo contrário.
Deus e os seus anjos conhecem-nos perfeitamente e saberão dizer as palavras que
precisamos.
A curiosidade fica muitas
vezes decepcionada nestes encontros. Mas os frutos espirituais não decepcionam
nunca relativamente ao testemunho dado no início deste capítulo.
CAPÍTULO 6: Sonhos e premonições
O domínio dos sonhos, desde
sempre que intrigou o homem. Textos muito antigos, provenientes de numerosas
civilizações, atestam a crença persistente num poder divinatório durante o
sono. A Bíblia constantemente relata revelações divinas ocorridas em sonhos, ao
ponto de não hesitar pôr na boca de Deus: “Se há entre vós um profeta, é em
visões que me revelo a ele, é num sonho que lhe falo”[150].
O fenómeno dos sonhos e dos
sonhos premonitórios, não desapareceu com os grandes profetas do Antigo
Testamento. Numerosos relatos contemporâneos manifestam, pelo contrário, a sua
actualidade. Quando o navio Titanic partiu, em 1913, para a sua primeira e última
viagem, várias mulheres que embarcaram com a família, na primeira noite,
tiveram um sonho que as marcou ao ponto de decidirem descer na primeira escala,
antes da grande travessia para a América. Viram o naufrágio de uma forma tão
nítida, que a sua intuição feminina discerniu aí uma premonição divina. Várias
famílias foram, assim, salvas. Os psicólogos explicaram depois o fenómeno, pela
angústia supersticiosa dessas mulheres, diante da publicidade feita ao navio, a
respeito do qual se afirmava que nunca se afundaria. Será verdade…?
Os relatos de sonhos
premonitórios são muito frequentes. Não é raro que pessoas afirmem, vendo um
acontecimento grave na televisão, ter sonhado com ele na véspera. Esse sonho
não lhes aparece na sua qualidade de premonição, senão depois, na confrontação
com o acontecimento…
É possível discernir antes
do acontecimento o que é um simples sonho, de um sonho premonitório? Para
responder a esta pergunta é preciso compreender que existem numerosas espécies
de sonhos, segundo a sua origem. Com efeito, os sonhos podem depender de duas
espécies de causas, internas ou externas.[151]
Quando se trata de causas
internas a nós próprios, podem ser de ordem psíquica ou física. Freud estudou
muito os sonhos de origem psíquica: a imaginação representa-nos, durante o
sono, aquilo sobre que detivemos a atenção ou o afecto, quando acordados. Este
efeito é tanto maior quanto mais a atenção foi captada na véspera: aquele que,
por exemplo, comete um roubo e fica invadido pela vergonha ou pelo medo de ser preso,
arrisca-se bastante a passar uma má noite. O livro da Sabedoria delicia-se a
descrever os pesadelos dos pecadores: “Enquanto pensavam permanecer escondidos
com os seus pecados secretos, sob o sombrio véu do esquecimento, foram
dispersos, tomados de medos terríveis, aterrorizados por fantasmas,
apareciam-lhes espectros lúgubres de rosto pálido”[152].
Freud chamaria a isto um efeito do superego. Prefiro falar aqui, de um efeito
da consciência.
O homem que, acordado, foi
tomado por um desejo violento (quer seja físico ou espiritual), tem sérios
riscos de sonhar com o objecto do seu desejo. Quando se trata de um violento
desejo sexual, não é raro que a imaginação provoque durante a noite reacções
físicas descontroladas.
Tais sonhos, como vemos,
nada têm de premonitório. Não anunciam um acontecimento futuro, mas
testemunham, pelo contrário, a existência de uma paixão suficientemente forte
para ser a causa.
O sonho pode ter também uma
causa física intensa. As disposições do corpo produzem movimentos da imaginação
relativos a ela. O homem em vias de ser atingido pelo escorbuto, sonha muitas
vezes, de noite, com uma refeição feita de frutos e de vegetais crus. Os
médicos deveriam por vezes prestar atenção aos sonhos de um doente, para
diagnosticar o seu estado interior.
Mas os sonhos podem também
ter origem no exterior da pessoa, quer seja por uma causa física ou por uma
causa espiritual (demónio ou Deus, através dos seus anjos).
As causas físicas são
muitas. Todos experimentamos como é que a imaginação integra com toda a
naturalidade nos sonhos, os barulhos que reinam na casa: que uma porta se abra
e veremos no sonho, uma porta. Mas as causas físicas podem ser mais
misteriosas, a influência dos planetas ou do magnetismo terrestre, pode
provocar efeitos curiosos que, se soubermos interpretá-los, dariam indicações
análogas àquela que descrevemos ao falar do horóscopo[153].
Aquele que, por exemplo, tem um sono agitado nas noites de lua cheia, deve
aprender a ter uma particular atenção para com o seu nervosismo, no dia seguinte.
Infelizmente, esta técnica psicológica, apesar do seu valor teórico, é
concretamente não utilizável, de tal modo as influências planetárias são
ligeiras e pouco perceptíveis.
Quanto à influência psíquica
dos que nos são próximos, já foi estudada no capítulo consagrado à telepatia.
Os casos de sonhos ligados a este fenómeno, são mais frequentes do que se
pensa, sobretudo quando duas pessoas são próximas pelo afecto (esposa-esposo)
ou pelo corpo (gémeos). Se um filho ferido na guerra, pensa intensamente na
mãe, se esta, no próprio momento o vê em sonho, não há que falar
verdadeiramente de sonho premonitório (porque os acontecimentos são
simultâneos), mas de telepatia provocada por um estado de sofrimento intenso.
Os sonhos premonitórios,
aqueles que anunciam previamente um acontecimento futuro, não podem ter origem
senão num poder espiritual superior ao homem. É por vezes Deus que, pelo
ministério dos anjos, faz certas revelações aos homens em sonhos. O dedo de
Deus reconhece-se pelo aspecto espontâneo da revelação (os sonhos vindos do
demónio são sempre provocados por um pacto estabelecido no passado com ele,
quer seja implícito, como na prática do espiritismo, ou explícito, como na
feitiçaria).
O dedo de Deus reconhece-se
também quando o fenómeno anunciado, só pode ser conhecido por ele. O naufrágio
do Titanic é disso o exemplo perfeito: não teve outra causa senão o acaso da
presença de um icebergue no caminho. Só Deus o sabia.
São infelizmente os dois
únicos critérios, na maioria dos sonhos premonitórios. Não permitem, senão
muito raramente, uma perfeita consciência da intervenção de Deus pelos anjos,
pelo menos antes que o acontecimento anunciado no sonho se produza.
Um terceiro critério é,
apesar de tudo, dado por momentos, sobretudo quando a revelação exige ser
conhecida antes do acontecimento: os anjos são capazes de transmitir o sonho de
tal maneira que a imaginação fica perturbada. O faraó, quando recebeu de Deus o
anúncio simbolizando a futura fome do seu povo, acordou em sobressalto e disse:
“Eis que era uma sonho”[154].
S. José, esposo da Virgem Maria, não duvidou um instante que tinha visto um
anjo em sonho, de tal forma a imagem era nítida e diferente dos sonhos
habituais. O mais belo dos sonhos proféticos modernos, dado por Deus a um
homem, por intermédio dos anjos, é incontestavelmente o de S. João Bosco, no
final do século XIX. O seu alcance espiritual não pára de iluminar os cristãos
do século XX, na sua luta para conservarem a fé, a caridade e a esperança.
D. Bosco tinha-se deitado
depois de um longo dia de trabalho nas suas fundações. Eis que viu em sonho um
imenso navio, magnífico pela brancura das suas velas. Uma tempestade terrível
surgiu e o navio começou a ficar maltratado. Metia água por todos os lados e
vagas monstruosas varriam a todo o instante as coberturas. Então, apareceram
três colunas de uma brancura imaculada. O navio aproximou-se e colocou-se no
meio do triângulo que elas formavam. Neste espaço, a tempestade não produzia
nenhum efeito e o navio reencontrava a paz total.
Nesse momento, fez-se ouvir
uma voz que lhe deu o significado da visão. No dia seguinte, maravilhado,
contou tudo aos seus alunos.
O navio representa a Igreja
inteira ou, ainda, uma alma. A tempestade que se levanta não é senão o mal que
nos assalta de todos os lados, para nos fazer cair longe de Deus. As vagas que
se desencadeiam são a nossa própria cobiça, o nosso orgulho e o nosso egoísmo,
ou, ainda, o mundo e os seus prazeres, ou, ainda, o demónio e as suas
tentações.
As três colunas brancas, são
as três brancuras que Deus nos deu para vencer todos os perigos. A primeira é o
papa, branco na veste e na pureza da fé. Ele é o rochedo que sustenta a fé. A
segunda é a Eucaristia, branca hóstia dada em alimento e que sustenta a
caridade, o nosso amor a Jesus. A terceira é a Virgem Maria, imaculada na sua
concepção, mãe sempre presente que é o sustento da nossa esperança.
Aquele que vive no coração
estas três brancuras, não temerá nenhum mal.
Este sonho de D. João Bosco,
não tem de ser reconhecido oficialmente pela Igreja, de tal modo a sua verdade
é evidente. Faz parte das maiores mensagens: não faz senão anunciar as lutas
futuras da Igreja (a tempestade) e traz consigo, também, os remédios.
O poder do demónio pode
também provocar sonhos premonitórios. Mas esta categoria de sonhos nunca é
espontânea. São sempre precedidos de uma prática anterior de espiritismo ou de
feitiçaria.
Uma aluna minha, apaixonada
durante anos pelo espiritismo, pelo qual tinha abandonado a sua fé muçulmana,
acabou por se convencer do perigo de tais práticas. Decidiu parar completamente
as invocações e começou a voltar-se para Jesus, na oração.
Ora, sonhos espantosos
começaram a invadi-la de noite, sonhos tão nítidos que não pareciam naturais.
Via-se, por exemplo, num longo corredor: à direita, uma sala sombria, à
esquerda, uma sala iluminada de luzes brilhantes. Em cada sala, vozes
chamavam-na. Como dirigisse os passos para a sala iluminada, uma voz terrível,
vinda da outra sala, gritava: “Traíste-me, mas apanhar-te-ei de novo”.
Diante do valor simbólico
evidente deste sonho, diante da mensagem clara que nele era mostrada e a sua
perfeita concordância com a situação espiritual desta jovem, não pude senão
confirmar a grande probabilidade da sua origem supra-natural.
Se acontecer que uma pessoa,
obcecada no sono por sonhos ou premonições, se lembra de ter tido contacto com
um vidente ou curandeiro duvidoso, pode ser caso que seja efectivamente vítima
de um efeito satânico. Casos destes não são raros e a Igreja põe à disposição
daqueles que acreditam, sacramentos e sacramentais[155],
como a água benta, por exemplo, muito eficaz para destruir este género de
fenómenos. Deus compraz-se em expulsar o demónio por meios muito humildes, pelo
menos se encontra a fé no coração que o chama em auxílio. É muito raro que os sonhos
prossigam depois de um tal acto de fé. Se prosseguirem, pode ser bom consultar
um sacerdote que saberá, segundo os casos, orientar a pessoa para um exorcista
ou para um psicólogo.
S. Tomás de Aquino conclui
deste modo: “Usar os sonhos para conhecer o futuro é legítimo se se trata:
1) de sonhos provenientes de
uma revelação divina;
2) de sonhos que dependem de
uma causa natural interna ou externa, desde que não se vá para além dos limites
que alcançam a sua influência. Mas se o sonho divinatório tem por origem uma
revelação diabólica, em consequência de um pacto expresso com os demónios
invocados (feitiçaria), ou um pacto tácito (espiritismo), a adivinhação
estendendo-se além dos limites aos quais pode pretender, há superstição e
pecado.[156]
Quando se trata de sonhos
tendo uma origem supra-natural (anjo, demónio ou Deus), a questão da sua
interpretação coloca-se de uma forma muito mais radical que para todo qualquer
outro sonho de origem natural.[157]
Alguns explicam-se por si mesmos, porque acompanhados de uma revelação
intelectual, como o sonho de S. João Bosco. Outros, ao contrário, apresentam-se
como uma sequência de imagens aparentemente desligadas e destituídas de
sentido. É o caso do livro do Apocalipse, no seu conjunto.
A maioria dos sonhos
suscitados por Deus e os anjos ou, inversamente, pelo demónio, referem-se, na
sua estrutura, à Bíblia. Os símbolos habituais deste grande livro aparecem
constantemente.
Eis, por exemplo, um sonho
de Santa Hildegarda, em 1148: “Vi então, perto do oeste, voltada para leste,
uma figura cujo rosto e os pés irradiavam uma tal luz, que os meus olhos
ficaram maravilhados. Sobre a sua veste branca, tinha um manto verde ricamente
ornado de gemas, as mais diversas. As orelhas tinham brincos pendentes, ao
peito um colar, nos braços anéis de jóias de ouro fino encastrado de gemas”[158].
Santa Hildegarda foi uma
religiosa beneditina. Escreveu quatro obras de revelações vindas de Deus:
Conhece os Caminhos, o Livro dos Méritos, o Livro das Obras Divinas e a
Operação de Deus. Este texto, como muitos outros, parece, no mínimo, tão
hermético quanto os do Apocalipse que se lhe assemelham.
Eis a interpretação que ela
recebeu dos anjos: “A figura que tu vês aqui, junto do oeste, aí onde se acaba
o erro e se levanta a justiça, é a Sabedoria da verdadeira bem-aventurança. O
seu começo e o seu termo ultrapassam a inteligência do homem, porque a sua
luminosa presciência prevê-lhe o começo e o fim. A veste de seda branca, é o
filho de Deus que se encarna na virginal beleza e que estreita o homem na brancura,
e na suavidade do seu amor: as modalidades desconhecidas do homem, só Deus as
conhece. Se o manto é verde, ornado de pedras preciosas, é que a sabedoria não
rejeita essas criaturas exteriores, cujo espírito morre com a carne: animais e
plantas. Ela fá-los crescer, preserva-os, porque protegem o homem da
escravatura, assegurando-lhe o alimento. Têm também os ornamentos da sabedoria:
é que ela não ultrapassa a sua natureza, ao contrário do homem, que transgride
muitas vezes o recto caminho que lhe está reservado.”
Que homem poderia ter
encontrado por si mesmo, tal interpretação destes símbolos? Compreendemos, ao
ler este texto e a sua interpretação, que é preciso não apenas possuir uma
riquíssima teologia dos símbolos (e uma teologia exige anos de trabalho, tanta
é a sua variedade), mas que é preciso, também, pelo menos neste caso, ser
ensinado directamente por Deus, sobre o que ele quis dizer. A Bíblia confirma a
necessidade de uma ajuda de Deus na interpretação dos sonhos proféticos:
“Ninguém pode interpretar uma palavra inspirada se não for ele mesmo inspirado”[159].
Este carisma é denominado por S. Paulo: “Interpretação”.
Muito mais fácil é a
interpretação de sonhos proféticos, que anunciam acontecimentos futuros. Não se
trata então de penetrar, como em Santa Hildegarda, nos mistérios divinos; o
sonho permanece ao nível da compreensão humana. Neste caso, uma simples
teologia simbólica deve, a maioria das vezes, ser suficiente. Faraó viu sete
belas espigas, bem gordas e bem douradas, saírem do Nilo. Foram seguidas de
sete espigas magras e queimadas, que as devoraram[160].
José deu a interpretação que nos parece simples, a posteriori, mas que nenhum
dos mágicos do rei conseguiu dar: sete anos de abundantes colheitas, seguidos
de sete anos de seca. Se salvou a vida do povo Egípcio, podemos perguntar, ao
olhar a Bíblia, se a inteligência dos sonhos lhe vinha de Deus ou do seu
próprio conhecimento dos símbolos.
Uma revelação divina pode
ser mal interpretada. Por exemplo, Joana d’Arc, tendo perguntado às suas vozes,
se seria queimada, elas responderam-lhe que se entregasse a Nosso Senhor, que
ele a ajudaria e que ela seria liberta por uma grande vitória. Ora, ela pensava
que essa vitória seria a sua libertação da prisão. Foi, na realidade, o
martírio e a entrada no céu.
Uma revelação pode ser
inconscientemente alterada pelo próprio vidente, no momento em que procura
explicá-la ou, mais ainda, pelos seus secretários. Santa Brígida reconhece ela
própria que, por vezes, retocava as suas revelações para melhor as explicar.
Ora, estas explicações não são sempre exemptas de erros.
Com bastante frequência, as
revelações relativas à fé, não se explicam senão à luz da teologia da Igreja ou
da Sagrada Escritura. Quanto às que se referem ao futuro, não as compreendemos
bem senão depois do acontecimento passado. A célebre profecia dos papas,
atribuída a S. Malaquias, e que muitas vezes impressionou os soberanos
pontífices, é desta ordem. Trata-se de uma lista de divisas que cada papa se vê
atribuir, segundo a sucessão do seu reinado. Todas as divisas são obscuras, mas
esclarecem-se no momento da eleição, ou depois da morte do papa. Eis alguns
exemplos significativos.
Peregrinus Apostolicus. Pio VI (1774-1799). Este
papa foi deportado pela revolução francesa e transferido de exílio em exílio:
foi bem o “peregrino apostólico” da sua divisa.
Aquila Rapax (A águia de rapina). Pio
VII (1800-1823). Napoleão ergueu-se durante o seu reinado e tomou a águia como
emblema. Chegado ao cume da glória, tendo submetido os reis, faltava a Napoleão
afrontar o papa. O papa resistiu. A águia apoderou-se dele e meteu-o na prisão
de Fontainebleau.
Ignis Ardens (o fogo ardente). S. Pio X
(1903-1914). A sua canonização fala o bastante para explicar a sua divisa.
Religio Depopulata (a religião despovoada). Bento
XV (1914-1922). Papa da guerra de 14, a grande guerra que despovoou a Europa
cristã.
Fides Intrepida (a fé intrépida), Pio X
(1922-1939). Papa da subida do nazismo, que não hesitou em condenar desde o seu
nascimento, pela encíclica, em alemão, “Mit brennenden sorge”. Condenou também
o Stalinismo.
Pastor et Nauta (o Pastor e o piloto do
Navio). João XXIII (1958-1965). O papa do Concílio Vaticano II, que conduziu a
Igreja como um pastor e um guia na renovação do século XX.
De Mediatate Lunae (a metade da lua). João
Paulo I que não durou efectivamente senão um meio-reinado, uma meia-lua (33
dias).
De Labore Solis ( o Trabalho do Sol). João
Paulo II que, tal um sol nascente, evangelizou o mundo com as suas viagens
apostólicas.
A profecia acaba assim: De Gloria Olivae (a Glória da Oliveira),
papa nº 111 da profecia. A divisa não se explica ainda, uma vez que não foi
eleito, se bem que possamos pensar numa relação com o povo de Israel, que se
chama ‘a oliveira de Deus’. Este papa é o último da lista. Poderia ser o papa
da realização de uma das profecias do Evangelho sobre Israel.
A profecia diz finalmente: “Nas últimas perseguições, a Santa Igreja
Romana será governada por Pedro, o Romano, que apascentará as ovelhas em
numerosas tribulações. Passadas estas tribulações, a cidade das sete colinas
(Roma) será destruída e o juiz terrível julgará o povo”.
É o fim do mundo, é o fim de
um mundo (o fim visível da Igreja?) É o retorno de Jesus na glória? É a vinda
do Anticristo?
Mais vale não decidir, mas
esperar e rezar.
Como para todo os fenómenos
prodigiosos, é mais frequente lidarmos com ilusões que com realidades. Os
psicólogos e os psiquiatras têm numerosos exemplos nos seus dossiês.
Um simples susto, por
exemplo, pode transformar uma criatura inofensiva num monstro assustador.
Muitas lendas supersticiosas nasceram desta confusão. No plano psiquiátrico,
conhecem-se cada vez melhor essas formas de doença que suscitam verdadeiras
alucinações visuais e auditivas.
Certos psiquiatras, levando
ao extremo o que observaram na sua profissão, não hesitam a fazer de Joana
d’Arc, com as suas vozes, uma iluminada. É bem evidente que vão demasiado
longe. A Igreja, por seu lado, reconhece a realidade de certas aparições. As
origens podem, mais uma vez, ser múltiplas. Com o domínio das aparições, temos
um novo capítulo da maravilhosa complexidade do mundo, num novo domínio onde o
discernimento dos espíritos é indispensável.
Quando a Igreja se vê
obrigada a indagar sobre uma nova aparição, a sua primeira atitude é de
desconfiança. Tem de se esforçar por rejeitar tudo quanto é fraude. Por isso,
nunca reconhece uma aparição sem que Deus a tenha confirmado através de um
milagre indiscutível, um milagre cuja origem seja necessariamente divina[161].
De facto, é possível imitar um êxtase, mas não um verdadeiro milagre. A Igreja
tem também de procurar rejeitar o que não passa do efeito de uma psicologia
desequilibrada. Não hesita, para isso, apelar para os especialistas neste
domínio, de quem espera certificados de saúde mental. Quase todos os videntes
das aparições reconhecidas até aqui, passaram por aí, algumas vezes pelas
autoridades civis (Lourdes, Fátima) e é uma boa coisa.
Mas ela sabe que podem
existir aparições reais cuja origem, no entanto, nada tem de divino. Podem ser
naturais ou de origem demoníaca. Certos parapsicólogos pensam que homens
particularmente dotados, são capazes, pelo único poder da imaginação, de
materializar as imagens que têm na cabeça. Os ectoplasmas fazem parte dessas
aparições fantasmáticas.
Em 1920, foram feitas
experiências com o concurso do médio polaco Franck Kluski. Homem de grande
inteligência, instruído e poliglota, escritor e poeta, prestou-se com grande
dedicação às verificações científicas. Kluski tinha necessidade de estar num estado
de semi transe. Permanecia meio consciente, mas o menor esforço de atenção
activa, fazia de imediato cessar os fenómenos. Na semi-obscuridade da sala,
viam-se então aparecer formas fantasmáticas, por vezes corpos inteiros, por
vezes membros (mão, rosto, etc.). O objectivo da experiência era o de obter
moldes dos membros materializados, segundo um processo inventado em 1875.
Colocava-se na proximidade do médio, um recipiente de água quente sobre a qual
flutuava uma fina camada de parafina liquefeita. Se uma mão ectoplásmica
mergulhava no recipiente, saía coberta de uma fina camada de parafina, que
solidificava rapidamente em contacto com o ar, depois, desmaterializando-se,
deixava sobre a mesa a luva de parafina assim formada. Tinham uma espessura
muito fina, inferior a um milímetro. Eram de uma fragilidade extrema e os
experimentadores tinham de a manejar com grandes precauções, para a encher de
gesso e obter um molde.
O conjunto de condições de
controle, excluía toda a possibilidade de fraude. Obtiveram-se por este
processo várias “mãos” de gesso, comportando todos os detalhes anatómicos
(dobras da pele, sulcos, linhas e unhas). Todas as tentativas feitas para
reproduzir, pelos meios mais diversos, estas luvas de parafina, falharam.
O ectoplasma é uma forma
material, obtida pela condensação do ar ou a partir de uma espuma que sai da
boca do médio. Não sobrevive ao final do transe e desintegra-se imediatamente.
A origem natural dos ectoplasmas foi posta em dúvida por alguns. Os seus
argumentos têm peso, porque apontam para que estes fenómenos não se produzem
sem uma evocação prévia dos espíritos. Não deixa de ser menos verdade que não
subsistem senão alimentando-se da energia do médio, o que parece atestar a sua
ligação ao homem.
O anjo pode, quanto a ele, aparecer
sem que seja necessário apelar para um médio. S. Tomás esforçou-se por estudar
as múltiplas maneiras como o demónio se podia manifestar no espiritismo: dando
pancadas (linguagem codificada), deslocando um copo em direcção a letras para
formar palavras, inscrevendo uma voz num gravador, uma imagem num vídeo,
aparecendo em sonhos. A Idade Média conhecia a possibilidade de manifestações
ainda mais directas. O caso de aparições físicas do demónio sob forma humana ou
animal, são frequentemente atestadas na Bíblia. A Bíblia descreve a aparição do
anjo Rafael (que não é um demónio) sob forma humana, a Tobias.
S. Tomás de Aquino mostra
que os anjos, pelo seu poder natural, são não apenas capazes de agir sobre a
imaginação do homem e aparecer na sua cabeça, mas também de assumir um corpo,
visível do exterior. Podem, pois, existir verdadeiras visões corporais dos
anjos. Não se trata, bem entendido, de um corpo vivo (excepto casos de
possessão), mas de um corpo aparente, por vezes feito de luz (portanto impalpável),
por vezes feito pela síntese de matérias que o tornam palpável e lhe dão a
aparência de um corpo vivo. Não se trata senão de aparência, como confirma o anjo do livro de Tobias: “Pensaste ver-me
comer, mas não era senão aparência”. O anjo, como o demónio, tem poder de
aparecer sob a forma que deseja. Santa Bernadette, em Loudes, sabia que o
demónio se disfarça por vezes em anjo de luz. Foi a razão pela qual, na sua fé
muito simples, tentou verificar a santidade da aparição, lançando-lhe água
benta, benzendo-se. Sabia que o demónio foge de tais gestos onde Deus está
presente.
A teologia tradicional
atribui a maioria das aparições reais ao ministério dos anjos bons e maus.
Quando, na Bíblia, Deus se torna visível, deixa habitualmente aos anjos o
cuidado de moldar uma imagem que simboliza a sua invisibilidade. Quanto às
aparições de santos ou de mortos, são, com a permissão de Deus, sustentadas
pelos bons anjos que estão presentes para ajudar a incapacidade natural de todo
o homem morto, de se tornar visível.
Na minha família, que no
entanto nada tem de cristão, contam-se vários casos de aparições deste género e
parece-me muito difícil pôr em dúvida a palavra dos interessados.
Uma avó foi testemunha de
uma delas. Tinha tido a dor de perder o primeiro marido em 1914, depois de 6
meses de um casamento de amor, desfeito pela guerra. Quase 20 anos depois deste
drama, um homem pediu-a de novo em casamento. Hesitou, no desejo de permanecer
fiel às suas recordações. Uma tarde, enquanto se ocupava dos cuidados domésticos,
teve a impressão de uma estranha presença por trás dela, uma presença doce e
reconfortante. Voltando-se, viu a mão do seu primeiro marido, ou antes,
reconheceu-a pela aliança característica que tinha. Percebeu nela a sua voz que
lhe dizia: “Não te inquietes. Vive! Proteger-te-ei sempre”. Este tipo de
experiência não é excepcional, mesmo se parece que Deus a reserva, antes de
mais, aos humildes.
Apenas a Virgem Maria e
Jesus podem aparecer pelo seu próprio poder, uma vez que, segundo a fé
católica, estão realmente no céu, com o seu corpo físico. No entanto, o seu
corpo não se encontra no mesmo estado que o nosso. Está glorificado, quer
dizer, poderosamente elevado por Deus, acima de tudo o que possamos imaginar.
Está inteiramente submetido à vontade. Isto explica que a Virgem não apareça
sempre com o mesmo rosto, a mesma cor de cabelo. Ela adapta a sua beleza ao que
quer dizer e ao gosto daqueles a quem aparece. Aparecerá preta em África e
branca na Europa.
Entre as múltiplas aparições
da Virgem ou de Jesus, a Igreja não reconhece senão aquelas que oferecem os
três critérios de certeza já descritos (conformidade com o evangelho, frutos
espirituais positivos, milagre divino para confirmar).
A última aparição da Virgem,
reconhecida, data de 1973. Teve lugar no Japão, em Akita. Uma imagem da Virgem,
feita de um tronco de madeira, pôs-se a chorar diante do olhar espantado de um
convento de religiosas. O bispo foi chamado depressa e constatou o prodígio.
Ele próprio chamou autoridades científicas que vieram com os seus instrumentos.
Passaram a imagem ao raio X sem detectar nela a mínima fraude. Analisaram as
lágrimas “que apareciam sobre os olhos sem que nenhum poro tivesse podido ser
encontrado e mostraram que se tratava mesmo de lágrimas humanas; continham mesmo
células lacrimais mortas”. Os cientistas concluíram que era um fenómeno
inexplicável. Aos olhos do bispo, este milagre notável não vinha senão
confirmar a verdade das declarações de uma irmã que pretendia, desde há dois
anos, receber mensagens da Virgem Maria. Eis uma das mensagens recebidas pela
Irmã Inês (13/10/1973): “Minha querida filha, escuta bem o que te vou dizer
agora e transmite-o ao teu superior. Como anunciei anteriormente, se os homens
não se converterem, o Pai deixará cair sobre toda a espécie humana um grande
castigo. Sem qualquer dúvida, será uma punição terrível, mais grave que o
dilúvio, tal como nunca se viu. O fogo cairá do céu. Por este castigo, uma
grande parte da humanidade será destruída. Os padres morrerão como os fiéis. Os
homens que serão poupados, conhecerão tais sofrimentos, que invejarão aqueles
que morreram.
Então, a única arma que
ficará é o terço e o sinal deixado pelo Filho (o sinal da cruz). Recitai a
oração do terço todos os dias. Com a oração do terço, rezai pelos bispos e
pelos padres. A acção do demónio penetrou mesmo na Igreja. Os cardeais
levantar-se-ão contra os cardeais, os bispos contra os bispos. Os padres que me
honram serão desprezados, vilipendiados, combatidos pelos seus confrades. O
altar, a Igreja, serão saqueados. A Igreja ficará cheia de gente comprometida.
Pela acção do demónio, muitos padres e religiosos abandonarão a sua vocação. O
demónio lutará muito especialmente contra aqueles que se ofereceram ao Pai. A
perda de muitas almas é a causa da minha dor. Se os pecados continuarem a
cometer-se e ultrapassarem a medida actual, mesmo o perdão do pecado acabará
por desaparecer.
Com coragem, transmite esta
mensagem ao teu superior. Rezai muitos terços. Apenas eu, posso ainda
salvar-vos das desgraças que se anunciam. Todos quantos puserem em mim a sua
confiança, serão salvos.”
Esta última frase da
mensagem indispôs bastante alguns teólogos do Japão. Como se pode basear a
nossa confiança em Maria? Vai ela tomar o lugar de Jesus e de Deus? No entanto,
é muito simples, não se trata de todo de tomar o lugar de Cristo, trata-se
apenas de reconhecer a mediação toda poderosa de Maria, querida pelo Céu[162].
A mensagem é, pois,
perfeitamente católica, o seu alcance é altamente espiritual, uma vez que não
faz senão convidar à oração e à humilde obediência à Igreja.
Confirmada pelo milagre das
lágrimas, a Igreja, pela voz de D. Jean Ito Shojiro, bispo de Niigata, não
podia senão confirmar a autenticidade desta aparição mariana. Demorou dez anos
para se pronunciar, dez anos de uma investigação precisa e séria. Todas as
hipóteses foram passadas em revista, desde a de uma faculdade ectoplásmica[163]
da Irmã Inês, passando por um prodígio demoníaco. Nenhuma destas hipótese
conseguiu resistir à análise teológica.
CAPÍTULO 8: Os êxtases ou raptos
Santa Bernadette, quando viu
a Virgem Maria, foi tomada por um êxtase de tal intensidade que parecia estar
fora do mundo. Segurava uma vela, cuja chama veio lamber, durante um longo
momento, a palma de uma das mãos. No final da aparição, os médicos bem puderam
procurar, mas não viram nenhum sinal de queimadura. O êxtase é um fenómeno que
muitos consideram como sinal da presença de Deus. Estão errados, e a Igreja
mostra-se bem mais prudente que eles. Os êxtases acompanham, no entanto, a maioria
das aparições autênticas. A causa é simples: para ir ao encontro dos habitantes
do outro mundo, o espírito tem, de certa forma, de deixar este mundo,
abstrair-se dele. O espírito e a sensibilidade devem ser elevados acima do seu
nível habitual de percepção. Os Profetas da Bíblia descrevem este fenómeno: “O
Espírito elevou-me entre o Céu e a Terra, e conduziu-me a Jerusalém, nas visões
de Deus”[164].
Certos êxtases são absolutos, no sentido em que a pessoa não vê nada e não ouve
nada deste mundo. S. Paulo experimentou, no dia da sua conversão, um destes
raptos: ia na estrada, já próximo de Damasco, quando subitamente uma luz vinda
do céu o envolveu com a sua claridade. Caindo por terra, ouviu uma voz que
dizia: “Saulo, Saulo, porque me persegues?”
“Quem és tu?” perguntou ele.
“Eu sou Jesus a quem tu
persegues”.
A visão desta luz perturbou
S. Paulo, ao ponto de fazer dele o maior apóstolo da Igreja. Catorze anos mais
tarde, ao falar do sucedido, dirá ter sido elevado até ao terceiro céu. O
terceiro céu é, segundo S. Tomás, o domínio das visões puramente intelectuais,
quer dizer, das visões mais elevadas que um homem possa conhecer sobre a terra.
Para ver essa Luz, o homem deve estar de tal modo abstraído do corpo, que nem
sequer mais sente que tem um: “Foi com o
meu corpo, foi sem o meu corpo? Não sei”, dirá S. Paulo. Outra
interpretação: quando reconstituímos as etapas dos diversos purgatórios que
conduzem à visão de Deus (o sétimo Céu), encontramos seis: 1ª A vida terrestre;
2ª O sheol das almas errantes; 3º A aparição de Cristo na glória; 4º 5ª e 6ª Os
três purgatórios místicos de Santa Catarina de Génova. Segundo este visão, ao
subir ao terceiro Céu, podemos dizer que S. Paulo viu Cristo na glória sensível
e, através desta glória sensível, compreendeu-lhe a alma[165].
S. João, também ele,
conheceu um êxtase total: “Eu, João,
vosso irmão e vosso companheiro na provação, na realeza e na constância em
Jesus Cristo, encontrava-me na ilha de Patmos, por causa da Palavra de Deus e
do testemunho de Jesus. Caí em êxtase, no dia do Senhor, e ouvi uma voz clamar
por trás de mim, como uma trombeta. Aquilo que vês, escreve-o num livro, para o
enviar às sete Igrejas”. É assim que começa o livro do Apocalipse[166].
As visões de S. João, são todas de ordem simbólica. Recebeu-as na sua imaginação
(e não na inteligência, como S. Paulo) à maneira de um filme que se
desenrolasse diante dele. S. Tomás de Aquino chama a esta elevação, o segundo
céu. O êxtase é necessário para que as visões enviadas por Deus não seja
confundidas com a realidade habitual.
A maioria das aparições da
Virgem situa-se a este nível. Deus, através dos seus anjos, eleva as faculdades
sensíveis dos crentes, para as tornar capazes de ver, ouvir, em graus
superiores ao normal. Vêem pois a Virgem, enquanto ela é invisível aos outros.
Mas este êxtase sensível, tem por efeito tornar o mundo habitual, invisível aos
videntes. Estão mergulhados numa outra dimensão do sensível. Bernadette
experimentou estes êxtases em Lourdes.
Certas aparições não
necessitam de um êxtase, porque Deus abaixa-se para as produzir no nosso modo
habitual de conhecimento. Foi assim que Daniel, um dos profetas da Bíblia, viu,
juntamente com numerosas testemunhas, aparecer uma mão a escrever sobre a
parede a condenação de um rei[167].
Foi assim que as multidões de Fátima viram o sol a dançar sobre si mesmo,
emitindo em todas as direcções, luzes multicolores. A célebre aparição de
Pontmain, em Mayenne, é deste tipo[168].
Duas crianças, Eugénio e José Barbedette, estavam a preparar feno para o
jumento. Eram 17 horas do dia 7 de Janeiro de 1871. A guerra estava no auge e
os prússios cercavam Paris. Eugénio saiu da granja quando reparou, do outro
lado da rua, por cima da casa da família Guidecoq, a seis metros mais ou menos
do telhado, uma Senhora que sorria, que parecia flutuar no céu. Os braços
estavam abertos e estava vestida à oriental: um vestido azul, com grandes
mangas semeadas de estrelas de ouro e um grande manto. Tinha sobre a cabeça um
véu preto, sobre o qual estava pousada uma coroa de ouro. Depois de ter contemplado
a aparição durante alguns segundos, o rapaz chamou Jeanette, uma mulher da
terra que por ali passava. Disse-lhe para olhar para cima, para admirar a
Senhora. Mas a mulher não viu nada. Só José, que o irmão tinha também chamado,
teve a mesma visão que Eugénio. Apenas as crianças da terra verão o final da
aparição. Apenas elas lerão a mensagem deixada pela Virgem: “Mas rezai, meus
filhos, Deus vos ouvirá em pouco tempo: o meu filho deixa-se tocar”[169].
A aparição durou três
quartos de hora, sem que nenhum estado extático fosse constatado nas crianças.
Viam ao mesmo tempo a Virgem e os adultos que os rodeavam, como se estes dois
mundos não fossem senão um. No ajuizar do bispo, em 1872, depois, da Igreja, em
1920, a visão foi reconhecida como autêntica. S. Tomás teria dito que eles
tinham atingido o primeiro céu, quer dizer, um estado de visão profética que
não atingia senão os sentidos externos.
Quando acontece, o êxtase
acompanha-se geralmente de fenómenos secundários verificáveis: o corpo fica
impassível. Os videntes de Garabandal (aparição ainda não reconhecida pela
Igreja) podiam cair de joelhos sobre rochedos cortantes, sem que nenhum
vestígio de golpes aparecesse nos joelhos. O corpo torna-se pesado por causa da
sua ligação indissociável com a aparição: vários homens com força, não
conseguem deslocar uma criança testemunha de uma aparição. O corpo,
inversamente, pode tornar-se ágil (levitação): as crianças de Garabandal subiam
a correr para o sítio da aparição, sem experimentar a mínima falta de fôlego, o
mínimo cansaço, a mínima transpiração. Cansavam os mais robustos, que se
esforçavam em segui-los. O corpo torna-se por vezes luminoso. Emana dele uma
beleza luminosa que parece vir em directo da beleza da visão contemplada. As
crianças de Medjugorje (Jugoslávia) têm expressões, durante os seus êxtases,
que a própria fotografia não consegue transmitir.
Em resumo, um êxtase
religioso torna a pessoa inteiramente e visceralmente ligada à visão de que é
testemunha. É como que tomada por ela.
A História da Igreja e os
testemunhos dos filósofos, manifestam infelizmente êxtases de origem bem
diferente. Sabemos hoje em dia, que é possível de muitas maneiras, provocar
deliberadamente estados onde a pessoa parece ter saído de si mesma, para um
outro mundo. Estes êxtases naturais, mergulham num mundo imaginário, e as suas
consequências são sempre negativas.[170]
Movimentos como a Nova Era
souberam, por um controle científico, eliminar o que eles têm de excessivo,
reencontrando desta forma as antigas sabedorias budistas, da paz psíquica.
Infelizmente, a Nova Era, ao
proclamar-se religião do futuro, ao exaltar-se acima de todas as religiões em
nome dessa descoberta, ao seduzir as massas por argumentos pseudo-teológicos,
não faz senão suprimir um pouco mais a presença de Deus nos corações.
Substitui-a por um Nirvana onde Deus não está.
Certas drogas provocam
unicamente o prazer. Outras, pelo contrário, são capazes de fazer viajar num
mundo onde tudo é belo. O toxicómano é então mergulhado em jardins magníficos,
em paisagens grandiosas, onde quereria permanecer sempre. Uma vez saído da sua
viagem, a recordação da felicidade experimentada, encoraja-o a recomeçar,
arrastando-o para um ciclo de fuga do real, cada vez mais indispensável.
Trata-se de um verdadeiro êxtase e de um rapto alucinatório. Outros métodos
permitem um resultado quase análogo. A África tradicional domina os ritmos do
tan-tan. Sabe que um ritmo apropriado, acompanhado por todo o corpo, através da
dança, pode conduzir a um estado de transe extático. A pessoa está fora de si
mesma. As tradições populares pretendem que um tal estado favorece a
manifestação dos espíritos dos mortos. Acrescentemos que certas drogas parecem
poder provocar um estado de descorporização análogo àquele que descrevemos nas
Near Death Experiences. Mas, por causa da sua origem artificial, estas
descorporizações não tem senão uma semelhança material. Longe de conduzirem a
uma experiência mística, mergulham o sujeito nos seu próprio enredos psíquicos.
Estamos aqui em presença não da passagem para o outro mundo, mas duma
experiência fugaz de errância entre os dois mundos.
Êxtases naturais, podem ser
provocados por uma prática mal orientada da oração. Os movimentos carismáticos
modernos, foram por vezes confrontados com tais aberrações: todo o jovem
convertido, ao descobrir a presença do Senhor, recebe efusões sensíveis. A
oração dos principiantes é praticamente sempre acompanhada deste prazer
sublime, que torna a oração fácil e leve. Deus, por este meio, não tem outro
objectivo senão o de enraizar para sempre o seu filho no desejo de se aproximar
dele. Infelizmente, certas pessoas mal aconselhadas, acabam por se agarrar mais
a esse prazer do que ao próprio Deus. A seus olhos, uma oração não acompanhada
desta exaltação sensível, surge-lhes como uma má oração. Acabam por esquecer
que o único Bem é Deus, que o único objectivo é amá-lo, na dor e na alegria.
À força de procurar
febrilmente o prazer sentido nos momentos mais marcantes do encontro com Deus,
acabam por descobrir que é possível exaltar à vontade a sensibilidade. Fazem-no
inconscientemente, confundido a sua própria acção sobre o corpo, com a presença
de Deus. Ora, não se trata senão de uma técnica, em relação com a respiração, e
conduzindo a uma certa tensão sobre o peito e o cérebro. Nos casos mais
frequentes, resulta um estado quase permanente de efervescência sensível. Em
certos casos raros, assistem-se a transes, a comportamentos exaltados, por
vezes, a convulsões ou, mesmo, alucinações. Trata-se de uma verdadeira doença,
cujas consequências afectam também o espírito. A Igreja não cessou de avisar
contra o iluminismo que espreita os espirituais. Trata-se dessa falsa certeza,
apoiada na experiência sensível, daquilo que se pensa que é Deus, de estar em
contacto imediato com o Além. Aos olhos dos iluminados, a Igreja e a sua
prudência são inúteis e incómodas, uma vez que estão persuadidos de serem
imediatamente instruídos por Deus.
Estes êxtases psicológicos,
abrem muitas vezes o caminho à acção do demónio. A Abadia de Por-Royal, foi
outrora confrontada com este problema: certos iluminados, depois de terem
exaltado a sua sensibilidade, foram vítimas de convulsões. Depressa foi
detectada a presença do demónio por causa da eficácia dos exorcismos
praticados. Como em quase todos os casos de fenómenos aberrantes, o demónio
encontra um certo terreno bem preparado para a sua acção. É a razão pela qual
os feiticeiros africanos ou vodus, gostam de provocar estados de transe, para
facilitar a vinda do espírito que invocam. O Pe. Régimbald, recentemente denunciou
práticas modernas análogas, nos concertos de Hard Rock. Foi possível constatar
que certos ritmos de bateria, ajudados por um ambiente de uma sala aquecida,
eram capazes de conduzir a estes estados. Em pessoas frágeis, particularmente
sensíveis às influências musicais, o transe pode orientar-se para aberrações de
ordem sexual, anti-social ou ainda para uma exaltação da violência, do desejo
de ingerir droga ou de se suicidar. O Pe. Régimbald mostra que certos
concertos, depois desta preparação psicológica, entram numa fase muito mais
perigosa. Os cantores entregam-se abertamente a ritos de invocação de
espíritos: missas negras, brincadeiras de sacrifícios de animais. Aqueles que
no público, estão já tomados de transe, parecem inteiramente dependentes da
vontade dos cantores. Obedecem por vezes às suas ordem mais escondidas, a que o
Pe. Régimbald chama «mensagens subliminais». Trata-se de ordens codificadas,
sob versos de canções aparentemente anódinas. Uma das canções do grupo Led
Zeppelin, “Stairway to Heaven”, tem o seguinte verso: “Quando olho para Oeste,
o meu espírito grita para se ir embora”. Passando o disco ao contrário, a
mensagem é distinta: “Porque sei que se devem suicidar por Satanás”.
Segundo o Pe Régimbald, os
suicídios que se puderam constatar em jovens durante os concertos de Led
Zeppelin, explicam-se por uma influência psicológica inconsciente sobre o
espírito daquele que está em transe (as mensagens subliminais). O espírito
teria o poder de, ele mesmo, virar ao contrário, a frase pronunciada pelo
cantor.
Uma tal hipótese, se é
válida para aqueles que sabem um pouco de inglês, não explica o suicídio de
pessoas estranhas à língua. O inconsciente não tem o poder de compreender uma
língua totalmente desconhecida[171],
sobretudo quando a mensagem é posta ao contrário.
Estamos aparentemente diante
de uma causa totalmente diferente, de ordem satânica, de uma nova forma de
feitiçaria moderna[172]
de que é indispensável desconfiar, sobretudo se se é frágil de temperamento e
impressionável.
CAPÍTULO 9: Os fantasmas e as almas penadas
O Pe. Emanuel, no seu
ermitério alpino, foi o primeiro homem de Igreja de quem recebi um ensino
teológico sobre o fenómeno das almas penadas. Confesso que antes de escutar o
seu testemunho, arrumava esta questão entre os mitos supersticiosos que abundam
nos nossos meios rurais. Fiquei extremamente surpreendido em aprender, nesse
dia, que a Igreja tomava isso muito a sério.
Estávamos reunidos à sua
volta e escutávamos. Contou-nos, então, que no início da sua vida ermítica,
tinha recebido da parte dos habitantes da aldeia uma velha quinta abandonada,
chamada Adoux d’Oule. Arranjou-a um pouco e instalou-se. Logo na primeira
noite, apercebeu-se, vindo do solo, de uma espécie de gemido. No dia seguinte,
os gemidos tornaram-se mais fortes, tomando, no silêncio da noite, uma
intensidade ainda mais pungente. Não se parecia nem com um grito de animal, nem
com o ulular do vento. O gemido parecia humano.
Extremamente intrigado, o
Pe. Emanuel decidiu fazer uma investigação. A Igreja pede que se actue deste
modo antes de se pronunciar sobre o carácter paranormal de um fenómeno, Desceu
à aldeia para interrogar as pessoas. Soube por elas, que Adoux d’Oule era uma
antiga quinta.
Durante a segunda guerra
mundial, tinha sido palco de acontecimentos trágicos, porque os milicianos
tinham aí torturado, depois executado, resistentes (antes de serem por sua vez
liquidados, na libertação). Tudo isto impressionou o Pe. Emanuel. Estando
convencido da origem paranormal dos gemidos, decidiu oferecer três missas por
intenção das almas do Purgatório. Desde aí, nunca mais ouviu barulhos anormais
no seu ermitério.
Os camponeses da zona,
ouviram falar desta história. Um deles veio ter com o Pe. Emanuel para lhe
contar uma história ainda mais misteriosa. Possuía uma granja em plena
montanha. Desde há séculos, uma tradição afirmava que se viam lá, em certas
noites, desfiles de sombras, semelhantes a uma procissão de monges em hábito
religioso. Ora, o camponês afirmava ter ele próprio sido testemunha do
fenómeno, certas tardes em que tratava dos animais. O Pe. Emanuel tomou a sério
esta história, a partir do dia em que soube que essa granja se situava não
longe do sítio de um antigo priorado beneditino. O priorado tinha sido fechado
no século XII, pela Abadia mãe, por causa da decadência notória da vida
monástica. O Pe. Emanuel foi por três vezes ao local celebrar missa. Teria de
se admitir que, desde há oito séculos, as almas desses monges andavam errantes
naquele lugar?
Na Igreja católica, é
possível realizar um processo específico face aos fenómenos das almas errantes.
O investigação precede a oração, que liberta as almas de andarem errantes.
Segundo alguns teólogos, uma alma penada não é senão uma alma submetida ao
Purgatório, no próprio local onde pecou. Quer seja um miliciano criminoso ou um
monge infiel, Deus pode, pelo poder dos anjos, mantê-lo um certo tempo no nosso
mundo. Dever-se-ia dizer antes, que é a própria alma, por causa de um apego
excessivo à terra, que permanece como que “agarrada” ao lugar em que viveu,
donde foi arrancada demasiado depressa, e que não se convence a ter de deixar.
Trata-se, pois, de uma alma patologicamente apegada à terra, uma vez que se
desviou voluntariamente da Luz que a veio buscar, apesar da sua beleza. Estes
casos são, pois, bastante raros, porque bastante específicos de pessoas pouco
esclarecidas. Deus deixa-as, o tempo necessário, até que se cansem. Não actua
assim para castigar, mas com um objectivo pedagógico. Não podendo ser vistas
pelos homens vivos (salvo caso excepcional), estando separadas do mundo dos
mortos, a sua solidão é total. Se esta solidão dura vários anos, vários
séculos, acaba por produzir uma viragem. A vaidade das coisas às quais estão
apegadas, acaba por se lhes impor. Na sua terrível solidão, os espíritos dos
pecadores, acabam por aprender pouco a pouco a vaidade dos bens da terra.
Compreendem que o único bem é o Amor.
Mas estas almas podem ser
ajudadas na descoberta deste caminho, pelos vivos que, se tomarem consciência
da sua presença, podem rezar por elas e explicar-lhes o seu erro, e o caminho
que lhes está aberto para o outro mundo. Para isso, Deus permite que as almas
deste purgatório apareçam ou se façam ouvir pelos vivos. Elas têm dificuldade
em faze-lo por si mesmas, de tal forma o corpo psíquico que lhes restou, está
pouco adaptado a este tipo de contacto. A maioria das vezes, trata-se antes de
uma ajuda de Deus e dos seus anjos. O fenómeno das almas penadas, quando se
produz, não deveria nunca assustar. Como ter medo dessas almas que gritam os seus
sofrimentos? A nossa resposta imediata deve ser, pelo contrário, a
misericórdia. Deve rezar-se pelas almas do Purgatório. Alguns santos,
canonizados pela Igreja, passaram toda a vida a oferecer-se por elas. Estas
orações e sacrifícios oferecidos por elas, têm uma enorme eficácia: a alma
penada fica comovida, como ficaria o mais solitário dos prisioneiros, que, pela
primeira vez, recebesse uma carta. Este gesto é eficaz, de tal forma a alma tem
sede: pode, diante da beleza deste gesto, compreender num instante a grandeza
do Amor, e libertar-se da solidão. Passa então para um outro Purgatório, onde o
sofrimento não mais é causado pela ausência de prazeres, mas pela ausência de
Deus.
A fim de ilustrar este
fenómeno, eis algumas histórias relatadas por santos: entre todas as revelações
que cita S. Gregório Magno nos seus diálogos, escolheremos aquelas cuja
autenticidade está ao abrigo de toda a contradição.
«Um peregrino do território de Rodez, regressando de
Jerusalém, diz-se nos anais de Cister, foi obrigado pela tempestade a aportar a
uma ilha vizinha da Sicília. Visitou aí um santo ermita que se informou do que
dizia respeito à religião no seu país de França, e lhe perguntou, além disso,
se conhecia o mosteiro de Cluny e o abade Odilão. O peregrino respondeu que os
conhecia e acrescentou que lhe ficaria grato se lhe dissesse que interesse o
levava a dirigir-lhe aquela pergunta. O ermita continuou: há aqui muito perto
uma cratera de que vemos o cimo; em certas épocas, vomita com estrondo
turbilhões de fumo e fogo. Vi demónios levar as almas de pecadores e lançá-las
nesse precipício horrível, a fim de as atormentar por um tempo. Ora,
acontece-me em certos dias, ouvir os maus espíritos conversarem entre eles e
queixarem-se de que algumas dessas almas lhes escapam; murmuram contra pessoas
de piedade que, pelas suas orações e sacrifícios, apressam a libertação dessas
almas. Odilão e os seus religiosos são os homens que parecem inspirar-lhes mais
medo. É por isso que, quando estiverdes de volta ao vosso país, vos peço, em
nome de Deus, que exorteis os monges e o abade de Cluny a redobrarem as suas
orações e esmolas para alívio destas pobres almas. O peregrino, quando voltou,
cumpriu o recado. O santo abade Odilão considerou e pesou maduramente todas as
coisas. Recorreu às luzes de Deus e ordenou que em todos os mosteiros da sua
ordem, se fizesse todos os anos, no segundo dia de Novembro, a comemoração de
todos os fiéis mortos. Tal foi a origem da festa dos fiéis defuntos.»
S. Bernardo, na vida de S.
Malaquias, cita um outro traço. Este santo conta que viu um dia a irmã, morta
há algum tempo. Cumpria o Purgatório no cemitério. Por causa da sua vaidade,
dos cuidados que tinha tido com o cabelo e o corpo, tinha sido condenada a
habitar na própria cova onde tinha sido enterrada e a assistir à dissolução do
seu cadáver. O santo ofereceu por ela o sacrifício da missa, durante trinta
dias. Expirado este prazo, voltou a ver de novo a irmã. Desta vez, estava
condenada a acabar o Purgatório à porta da Igreja, sem dúvida por causa das
irreverências no lugar santo, talvez porque tivesse desviado a atenção dos
fiéis dos mistérios sagrados, para atrair a ela a consideração e os olhares.
Estava profundamente triste, coberta de luto, numa extrema angústia. O santo
celebrou de novo por ela, o sacrifício, durante trinta dias, e por uma última
vez, ela apareceu-lhe no santuário, a face serena, radiosa, vestida com uma
veste branca. O bispo soube por este sinal que a irmã tinha obtido a
libertação.
Este relato constata o
costume, universalmente em vigor desde os primeiros séculos da Igreja, de rezar
pelos mortos, durante um período de trinta dias. Neste ponto, o cristianismo
não fez senão seguir a tradição mosaica: “Meus filhos”, dizia aos filhos o
patriarca Jacob no seu leito de morte, “enterrai-me na caverna de Mambré, que
está na terra de Canaã”, e os netos de Isaac choraram o pai durante trinta
dias. Pela morte do sumo sacerdote Aarão e do seu irmão Moisés, o povo renovou
este luto de trinta dias. E o piedoso costume de rezar pelos defuntos durante
todo um mês, tornou-se em breve uma lei da nação escolhida. S. Pedro, príncipe
dos Apóstolos, ao que diz S. Clemente, gostava que se rezasse pelo alívio dos
mortos, e S. Diniz, o Aeropagita, descreve-nos em termos magníficos, com que
majestade os fiéis celebravam as exéquias. Desde os primeiros séculos, a
Igreja, em memória dos trinta dias de luto observados na lei mosaica, encorajou
as orações durante um mês, após a morte dos fiéis.
Sem misturar, é importante
constatar que certas teologias orientais explicam, da mesma forma, o fenómeno
das almas penadas. O Livro dos Mortos tibetano, indica como é possível aos
vivos, conduzirem as almas errantes a bom porto. Nesta tradição, explica-se a
sua ligação com o nosso mundo por uma presença excepcional sobre a terra, para
além do corpo físico, daquilo a que chamam o corpo astral[173].
Desta forma, é-lhes fácil explicar as manifestações das almas penadas. Tal
perspectiva é perfeitamente admissível pela teologia católica.
O fenómeno das almas penadas
é, infelizmente, para muitos, causa de terror mais que de amor. Lembremo-nos da
reacção dos discípulos de Jesus, quando o viram aproximar-se caminhando sobre
as águas: “Pensaram que era um fantasma e começaram a gritar”[174].
Não se devem tomar à letra
todas as histórias de fantasmas, sem uma investigação aprofundada da parte das
autoridades religiosas. Uma imaginação desenfreada pode inventar muitos
fantasmas. Basta pôr uma criança no escuro para nos apercebermos. Verá
sinceramente toda a espécie de monstros nas pregas duma cortina, toda a espécie
de criminosos nos estalidos de um soalho. Os nossos antepassados
supersticiosos, inventavam nos seus medos, monstros como o ‘Ancou’ com o seu
carro (A Morte, na Bretanha), o vampiro sedento de sangue (Roménia), os
‘Troll’s’ e os duendes (Escandinávia). Todos os povos têm as suas crenças de
criança.
Outra causa
possível: Satanás
O fenómeno das almas penadas
(alma humana infeliz) não deve ser confundido com o das casas que se dizem
assombradas (Satanás). O Santo Cura de Ars, quando já era conhecido em toda a
França, ouviu uma noite de inverno, estranhos barulhos na sua casa: pancadas
nos tetos e nos móveis. Procurou em vão, mas não encontrou ninguém. Convencido
de se tratar de alguém que procurava assustá-lo, chamou um robusto camponês da
aldeia que veio estar com ele de vigília, em casa, na noite seguinte. Lá fora
estava frio, e a neve caía em grandes flocos. Cerca da meia-noite, os barulhos
ouviram-se de novo. Procuraram na casa, no sótão, mas não viram ninguém.
Saindo, o Cura de Ars apercebeu-se que não havia nenhum sinal de passos, na
neve. Chamou o camponês e mostrou-lhe: “Vai para tua casa, disse-lhe, não senão
o gatázio (o demónio)”. A reacção do Santo Cura é para surpreender: assustado
perante a eventualidade de um ladrão, tranquiliza-se quando se apercebe que a
casa está assombrada pelo demónio.
O fenómenos das casa
assombradas não se explica através de uma alma defunta, mas pelo demónio. Ora,
o demónio, não vem nunca por iniciativa própria perturbar a paz exterior dos
homens. Como no caso das possessões demoníacas[175]
(controle do corpo de uma pessoa, pelo demónio), duas causas são possíveis:
1) O homem que chama, pela
prática da invocação de espíritos. Não é raro que sessões de espiritismo, onde
o demónio é chamado sem que ninguém dê conta, prolonguem os seus efeitos
durante anos junto das pessoas que as praticaram: obsessão demoníaca
(consciência viva de uma presença maléfica), possessão ou fenómeno de casas
assombradas. Contaram-me o seguinte facto: um grupo de jovens praticava o
espiritismo. Um deles teve a ideia de colocar sobre a mesa um pequeno espelho
de toalete e de dizer ao espírito: “Se estás aí, parte este espelho”. Nada
aconteceu. Ora, ao voltar a casa, os jovens descobriram com horror que todos os
espelhos das suas casas respectivas, tinham sido partidos. Imaginam-se os
efeitos de um tal choque sobre a paz dos seus imaginários.
Ao contrário do espiritismo,
a feitiçaria[176]
chama expressamente o demónio. Pactos de aliança podem ser feitos entre o
feiticeiro e o demónio, cujo poder se torna, a partir desse dia, submetido aos
desejos do homem. Nada impede que o feiticeiro possa fazer mal aos seus
inimigos desta forma, mergulhando-os no medo.
2) Permissão de Deus: em
casos muito mais raros, o fenómeno de casas assombradas (como o da possessão),
pode produzir-se sem nenhuma intervenção humana, pela simples iniciativa do
demónio, ao qual Deus deixa excepcionalmente a permissão de agir. A Bíblia
testemunha estes fenómenos: “Havia outrora, no país de Ur, um homem íntegro e
recto chamado Job.
Ora, no dia em que o Filho
de Deus se vinha apresentar diante de Javé, Satanás também se apresentou no
meio deles. Deus disse então a Satanás: “Reparaste no meu servo Job? Não tem
quem o iguale na Terra”. E Satanás replicou: “É desinteressadamente que Job
teme a Deus? Não abençoaste tudo quanto fez? Os seus rebanhos pululam no país”.
“Seja, disse Yahve a Satanás, todos os seus bens estão em teu poder. Evita
apenas pôr a mão sobre ele”[177].
No dia seguinte, Job ficou
reduzido à miséria, mas não pecou contra Deus.
Esta permissão de Deus é
excepcional. A maioria das vezes, o demónio limita-se a tentar-nos para nos
fazer cair, mantendo-nos numa mediocridade habitual. O Cura de Ars foi um
verdadeiro santo e, portanto, teve de sofrer ataques do demónio cada vez mais
directos: depois destes primeiros barulhos na casa, conheceu a delação e a
dúvida da sua honestidade (acusaram-nos de ser magro não por ascese, mas por
excesso de deboche com mulheres). Conheceu, finalmente, a tentação do desespero
(obsessão interior vinda do demónio). Santa Mariam, carmelita árabe, foi, por
sua vez, submetida a uma verdadeira possessão demoníaca por autorização de
Deus, em vista da sua educação na humildade. Marta Robin parece ter sido
espancada pelo demónio até morrer (testemunho do Padre Finet).
Outra causa
possível: a telecinésia inconsciente
Simples pancadas numa casa
ou, mesmo, a constatação de objectos que se deslocam sozinhos, não são
suficientes para concluir que se trata de um caso de assombro demoníaco. Um
enfermeiro de psiquiatria, contou-me um dia o seguinte facto: em Nova York, um
café foi vítima de fenómenos inexplicáveis. As garrafas caíam sozinhas das
prateleiras, os copos partiam-se sem que ninguém lhes tivesse tocado. O patrão
estava à beira da falência. Decidiu mandar embora o empregado de café. Apenas
este se tinha ido embora, os fenómenos cessaram.
Este rapaz era trabalhador,
mas completamente fechado sobre si mesmo. Praticamente nunca falava e parecia
vítima da solidão. Foi contratado por um outro café da cidade. Os copos e as
garrafas puseram-se de novo a cair. Informado-se, o patrão mandou-o
imediatamente embora. Estava feita a sua reputação e ninguém mais o querendo
tomar ao serviço, partiu para um outro estado americano onde, sem dificuldade,
encontrou trabalho. Os fenómenos reproduziram-se. Mas o novo patrão, curioso
por natureza, era apaixonado pelos fenómenos paranormais. Pôs-se, pois, a
observá-lo no trabalho. Um dia, enquanto servia, o rapaz voltou-se diante de
uma fila de copos, que caíram um a um, à medida que ele passava. Não era
permitida mais nenhuma dúvida: tratava-se de um extraordinário fenómeno de
telecinesia[178]
inconsciente. Este rapaz, doente de solidão, acumulava nele uma energia que
esvaziava, sem se dar conta, desta forma. Não se tratava de uma possessão
demoníaca, mas de uma telecinesia inconsciente.
A telecinesia inconsciente
pode também produzir-se no sono. A pessoa desloca objectos da casa sem se dar
conta, sem nenhuma intervenção demoníaca.
É, portanto, necessário que
o psiquiatra e o exorcista se unam, antes de concluir que se trata de um
fenómeno de casa assombrada. O diagnóstico conduzirá a um exorcismo ou a uma
cura psiquiátrica, segundo o caso.
Habitualmente, distinguimos
a magia branca, que não procura senão um conhecimento, da magia negra, que
engloba verdadeiros poderes eficazes sobre o mundo. Nestas duas categorias, a
feitiçaria é definida como um método onde os demónios são explicitamente
invocados. O feiticeiro é um homem lúcido quanto à existência de um poder
satânico e esforça-se por controlá-lo em vista dos seus interesses.
A feitiçaria é um fenómeno
que permanece actual. É errado reduzi-la a um crença da Idade Média. Povos
inteiros permanecem submetidos a estas crenças. Os missionários cristãos do
século XX, encontraram a feitiçaria desde os confins do polo Norte, até ao
extremo da África, passando pela América do Sul ou a China. Os mercadores de
escravos do século XVIII souberam utilizar este fenómeno da sociedade africana.
Bastava-lhes seduzir os feiticeiros através de algumas peças de vidro. Estes,
seduzidos pelo ganho, utilizavam o medo que suscitavam pela seu suposto
controle do mundo dos espíritos. Desta forma, podiam não apenas entregar os
seus inimigos, mas também o seu próprio povo, totalmente submetido pelo medo.
Pude constatar, nos nossos dias, como os alunos provenientes da África
acreditam na feitiçaria.
A Igreja católica reconhece
a possibilidade de uma prática da feitiçaria, da mesma forma que acredita na
existência do demónio. Condena, com toda a evidência, esta prática.
A iniciação de uma pessoa na
feitiçaria, pode fazer-se de várias maneiras. Por vezes, a descoberta é
fortuita, na sequência de uma inocente prática do espiritismo. Outras vezes, a
descoberta faz-se através de livros ou através de outro feiticeiro. Em todo o
caso, é espantoso quanto é fácil o estabelecer de um contacto com o demónio. Um
capelão de uma escola católica, relatou-me esta palavra espantosa, vinda de um
aluno: “Em Deus não acredito, mas acredito em Satanás, porque ele, pelo menos,
responde!”
De facto, é nítido que a
maioria das manifestações divinas se fazem no silêncio do coração. “Deus não
estava na tempestade, Deus não estava no trovão, mas Deus estava na brisa
suave”[179].
O demónio, pelo contrário, não espera que acreditemos nele no silêncio.
Adapta-se ao homem e mostra-se de forma sensível[180].
Mostra o seu poder, para que, ao vê-lo, o homem acredite nele e se ligue a ele.
A teologia da feitiçaria foi
amplamente desenvolvida pelos demonólogos da Igreja. Mas, por curioso que
pareça, encontrei toda a sua substância, em três canções do grupo TRUST[181],
que nos basta comentar. A lucidez destas canções é surpreendente e é caso para
perguntar donde lhes vem uma tal teologia.
A primeira canção
intitula-se “O Pacto”: descreve de uma maneira muito sugestiva, a forma como se
estabelece o contacto:
“Imploraste-me, e eis-me
aqui,
De joelhos em terra diante
do teu rei.
Dignei-me vir a ti,
Porque deste o primeiro
passo”.
Estes
primeiros versos indicam-nos que a iniciativa não pode vir senão do homem. O
demónio não responde senão se o chamarmos (implicitamente no espiritismo ou
explicitamente):
“A tua alam dependerá de
mim.
Renuncia ao teu Deus, à tua
fé, às suas leis.
Derrama o teu sangue e
assina por baixo.
Dou-te o meu sinal, se
assinares o meu pacto”.
Quando
um homem deseja obter do demónio, bens terrestres, como prazeres, riqueza,
poder ou glória, certas condições são previamente impostas.
Quando
o anjo das trevas dá, nunca o faz gratuitamente. A sua intenção primeira está
sempre subjacente: separar o homem de Deus, destruir essa ligação, para
manifestar ao criador o seu erro primeiro[182].
Os teólogos da Idade Média não hesitam em chamar a um tal pacto, uma venda da
alma : vender a alma ao demónio é aceitar submeter a vida moral às suas ordens,
em troca de alguns bens materiais.
O
pacto mencionado, assinado com sangue, não é apenas um símbolo. O demónio gosta
deste tipo de compromissos assinados, não porque tenha necessidade, mas porque
conhece a importância de um acto palpável, aos olhos dos homens. Agindo deste
modo, não faz senão imitar Deus, quando instituiu os sete sacramentos
(baptismo, confirmação, penitência, eucaristia, casamento, ordem, extrema
unção). A intenção é a de tornar os laços espirituais verdadeiramente palpáveis,
portanto, adaptados ao nosso modo habitual de conhecimento.
“Seguir-te-ei passo a passo,
Mais nada te resistirá.
Pela minha mão te guiarei,
Nunca mais te preocuparás
com a tua vida”.
Estes
versos descrevem a contrapartida prometida por Satanás. Estas promessas não são
vãs, longe disso. Recordemos o real poder do anjo sobre o mundo material. A
proposta do demónio ressoa como o inverso desta palavra de Jesus: “De que serve
ao homem ganhar o universo se vier a perder a sua alma?”[183]
O demónio não fez uma promessa idêntica a Jesus, aquando da tentação no
deserto? «Dar-te-ei todo este Poder e a glória destes reinos, porque ela me foi
entregue, e dou-a a quem quero. Tu, pois, se te prostrares diante de mim, ela
te pertencerá completamente”[184].
“Cada palavra soava como uma
ordem.
Tinha-se deslocado com a sua
horda.
Juramentos, propaganda
diabólica,
Rostos alterados, satânicos.
Meus olhos febris brilhando
de cupidez,
A sua máscara anula toda a
minha vontade.
O raio ia abater-se sobre a
terra,
Para selar o pacto e saudar
Lúcifer”.
A sedução do demónio é muito forte.
Não apenas se serve dos desejos daquele a quem se dirige, e que pretende poder
saciar, mas torna-se ele mesmo belo, para melhor atrair a sua vítima. O
feiticeiro, quando assina o pacto que o constitui como tal, é vítima da sua
cupidez e da astúcia do demónio.
“Sem remorso vou assinar,
Respeitoso das tuas
vontades,
A mais sórdida das alianças.
O teu saber será a minha
consciência;
Dou-te um sinal, se
assinares o meu pacto”.
Exigindo em troca, da parte
do homem, que regule a sua consciência sobre o seu saber, o demónio obtém um
poder directo sobre a vida da vítima, que vai poder dirigir à sua vontade.
Pode assim obter a perda do
homem de uma forma muito mais poderosa que pela simples prática da tentação.
“O Sabá foi célebre para
mim.
Em honra do meu acto e do
sangue derramado.
Serei protegido por 10 anos,
Serei rico, célebre,
adulado.
O meu mestre em toda a sua
bondade,
Pelo seu sopro me assegurou,
Sem despedidas nem adeus,
Possuidor da minha alma de danado.
Assinei, assinei”.
Os demonólogos confirmam o
carácter temporal do pacto. As promessas do demónio são limitadas aqui, a 10
anos de felicidade terrestre.
Temos de admitir que uma vez
assinado o pacto, o feiticeiro está condenado? A Teologia católica opõe-se a
isso[185]:
enquanto o homem está na terra, pode sempre voltar atrás e arrepender-se. Aos
olhos de Deus, um pacto de feitiçaria assinado com sangue não tem qualquer
valor. O demónio sabe-o e vai aproveitar-se dos anos de poder de que dispõe
sobre a alma, para a arrastar para uma destruição total.
A segunda canção, intitulada
“A Luxúria”, descreve isso:
“O teu orgulho
cegou-te,
E conduziu-te ao teu
destino.
O teu Deus
edificou-te tão piedosamente,
Mas doravante te
encontrarás danado.
Tudo o que tens, é a
mim que o deves:
Ofereço-te o gozo
neste mundo.
Eu, teu mestre,
demonstro-te todo o alcance do meu poder, do meu saber,
Porque sucumbiste às
mesmas tentações,
Porque és humano, a
luxúria tornou-se a tua paixão”.
O demónio esforça-se por
fazer crer ao seu adepto que está condenado, que não mais há esperança de
voltar atrás, depois de ter assinado. No caso descrito por esta canção, a
mensagem visa conduzir ao desespero espiritual, um dos seis pecados contra o
Espírito Santo[186].
O desespero espiritual não é um verdadeiro desespero espiritual, mas antes uma
recusa do perdão de Deus, da sua misericórdia. É, pois, uma escolha voluntária
e lúcida, motivada por um demasiado amor de si mesmo.
“O meu fanatismo e o
meu vigor fizeram de ti um depravado.
Permito-me julgar-te,
homem desprovido de dignidade.
A luxúria
provoca-te.
A luxúria
subjugou-te.
Como uma mulher
diabo, com aparências de princesa,
A tua luxúria
subjugou-te.
E desejavas
mulheres, e para ti.
E para ti, eu
cortejei-as.
Depois, quiseste
possuí-las.
E os teus fantasmas,
realizei-os.
O teu desejo de
riqueza em ti gerou,
Uma espécie de
orgia, sem te preocupares com o preço.
Depois, obtiveste a
celebridade,
Mandando para o
refugo todos os teus preconceitos”.
O demónio não se contenta
com a simples tentação do desespero espiritual. Sabe que esta tentação, de
ordem intelectual, não resistiria à palavra do mais pequeno dos homens de Deus,
exprimindo-se acerca do Amor infinito de Deus. Vai, pois, esforçar-se por ligar
a sua vítima a vícios terrestres. S. João mostra que existem três
concupiscências principais, que explicam o pecado no mundo: “Tudo o que está no
mundo, chama-se concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e orgulho da
vida”[187].
S. Tomás explica que se
trata, respectivamente, do prazer (quer seja sexual na luxúria, ou outro), da
riqueza e da glória. Não mais há que espantar, que sejam estes três bens que o
demónio oferece.
Todos os homens desejam o
prazer, a riqueza ou a glória. Normalmente, constituem meios para viver melhor
a vida de família ou as actividades políticas. Estes bens podem, no entanto,
ser elevados ao nível de absolutos. Aquele que procura o prazer sensual para si
mesmo, sem se servir do Amor que ele deveria significar, corre fortemente o
risco de ver esta busca tomar um lugar monstruoso na sua vida. A Igreja explica
este fenómeno psicológico, com a noção de pecado capital. O pecado capital é
como uma cabeça (“caput”, em latim), donde nasce um corpo feito de outros
múltiplos pecados. A luxúria, por exemplo, na procura do prazer sexual, pode
conduzir a comportamentos, desde a sedução enganadora de uma mulher, à violação
e, mesmo, ao assassínio. O pecado capital tece em volta da pessoa, laços que
terá muita dificuldade em cortar: aquele que ama o dinheiro, jamais pensará que
tem bastante, o que ama os prazeres, jamais estará satisfeito. Levados até ao
limite da sua lógica, estes pecados podem conduzir a pessoa a uma destruição
total. Um filósofo escrevia: “O homem tem isto de superior ao animal: pode
superá-lo em bestialidade”. O demónio, pelo seu domínio sobre a vida do
feiticeiro e pela facilidade em conceder-lhe o que deseja, mergulha a sua
vítima nos laços do vício, de tal maneira que torna-se quase impossível
libertar-se. Quando digo ‘quase impossível’, é porque a porta está sempre
aberta à conversão. O caso de Bob Dylan manifesta que nada está ganho pelo
demónio, enquanto a morte e o juízo final não consagraram a sua obra. A
tentação principal é, pois, a do pecado contra o Espírito Santo, esse pecado
intelectual que não é perdoado porque recusa o perdão, daí o final da canção:
“Doravante, tu encontras-te danado”.
A terceira canção tem
justamente por título: “O juízo final”:
Vim buscar-te,
Porque o nosso pacto
está enterrado.
Fiz-me acompanhar
Da morte, para te
levar.
Eis chegado o juízo
final.
Humano, repleto de
vaidade”.
O demónio pode decidir por
si mesmo a data da morte de um homem? Os teólogos estão divididos quanto a este
problema, porque é difícil admitir que Deus deixe uma tão grande liberdade ao
mundo das Trevas.
A Bíblia dá-nos, no entanto,
vários exemplos onde o demónio mata: Job perdeu todos os filhos num fogo
enviado pelo demónio. Sara perdeu sete vezes o marido, por causa de Asmodeu, “o
pior dos demónios”[188].
A demonologia não hesita em
falar de possessões que conduzem à morte.
Em teoria, o demónio tem o
poder de matar, uma vez que tem poder sobre o corpo do homem. Mas não pode
exercer o seu poder senão quando Deus lho permite. Esta permissão é dada em
dois casos. Quando a santidade de uma pessoa é tão grande que a acção do demónio
nada pode contra ela. A morte física imposta pelo demónio, não pode senão
manifestar um pouco mais essa santidade: Marta Robin, é disso o exemplo mais
conhecido, ela que permaneceu 40 anos fiel a Deus numa cama sem poder sair,
para finalmente morrer sob as violências de Satanás.
O segundo caso é,
justamente, o da feitiçaria: aquele que se une ao demónio por um pacto, recebe
sem dúvida o poder de fazer o que quer, mas torna-se também seu escravo. Como
para um escravo, o demónio recebe todo o poder sobre a vida do feiticeiro,
conforme aos termos do contrato que o une a ele: (aqui ao fim de dez anos)
“A ti de me
testemunhar
O teu sentido de
fidelidade:
O teu senhor te
ordena que o sigas.
Danaste-te para
sobreviver.
Inútil voltar atrás.
Satanás não escuta
orações”.
“Fiz-te viver como
um rei,
E tu reinaste sem fé
nem lei.
Espojaste-te na
luxúria,
Tu que apodrecias na
porcaria,
A tua alma de danado
vai arder
No braseiro da
eternidade.
Nada é comparável ao
Inferno.
Eras feliz na
miséria”.
Estes últimos versos
manifestam a fase final de todo o processo de feitiçaria, para aquele que a
pratica. No momento do Juízo final, a sedução do demónio toma tanto mais força
quanto não faz senão lembrar às memórias do feiticeiro, um pacto explicitamente
feito. O caso dos feiticeiros é excepcional: com efeito, é muito raro que um
pecador saiba que serve o demónio quando pratica o mal. Encontra, portanto,
habitualmente, circunstâncias atenuantes, no momento do seu juízo final. Nada
disto se passa com o feiticeiro, que é um dos raros a fazer o mal sabendo o que
faz.
Resta perguntar-nos de que
maneira o demónio dá o seu poder ao feiticeiro e até onde vai esse poder.
Consideram-se,
habitualmente, dois grandes domínios onde a feitiçaria produz os seus efeitos:
o domínio do próprio feiticeiro e o daqueles que vão ter com ele.
No que toca ao seu próprio
interesse, o feiticeiro, evidentemente, não procura senão fazer bem a si mesmo.
Pode teoricamente obter do espírito a que se ligou, tudo quanto é do domínio
dos bens materiais (prazer, dinheiro e glória). Apenas os bens de ordem
espiritual são inacessíveis ao seu poder: a amizade no que tem de mais puro, e
o conhecimento íntimo de Deus. A Bíblia afirma: “Quem oferecer todas as
riquezas da sua casa para comprar o amor, não recolherá senão desprezo”.
O amor de amizade não deve,
com efeito, ser confundido com essas formas inferiores de amor, que se baseiam
na sedução, no prazer ou no interesse material. Tais amizades estão no poder do
demónio, mas não são senão aparências de amizade. Inversamente, o demónio pode
transformar aquele que o implora, num artista extraordinário, quer
comunicando-lhe a exaltação sensível que é a base da inspiração, quer
ditando-lhe a obra de arte. O Pe. Régimbal não hesita em atribuir ao demónio, a
paternidade de certas obras musicais modernas, de primeira ordem[189].
O demónio pode também
comunicar a ciência, que domina perfeitamente, relativa ao mundo material,
fazendo daquele que o serve uma sumidade científica.
Mas a acção do feiticeiro
pode exercer-se em domínios bem mais vastos que os do interesse pessoal, tanto
para fazer o bem (um bem material) como o mal. No metropolitano parisiense, não
é raro encontrar cartões escritos desta forma: “Grande feiticeiro, marabú
africano, diplomado em parapsicologia, poderes ilimitados: retorno da pessoa
amada, saúde, dinheiro, procura de pessoas desaparecidas, exames, preocupações
profissionais. Pagamento após os resultados”.
Para além do charlatanismo
visível, é preciso afirmar a possibilidade teórica destes poderes, num verdadeiro
feiticeiro.
O retorno da pessoa amada é
um dos fenómenos possíveis. Um homem contou-me a experiência que tinha feito 10
anos antes: a mulher não lhe ligava e ele sofria muito com isso. Decidiu
dirigir-se a um desses feiticeiros que lhe deu (mediante pagamento), um amuleto
para colocar debaixo do leito conjugal. Teve a surpresa de ver a mulher mudar
radicalmente de um dia para o outro. Ficou mesmo assustado, ao ponto de decidir
destruir o amuleto. “Ela não era a mesma”, disse-me ele.
Este fenómeno explica-se,
não pelo amuleto, mas pela acção do demónio. O amuleto não passa, aos seus
olhos, de um sinal da vontade do feiticeiro, com que se ligou (recordemos que o
demónio gosta de macaquear os sacramentos cristãos). Mas, a verdade é que o seu
poder sobre o corpo humano, lhe permite desenvolver artificialmente um
fenómeno, que se assemelha ao amor. No caso presente, duas maneiras são
possíveis: a que consiste em tornar o homem de tal forma sedutor que parece
diferente aos olhos da mulher; a que consiste em exacerbar na mulher uma paixão
inusitada. Nos dois casos, não há senão aparência de um retorno de afeição,
pelo menos se considerarmos a afeição como uma propriedade da amizade.
No que toca à saúde, o
demónio possui também um poder, mas não é ilimitado: não pode agir senão
servindo-se das leis do corpo humano, que activa através do aporte da sua
energia. Pode, pois, destruir uma infecção microbiana, tudo quanto o próprio
homem pode fazer pela medicina. Mas, não pode fazer renascer um braço,
ressuscitar um morto, dar a vista a um olho cego, fazer andar um paraplégico,
tudo quanto ultrapassa as leis naturais do corpo humano.[190]
No que toca à riqueza, o
demónio pode teoricamente realizá-la, apropriando-se do dinheiro onde ele se
encontra. Habitualmente, no entanto, não é assim que acontece. É demasiado
sensato para não se servir da cupidez das pessoas, para os seus fins. É de tal
forma fácil levar o homem a pecar quando se trata da procura da riqueza. Dá,
portanto, os seus conselhos e a sua acção pára por aí, enquanto o interessado
não deseja comprometer-se mais profundamente ao seu serviço.
Podemos conhecer os números
que ganham a lotaria, pela feitiçaria? Não, porque se trata de um jogo de azar
que escapa a toda a predição. Por outro lado, é muito difícil para um
feiticeiro provocar o demónio a fazer com que saiam os números desejados, tão
grande é o número de feiticeiros que se dedicam a este jogo: os seus esforços
opõem-se!
A procura de pessoas
desaparecidas entra também no domínio do possível. É evidente que o demónio
conhece o local e o estado dos seres humanos, que penetra com o seu olhar
agudo.
Os temas dos exames podem
ser fornecidos, a partir do momento em que foram decididos pelas autoridades. O
anjo rebelde fica contente de os ler!
Poderíamos ainda descrever
muitos fenómenos que a feitiçaria torna possível. Compreende-se a sedução que
podem exercer tais maravilhas, naqueles que não se interessam pela vida eterna,
pelo amor de Deus, pela morte de Jesus sobre a cruz. Temos de nos lembrar, no
entanto, que a frequentação de um tal poder, tem sempre consequências sobre a
vida sobrenatural, que acaba sempre por destruir.
O feiticeiro pode também
servir-se do seu poder para fazer mal, quer seja a pedido de um cliente ou por
vindicta pessoal. Estas práticas são frequentes. O demónio exige muitas vezes,
em troca dos seus serviços, certos ritos que pensaríamos saídos das liturgias
religiosas, com a pequena diferença de que são dirigidos a ele, em vez de o
serem a Deus. As missas negras imitam o sacramento da Eucaristia e podem ser
acompanhadas de falsas consagrações de hóstias ou de profanação de verdadeiras
hóstias. Os sacrifícios de animais imitam os rituais judeus do Sabá e da
Páscoa, onde se ofereciam cordeiros ou touros, a Javé. Os praticantes do vodu
ou de certas seitas satânicas sul-americanas, vão por vezes até ao sacrifício
humano. Numerosos casos relativos a terríveis horrores, fizeram notícia nos
jornais, nestes últimos anos. Ao fazer-se oferecer um culto como a um Deus, o
demónio mergulha os seus adeptos um pouco mais, na blasfémia e nas piores
aberrações morais.
O poder do demónio para
fazer o mal, pode ir até ao assassínio (possessão de morte no vodu) se não for
detido pelo poder de Deus e dos anjos. Certas doenças, pelo que testemunha o
Evangelho, mesmo parecendo naturais, têm uma origem satânica. Os exorcistas
constatam casos de obsessão ou de possessão cuja origem é a mesma.[191]
De tudo o que precede,
ressalta que é aberrante e perigoso, não apenas para a saúde, mas para a fé,
frequentar um feiticeiro para obter um resultado, mesmo positivo. Todo aquele
que invoca os espíritos deve suscitar desconfiança, e os cristãos devem fugir
dele. Participar, mesmo por simples curiosidade, numa tal prática, é tornar-se
de certa forma cúmplice, e isso resume-se em entregar-se ao poder dos espíritos
invocados.
Era necessário queimar as
bruxas? A História da Igreja abunda em factos destes. A mais conhecida
feiticeira queimada foi, é preciso lembrar-nos, a própria Santa Joana de Arc.
Se excluirmos estes casos dramáticos, onde a política passou à frente da
Teologia, é certo que existiram verdadeiros casos de feitiçaria que terminaram
com a condenação à morte do culpado. Era necessário agir assim? A Igreja devia
entregar ao braço secular, aqueles de quem se podia provar que tinham feito um
pacto com o demónio?
Tratando-se de punir uma
pessoa culpada pelos seus sortilégios, pela infelicidade ou pela morte, a
questão permanece aberta e diz respeito a interrogar-se sobre a legitimidade da
pena de morte.
Mas, tratando-se de fazer parar,
por este meio, a influência do demónio, foi um erro grave da parte dos
inquisidores. Deus deu à sua Igreja, para lutar contra o demónio, uma espada
espiritual muito mais temível que a espada material: “Dou-vos poder sobre os
espíritos malignos”, dizia Jesus aos discípulos.
Os missionários
experimentaram em toda a parte, a verdade desta palavra. Quando chegavam a uma
aldeia para aí implantar a cruz, o feiticeiro perdia imediatamente o seu poder.
Quando S. Paulo, numa das suas missões, foi perseguido por um possuído, que
gritava sem parar: “Essa gente é servidora do Deus Altíssimo”, não teve senão
que pronunciar uma palavra, para expulsar o demónio, para sempre, do seu corpo.
O anjo do mal não pode nada diante de Deus e dos seus anjos. Recordemos que o Querubim
Lúcifer, foi vencido pela palavra de um simples arcanjo[192].
Mas este arcanjo estava com Deus.
A Igreja dispõe, contra o
formidável poder do demónio através dos feiticeiros, de armas como a oração, os
sacramentos e os sacramentais. A oração, quando é humilde e confiante, põe do
nosso lado Deus e os seus anjos. Se Deus está connosco, quem estará contra nós?
Quem, com efeito, pode comparar-se a Deus?
Esta oração deve ser
humilde, porque não há nada que ponha mais em fuga o Anjo rebelde que, tendo-se
revoltado por orgulho, nunca conseguiu humilhar-se diante de Deus. Aquele que
reconhece a sua impotência em triunfar sem o seu socorro, desconcerta os planos
do Anjo. Esta oração deve ser confiante, porque Deus não pode deixar de lhe
responder. É bom também invocar S. Miguel que, tendo infligido ao demónio uma
espantosa derrota, ficará feliz de completar a sua vitória em nós e por nós.
Igualmente, o nosso anjo da guarda tem por missão proteger-nos contra todos
estes ataques.
O segundo meio é a
utilização confiante dos sacramentos. A confissão, sendo um acto de humildade,
põe em fuga o demónio. A absolvição que se lhe segue, dá-nos o perdão de Deus e
comunica-nos uma graça capaz de nos tornar invulneráveis. Quanto à Comunhão, ao
pôr o próprio Deus no nosso coração, faz de nós uma fortaleza inconquistável. O
ritual católico aconselha também o jejum, as esmolas. Quanto mais se é puro e
entregue ao amor, menos o demónio nos pode alcançar.
A Igreja dispõe também de
armas terríveis, tais como o sinal da cruz, a água benta, o Pai Nosso… Chama a
estas coisas ou a estes gestos, sacramentais. Distinguem-se dos sacramentos
porque estes últimos actuam independentemente da fé daquele que os celebra:
quer o padre seja crente ou não, quando pronuncia as palavras da consagração,
na missa, realiza o grande milagre da eucaristia: o pão e o vinho tornam-se o
corpo de Jesus.
Os sacramentais são
incrivelmente numerosos, uma vez que todos os objectos religiosos, todos os
pensamentos religiosos, fazem parte dos sacramentais. Os mais conhecidos dos
fiéis são, actualmente, aqueles que a Virgem deu nas suas diversas aparições
modernas: as medalhas da Rua do Bac, a água de Lourdes, o terço…
Os pequenos sacramentais são
suficientes para expulsar o demónio. A sua terrível eficácia vem de Deus. Estes
objectos têm de comum o simbolizarem a sua presença. É evidente que não podem
actuar por si mesmos. Uma medalha milagrosa, por bela ou benta que seja, é
incapaz, pelo seu próprio poder, de afastar as trevas. Em nenhum caso, os
sacramentais da Igreja devem ser utilizados à maneira dos talismãs animistas.
Seria superstição. É Deus quem actua através deles, ou antes, através da fé
daquele que se serve deles. Deus não resiste nunca à fé, quando a encontra num
coração. Conhecendo a nossa tendência em exprimir os sentimentos por pequenos
sinais, adaptou-se a nós, instituindo, ou deixando instituir pela Igreja, os
sacramentais. Aquele que exprime a sua fé por um sinal da cruz, é comparável,
aos olhos de Deus, àquele que exprime o seu amor oferecendo flores à sua amada.
É espantoso ver quanto a
simples presença de um sacramental numa casa, impossibilita o poder dos
feiticeiros sobre os habitantes do local. Os países africanos abundam em
relatos deste género. Que o poder do anjo Lúcifer seja impedido por uma simples
aspersão de água benta acompanhada de fé, é a realização desta profecia de
Deus, no início do Génesis: “Ela te esmagará a cabeça”[193].
O orgulho luciferino é vencido por um sinal bem pequeno da Igreja.
A Igreja dispõe, pois, de
sacramentais e de sacramentos para prevenir toda a acção ligada ao espiritismo
e à feitiçaria. É indubitável que aquele que traz consigo, com fé, uma medalha
da Virgem, bloqueia antecipadamente toda a acção ligada a estes fenómenos
(excepto se for o próprio Deus que envie o demónio para fazer crescer uma
pessoa). Os adeptos do espiritismo conhecem tão bem estas propriedades dos
sacramentais, que tomam sempre a precaução de se assegurarem da sua ausência,
antes de começarem as invocações. Os adeptos da feitiçaria sabem que lhes é
impossível fazer mal a um crente. Apesar disso, os casos de fenómenos
demoníacos permanecem numerosos. Multiplicam-se mesmo nos países ocidentais, na
medida em que a prática religiosa diminui. Todas as dioceses de França dispõem,
desde há alguns anos, do seu exorcista oficial.
Entre os fenómenos
satânicos, a Igreja distingue a tentação, a obsessão e a possessão.
Habitualmente, o demónio
limita-se a atacar o homem, tentando-o, quer dizer, agindo sobre as suas
paixões, para o levar a cometer más acções. É excessivo dizer, bem entendido,
que todas as tentações que nos assaltam vêm do demónio, mas é igualmente falso
dizer que nenhuma delas não o têm como origem. Esta pequena história, relatada
pelos primeiros Padres do deserto, pode esclarecer-nos teologicamente sobre a
acção oculta do demónio pela tentação: um monge viu em sonho um dos seus
irmãos. Este era conhecido pela sua santidade e representava um modelo para
todos. Ora, a sua cela estava rodeada por um exército de demónios de todos os
feitios, que ganiam, gritavam, batiam, para o arrancar à oração. O monge
permanecia, no entanto, impassível, mergulhado em Deus. Viu de seguida uma
grande cidade. As pessoas agitavam-se em todos os sentidos, vendendo e
comprando, comendo e bebendo, rindo e chorando. À porta da cidade, um demónio
gordo estava sentado, e fazia a sesta. Parecia aborrecer-se muito. O monge,
muito admirado, foi ter com ele, e perguntou-lhe: “Como é possível que sejas o
único demónio para esta cidade imensa, enquanto milhares dos teus semelhantes
estão com o monge, lá em baixo?”
O demónio respondeu-lhe:
“Não temos necessidade de trabalhar nesta cidade. Os homens têm ocasiões
suficientes para serem tentados!”
Face à tentação do demónio,
a Igreja propõe, antes de mais, a oração (quer seja silenciosa ou sacramental),
como a missa e o jejum.
A obsessão representa uma
forma maior de tentação. Dois tipos de pessoas são vítimas. Pode atingir os
homens de Deus, cuja santidade particular conseguiu resistir aos ataques da
tentação. Pode atingir também os imprudentes, que namoraram com o espiritismo
ou com a feitiçaria. A obsessão é, por vezes, externa, quando actua sobre os
sentidos exteriores, através de aparições, vozes, pancadas ou, ainda, objectos
deslocados. Por estes meios, o demónio tenta assustar as suas vítimas, para as
desviar da prática da Caridade ou, pelo contrário, tenta seduzi-las, para as
atrair ao mal. Conta-se que St. António do deserto, foi obcecado pelo demónio
que lhe aparecia sob a forma de cortesãs. Foi capaz de resistir onde todos os
homens teriam caído. A obsessão é, a maioria das vezes, interna. Podemos dizer
que não existe praticamente obsessão externa, que não seja acompanhada deste
tipo de tentações poderosas. Neste caso, o demónio actua sobre os sentidos interiores,
imaginação, memória, e sobre as paixões, para as excitar. Como que apesar de si
mesmo, é-se invadido por imagens importunas, obcecantes, que persistem apesar
dos esforços enérgicos para as afastar. A pessoa sente-se tomada pelo fervilhar
da cólera, pelas angústias do desespero, por movimentos instintivos de
antipatia ou, pelo contrário, por ternuras perigosas, e que nada parece
justificar. Sem dúvida que é difícil estar seguro da presença de uma verdadeira
obsessão, mas quando as tentações são ao mesmo tempo súbitas, violentas,
persistentes e difíceis de explicar por uma causa natural, podemos ver aí uma
acção especial do demónio. Em caso de dúvida, é bom consultar um psicólogo
cristão, que possa examinar se estes fenómenos não são devidos a um estado
mórbido do âmbito da medicina.
Se a obsessão diabólica é
moralmente certa ou muito provável, a pessoa que é vítima deve ser rodeada e
sustentada pela oração e afeição de todos. A Igreja dispõe, além disso, de
orações e de pequenos exorcismos, que prefere aplicar sem que as pessoas
saibam, para não as perturbar.
A possessão demoníaca vai
mais longe, uma vez que é uma tomada de controle pelo demónio, sobre o corpo da
pessoa. O demónio não se une ao corpo como a alma está unida ao corpo, mas como
um motor externo que actua sobre os membros e fá-los executar toda a espécie de
movimentos.
Excepto casos muito raros de
possessões satânicas permitidas por Deus para a maior glória de um santo, uma
possessão não acontece nunca por acaso. É sempre precedida por uma imprudência
ou maldade dos homens, que apelam para o serviço dos anjos revoltados.
Naquela tarde, um grupo de
jovens tinha decidido festejar a proximidade do seu bacharelato com uma reunião
na casa de um deles. Eram uma quinzena e, chegava a noite ao fim, quando um
deles teve a ideia de organizar um sessão de espiritismo. Colocaram um copo no
meio de uma mesa, dispuseram as letras e aprontaram-se, cada um colocando o
dedo por cima do copo. Depois de terem invocado um espírito, aperceberam-se da
sua vinda, porque o copo pôs-se a mexer. Várias perguntas foram feitas. A idade
da irmã mais nova, os futuros resultados do bacharelato, o número de filhos que
teriam. De cada vez a resposta caía, e todos se sentiam obrigados a encantar-se
com o fenómeno. Nesse momento, um dos jovens pediu: “Espírito, se estás aí,
tenta falar através de um de nós”.
Assim que foi pronunciada
esta frase, uma das jovens do grupo pareceu imobilizar-se, e ficou
completamente pálida. O rosto tomou uma expressão que lançou o pânico em toda a
assembleia. Diante deste rosto de morte, rapidamente o grupo debandou. A casa
ficou vazia com a única presença da rapariga, que não se tinha mexido. Um dos
rapazes, testemunha desta cena, relatou-me o pavor que experimentou ao sair da
casa e ao lançar um olhar para a janela do primeiro andar. Viu o rosto branco
da sua camarada que o olhava fixamente. No dia seguinte de manhã, a jovem não
se lembrava de nada. Felizmente para ela, a possessão de que foi vítima naquela
noite, não foi senão pontual.
É ainda à imprudência que se
deve este caso de possessão muito célebre na Igreja, mas esta imprudência foi
acompanhada da malevolência de um feiticeiro de aldeia. Uma mulher jovem,
afectada por problemas de saúde, tinha feito tudo o que podia junto de diversos
juntas médicas, para ser aliviada. Nada a tinha podido curar e, em desespero de
causa, o marido teve a ideia de a levar a um curandeiro. Da primeira vez,
acompanhou-a. O curandeiro praticou à mulher vários passes magnéticos. Ao
voltar para casa, experimentou um certo alívio das dores. Decidiu voltar a casa
do homem, que era o único, até aqui, a ter tido uma real eficácia sobre a
doença. Cada sessão trazia uma melhoria, ao ponto do casal não olhar a
despesas. No entanto, ela deu-se conta que o curandeiro se aproveitava da
ausência do marido, para se fazer cada vez mais ousado para com ela. Acabou por
abrir o jogo e pedir-lhe que se tornasse sua amante. Partiu com estrondo e o
curandeiro anunciou-lhe que iria arrepender-se da sua recusa. Efectivamente,
alguns dias mais tarde, as dores voltaram, tão fortes como antes. Depressa se
juntaram violentas dores de cabeça. O casal teve de partir de novo à procura de
médicos e especialistas. Alguns meses mais tarde, a doença não só tinha
piorado, mas tinha-se-lhe juntado perturbações psicológicas. A mulher
permanecia prostrada por momentos, noutras alturas, estava sobreexcitada.
Exteriormente, assemelhava-se a uma psicose maníaco-depressiva. A vida em comum
tornava-se cada vez mais difícil, e o pobre homem perguntava-se muitas vezes,
como é que aquilo ia acabar.
Um dia, ouviu em casa um
canto melodioso. Era parecido com uma melodia de ópera. Foi à procura e
encontrou a mulher, de olhar fixo, a cantar com uma voz que não era a sua.
Outros fenómenos deste género apareceram: por momentos, recitava um longo
discurso em línguas que lhe eram absolutamente desconhecidas, dava saltos nas
salas, ao ponto que se podia dizer que voava. Entre duas crises, parecia
esgotada e desamparada, não se lembrando de nada.
Através dos conselhos de um cristão,
o homem decidiu pedir conselho a um exorcista oficial da Igreja católica.
Descreveu-lhe os sintomas, e o padre confirmou-lhe que se tratava de um caso de
possessão demoníaca. Não quis pronunciar-se definitivamente antes de a ver e de
ter tentado sobre ela o grande exorcismo.
Chegado o dia, foram
precisos quatro homens para dominar a mulher, que tinha entrado numa crise
terrível. Tiveram de a amarrar a uma cadeira, na sacristia da igreja. Apenas o
padre tinha começado as suas orações que a crise se tornou mais violenta. O
corpo era tomado por convulsões, ao passo que a voz, proferia insultos, num tom
que lhe não era natural.
A litania dos santos[194]
terminou neste clima. O ritual do grande exorcismo prevê, então, um
interrogatório, à maneira como o próprio Jesus praticava no Evangelho[195].
Ao interrogatório insistente do exorcista, uma voz grave, uma voz de homem
fez-se ouvir, confirmando a realidade de uma verdadeira possessão demoníaca.
No decurso das sessões
seguintes, soube-se que vários demónios habitavam o corpo da pobre mulher.
Tinham sido mandatados pelo curandeiro, que era na verdade adepto da
feitiçaria. Este desejava vingar-se de um ultraje que nunca tinha conseguido
perdoar (sem dúvida, a recusa oposta pela mulher aos seus avanços). O Grande exorcismo
da Igreja começa, pois, pela oração, continua-se por um interrogatório e
termina pela expulsão do demónio. Para alcançar este objectivo, a Igreja põe à
disposição do padre mandatado, o poder dos sacramentais. Trata-se, bem
entendido, de água benta, mas também de palavras como estas:
“Em nome de Jesus Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, sai desta mulher!”
“Em nome da Virgem Maria,
sai desta mulher!”
No caso que nos ocupa, todo
este poder empregue, arrancava aos demónios gritos de dor, mas recusavam-se a
partir. Foi preciso praticar o exorcismo durante mais de dois anos. Depois de
cada sessão, a mulher sentia-se melhor, até ao dia em que era preciso
recomeçar. O demónio, nos últimos tempo, mostrava-se cada vez mais fraco.
Acabou por confessar que queria sair, mas que não podia, porque se tinha
comprometido com o feiticeiro por um pacto escrito. A justiça de Deus
mantinha-o fiel a esse pacto, até que ele fosse destruído pelas mãos do
feiticeiro. Foi preciso esperar que o feiticeiro se decidisse a queimar esse
papel, coisa que ele fez. Sem dúvida foi levado a isso pelo próprio demónio
que, cansado de enfrentar a Igreja, se voltou contra aquele que o tinha
enviado.
Este caso de possessão,
extremamente grave nas suas consequências, confirma mais uma vez a prudência
que é preciso ter antes de consultar um curandeiro.
O ministério de exorcista
está actualmente reservado na Igreja a um sacerdote, cuja fé, a prudência e a
ciência teológica, são reconhecidas por todos. Recebe a sua jurisdição (quer
dizer, a faculdade de exercer o seu poder de exorcismo sobre alguém) das mãos
do bispo. É proibido a qualquer outro senão ele, seja padre ou leigo, tomar a
iniciativa de praticar o grande exorcismo. Desde há algumas dezenas de anos, a
Igreja proíbe mesmo a prática dos pequenos exorcismos[196]
a todo aquele que não recebeu mandato. Agindo assim, a Igreja não procura senão
proteger os imprudentes que não sabem a que poder se opõem. A profissão de
exorcista é perigosa, como testemunham os Actos dos Apóstolos: “Deus operava
pelas mãos de Paulo, milagres pouco vulgares, a tal ponto que bastava aplicar
sobre os doentes, lenços ou panos que tinham tocado o seu corpo: então, as
doenças deixavam-nos e os espíritos maus iam-se embora. Ora, os poucos
exorcistas judeus ambulantes, tentaram também pronunciar o nome do Senhor Jesus
sobre aqueles que tinham espíritos maus. Diziam: ‘Conjuro-vos por esses Jesus
que Paulo proclama’. Havia sete filhos de Seca, um sumo sacerdote judeu, que
agiam assim. Mas o espírito mau replicou-lhes: ‘Jesus, conheço-o, e Paulo, sei
quem é. Mas vocês, quem sois vós?’ E lançando-se sobre eles, o homem possuído
pelo espírito mau, dominou-os a todos e maltratou-os, de tal forma que
escaparam daquela casa nus e cobertos de feridas. Todos os habitantes de Éfeso,
Judeus ou gregos, souberam do facto. O temor, então, tomou-os a todos e o nome
do Senhor Jesus foi glorificado”[197].
O exorcista oficial da
Igreja, revestido da autoridade do próprio Deus, é semelhante a S. Paulo, não
tem nada a temer pela sua vida. O exorcista amador não dispõe de nenhuma
garantia senão a de si próprio, o que é bem pouco face ao mundo das Trevas.
A ciência teológica do
exorcista deve ser suficientemente precisa para lhe permitir discernir as
obsessões e as possessões, das múltiplas doenças psicológicas que se lhes
assemelham e podem ser confundidas: paixões/tentação, neuroses/obsessão,
psicoses/possessão. A acção do demónio não se manifesta sempre por sinais tão
evidentes como os que apareceram no caso desta jovem mulher. É bem evidente que
factos, como falar uma língua estrangeira, exprimir-se com uma voz que não é a
sua, voar nos ares, sugerem a presença de um poder supra-natural. Mas, antes de
chegar aí, a mulher sofreu durante dois anos de simples dores de cabeça,
depois, de uma neurose maníaco-depressiva. O Evangelho confirma que certas
doenças bem conhecidas pela medicina, têm por vezes uma causa que não é
natural. Fala de endemoninhados surdos-mudos[198],
que Jesus cura por exorcismo, mas também de doenças análogas que Jesus cura sem
que seja feita menção do demónio (o cego de nascença, por exemplo). O mundo das
doenças parapsicológicas está situado no cérebro do homem, domínio onde os
espíritos são peritos. Se é excessivo, e portanto falso, atribuir toda a doença
psicológica ao reino dos demónios, não está no entanto excluído que algumas
delas, semelhantes às outras, se destinem ao exorcista, sobretudo se pudermos
provar que foram precedidas por práticas ligadas ao espiritismo ou pela
frequentação de um mágico.
Certos testes permitem
formar uma opinião determinante. Sabendo da repulsa dos demónios por tudo o que
diz respeito a Deus, os exorcistas espreitam nos doentes que os vêm consultar,
certos sinais, como a repulsa em entrar numa igreja, em tocar numa bíblia ou
num crucifixo.
Um homem, pretendendo-se
possuído, veio consultar um exorcista da Igreja. Para verificar o que dizia, o
padre vendou os olhos do homem. Aspergiu-o então com água da torneira. O homem
deve ter pensado que se tratava de água benta, porque se pôs a retorcer-se como
se estivesse a sofrer grandes dores. A linha era muito grossa para que o padre
se deixasse apanhar. O caso era mais do domínio do psicólogo, que do seu
ministério. Aquando de uma verdadeira possessão, é evidente que o demónio
distingue um sacramental de um objecto profano.
Que um doente reaja em face
dos objectos santos da Igreja, não prova nada, mas convida à prudência. Muitas
pessoas são alérgicas à Igreja, sem que por isso estejam possuídas!
O grande exorcismo
pratica-se sempre num clima de oração e de penitência, segundo esta palavra de
Jesus: “Certos demónios não saem senão pela oração e pelo jejum”[199].
São admitidas testemunhas
para assistir o sacerdote pela oração e pela ajuda material (é preciso por
vezes agarrar o possuído). Se bem que não utilize senão o poder da Igreja, o
exorcista deve ser também homem de fé, para não merecer esta reprimenda de
Jesus: Os discípulos, aproximando-se de Jesus, perguntaram-lhe: “Porque não
conseguimos expulsar o demónio? Porque tendes pouca fé. Porque, digo-vos, se
tivésseis fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis àquela montanha:
desloca-te daqui para acolá e ela se deslocaria, e nada vos seria impossível”[200].
Se acontece, por vezes, que
o demónio resista ao mais santo dos exorcistas, não pode ser senão por
permissão de Deus, que tirará daí um bem preferível. No caso relatado no início
deste capítulo, foi, para a mulher vítima do demónio e para o marido, um
retorno definitivo à oração e à prática religiosa: Para o feiticeiro, uma
ocasião de experimentar o perigo da vingança (uma vez que sofreu, por sua vez,
os ataques do demónio).
Diante da multiplicação de
casos de possessão, um comércio de pseudo-exorcistas multiplicou-se em França,
nestes últimos anos. Certas reportagens televisivas, mostraram-nos mesmo um
homem, que se intitula o “Papa dos Luciferinos”, a exorcizar uma mulher. Será
possível que o demónio expulse o demónio?
O Evangelho responde com
clareza a esta questão: acusavam Jesus de expulsar os demónios pelo poder de
Belzebu, o príncipe dos demónios. Ele respondeu aos seus detractores: “Todo o
reino dividido contra si mesmo, é devastado, e as casas caem uma sobre as
outras. Se Satanás se dividiu contra si mesmo, como se manterá o seu reino, uma
vez que dizeis que é por Belzebu que eu expulso os demónios?”[201]
O demónio não pode expulsar
outro demónio, seria ilógico. No entanto, alguns afirmam ter sido aliviados do
mal de possessão devido a um feiticeiro, pelo poder de um outro feiticeiro mais
forte que o primeiro. Este caso é mesmo tão frequente, que alguns preferem a eficácia
de tais homens, à dos sacerdotes da Igreja.
É preciso responder que a
saída do demónio não é senão aparente. Ao aceitar libertar o corpo de uma
pessoa, o espírito do mal manifesta o seu poder e suscita a admiração daquele
que é beneficiário. Não perde nada com a troca: a sua influência, em vez de
permanecer limitada ao corpo, pode então estender-se directamente à
inteligência subjugada. Obtém assim facilidades muito maiores, para conduzir a
pessoa para longe de Deus e do seu amor.
O demónio actua do mesmo
modo que certos homens habilidosos, quando quer seduzir. Não hesita em fazer
acreditar que liberta de um perigo, enquanto que é ele mesmo que, em segredo,
suscitou esse perigo.
Antes de concluir este
capítulo, uma última observação é necessária: como o anjo mau, o anjo bom é
capaz de tomar posse do corpo humano. A vida de alguns santos está cheia destes
factos. S. Vicente Ferrier, por exemplo, não passava de um pequeno homem
apagado e curvado. Mas, quando tinha de tomar a palavra, era possuído duma força,
que o tornava poderoso ao ponto de entusiasmar as multidões. Veremos no
capítulo consagrado aos carismas, até onde pode ir este fenómeno. Santa Mariam
Bonard, depois de ter tido que sofrer de uma possessão demoníaca, foi possuída
por um anjo de luz, que tornava o seu rosto luminoso, e proferia pela sua boca
salmos dignos do rei David. Tais possessões, como tudo o que vem de Deus, não
se provocam pela vontade. São dons gratuitos, concedidos para o bem de toda a
Igreja àqueles que, por vezes, menos o esperavam.
Conclusão: Através desta
secção, não fizemos senão aproximar-nos do mundo dos espíritos. Muitos outros
fenómenos foram descritos por teólogos, e os relatos dignos de fé não faltam. A
história da Igreja não acabou, e as profecias bíblicas não deixam de nos pôr em
alerta contra uma multiplicação de fenómenos e prodígios que precedem o fim do
mundo.
SECÇÃO V: As crenças modernas do Ocidente
O fenómeno dos OVNI
(Objectos Voadores Não Identificados) manifestou-se pela primeira vez no
decurso da segunda guerra mundial, em 25 de Fevereiro de 1942, entre as 3h 12m
e as 4h 15m: aviões misteriosos, capazes de estarem parados, antes de
acelerarem bruscamente, foram observados e apanhados sob fogo da trigésima
sétima brigada antiaérea, em território americano. Mil e quatro centos e trinta
obuses foram disparados.
Depois destes começos
imponentes, o fenómeno OVNI não parou de ser assunto da crónica. O número de
testemunhos que os relatos da polícia ou do exército contém, é impressionante. Uma
parte não descartável de entre eles, foi explicada pela passagem de um
satélite, a queda de um meteorito, de um avião. Mas permanece um grande número
de casos até agora não identificáveis. Os dados dos radares confirmam, às
vezes, o que viram as testemunhos oculares.
Estes OVNI são objectos
materiais (portanto, fotografáveis) capazes de se deslocarem com velocidades
incríveis e acelerações que ultrapassam toda a capacidade do corpo humano. A
hipótese de um engenho pilotado por um homem, está excluída. Os movimentos dos
OVNI opõem-se à atracção terrestre e obrigam à conclusão de uma fonte de
energia interna. Os OVNI aparecem brutalmente nos ecrãs dos radares e podem
desaparecer de forma igualmente rápida, como se se desmaterializassem.
Todos estes factos,
confirmados pelos testemunhos, não deixam qualquer dúvida sobre a existência de
um novo fenómeno paranormal, desconhecido dos antigos, um fenómeno moderno, que
é difícil de arrumar nos alçapões da ciência. Esta a razão pela qual, numerosos
países, criaram organismos encarregados de recolher os testemunhos, as
fotografias, as marcas de aterragem.
A hipótese mais sedutora
consiste em supor que se trata de um espaço habitado. A questão de um mundo
extra-terrestre está colocada.
Aqui se detém o conhecimento
oficial sobre o fenómeno.
Que pode dizer a este
respeito a Teologia católica?
É revelado na Bíblia a
existência de outros mundos habitados? Não, tal revelação não existe
explicitamente. No entanto, também não é revelada a não existência desses
mundos. O problema permanece, pois, em aberto e, se fosse descoberto um dia um
tal planeta, os cristãos teriam o dever de lá anunciar a Boa Nova do que Deus
fez por eles!
Os únicos extra-terrestres
de que a Bíblia faz menção, são os anjos. Mas estas criaturas são muito diferentes
de nós, uma vez que não têm corpo (portanto, não têm naves espaciais). Para
além da ciência moderna, constatamos que um certo número de movimentos
religiosos modernos tratam do fenómeno OVNI. O mais conhecido de entre eles é o
movimento RAELIANO, do nome do fundador, RAËL.
Raël diz que foi levado na
sua juventude, por uma nave extra-terrestre. Os seus ocupantes, chamados
Elohim, ter-lhe-iam confiado uma missão para a humanidade.
A mensagem é simples: “Nós,
os Elohim, formámos na Terra os animais que a povoam, antes de aí instalar os
homens, geneticamente criados em laboratório. Decidimos aparecer nesta segunda
metade do século XX, por causa da invenção da bomba atómica. Parai de produzir
armas, amai-vos uns aos outros ou precipitar-vos-eis na destruição”.
Faríamos muito mal em troçar
demasiado depressa desta revelação, mesmo se o carácter perfeitamente venal e
lúbrico de Raël se manifesta sem equívoco, através das instalações de corridas
de automóvel que se oferece com o dinheiro da sua religião, através das suas
concubinas de luxo. A simplicidade da mensagem, acompanhada de todo uma
elaboração teológica e científica, seduz tanto os simples como os cientistas.
Os adeptos do movimento raëliano são provenientes de todos os povos e de todas
as religiões, porque parece assegurá-las todas numa síntese ecuménica perfeita.
A palavra Elohim vem da
Bíblia. Está mesmo na primeira frase deste livro: “No princípio, os Elohim
criaram o céu e a terra”. Para os cristãos, esta palavra no plural anuncia o
mistério da Trindade, mas não por Raël.
Foram ainda os Elohim que
apareceram a Abraão, no carvalho de Mambré, a Moisés no Monte Sinai,
entregando-lhe as tábuas da lei. Toda a história santa é assim interpretada à
luz dos OVNI. Quanto a Jesus, é o fruto da união sexual entre uma mulher
(Maria) e um extra-terrestre. É um semi-Deus, à imagem dos da Mitologia grega,
e os seus poderes miraculosos explicam-se desta maneira. Antes dele, Buda, foi
iluminado por um ensinamento vindo do espaço. Depois dele, Maomé, recebeu o Corão,
ditado por um extra-terrestre. Quanto aos santos de todos os tempos, têm
simplesmente a sorte de poder entrar em contacto telepático com os Elohim. Raël
é o último deles. A revelação que recebeu é a mais elevada, uma vez que
explica, pela primeira vez, a origem de todas as religiões, para além das suas
divisões.
Raël é um hábil fundador de
seita, que soube utilizar o fenómeno científico-religioso dos OVNI. A hipótese
é possível, pelo menos se olharmos para a riqueza do seu estilo de vida.
Está realmente em contacto
telepático com uma entidade inteligente? Só o futuro responderá a esta
pergunta.
O que é certo é que um
cristão não deve aderir ao seu movimento (nem mesmo, aliás, um judeu, um
muçulmano ou qualquer homem que acredite em Deus). A mensagem de Raël é um
falso Evangelho. Falta-lhe Deus, o Deus único e Todo-Poderoso, criador dos
anjos e dos homens. Se extra-terrestres se afirmam criadores[202],
elevam-se à categoria de Deus, e a religião que fundam não é senão o politeísmo
dos Gregos ou dos Romanos, uma espécie de paganismo moderno.
Que os cristãos não se
deixem seduzir pelo poder da mensagem, e pelo facto de nela se falar de amor.
S. Paulo põe-nos de sobreaviso: “Pois bem! Se nós próprios, se um anjo vindo do
céu, vos anunciar um Evangelho diferente daquele que nós pregamos, que seja
anátema! Já vo-lo dissemos, e hoje repito-o: se alguém vos anunciar um
Evangelho diferente daquele que recebestes, que seja anátema”[203].
Quando estava com o Pe.
Emanuel, no seu ermitério dos Alpes, fui ter com ele para lhe perguntar o que
pensava do fenómeno OVNI. Olhou-me e sorriu-me. Agarrou na Bíblia e mostrou-me
o seguinte texto: “O Espírito diz expressamente que, nos últimos tempos, alguns
renegarão a fé para se ligarem a espíritos enganadores e a doutrinas
filosóficas diabólicas, seduzidos por mentirosos”[204].
Depois, disse-me: “Espero
que seja o fim dos tempos e que eu veja Cristo voltar na sua glória”.
Esta palavra ficou gravada
na minha memória. A multiplicação dos fenómenos paranormais, acompanhados de
mensagens pseudo-religiosas, será a realização dessas profecias da Escritura?
Estamos em face das últimas tentativas do anjo rebelde que, sentindo o tempo
contado, multiplica as tentativas para afastar os homens de Deus, para os
tornar a mergulhar no paganismo antigo?
Um cristão em cada dois
acredita na reencarnação. Esta doutrina, nova no Ocidente, foi importada para
os meios populares, através de vários caminhos convergentes: a prática do
espiritismo no século XIX, a descoberta das religiões da Índia e da China no
século XX. Antes de olhar para o ensinamento de Jesus sobre este problema, é
preciso procurar se não existem provas paranormais desse fenómeno. O primeiro
testemunho, vem-me da boca de um religioso do Priorado de Notre-Dame de Rimont,
na Burgonha. O irmão, casado e pai de dois filhos com a idade respectiva de 3 e
5 anos, tinha decidido levar toda a família para os U.S.A.. Passeavam-se nas
ruas de Nova Iorque, quando o filho mais novo se precipitou em direcção a um
passante, gritando: “Papá, papá”.
O homem pareceu perturbado e
convidou toda a família a vir ao seu apartamento. Souberam então que era viúvo
há três anos, desde que a mulher e o filho de 8 anos tinham morrido num
acidente de viação. Quanto à criança de 3 anos, permanecia agarrada ao homem a
quem continuava a chamar ‘papá’. Decidiram investigar mais a fundo. Entre
fotografias de mulheres, misturaram uma fotografia da esposa falecida.
Mostraram tudo à criança que se lançou sobre a fotografia, gritando: “Mamã,
mamã!”
O segundo testemunho é
tirado da religião do Tibete, o budismo tântrico. Quando o Dalaï-Lama
envelhece, reúne o seu conselho para anunciar a proximidade da morte. Indica
então o nome da aldeia onde deverão procurá-lo, pois é aí que decidiu
reencarnar-se.
Dois anos depois da morte do
seu chefe espiritual, os monges dirigem-se à aldeia indicada e procuram entre
os rapazinhos de dois anos, aquele que considerarão como a sua reencarnação.
Para o reconhecerem, levam
com eles diferentes objectos que pertenceram ao defunto: o seu terço e a sua
malga, a túnica e as sandálias, e muitas outras coisas. Um único erro é
eliminatório.
Foi assim que foi designado,
com a idade de dois anos, o actual sucessor dos dalaï-lamas, Prémio Nobel 1989.
A propósito da sua nomeação, lembra-se: “Se não posso afirmar com certeza ser a
reencarnação do meu predecessor, lembro-me, no entanto, que ele me apareceu
várias vezes em sonho, durante a minha infância”.
Estes dois testemunhos são
impressionantes. Alguns não hesitam em fundamentar sobre estas histórias, a sua
fé na reencarnação: “Como explicar de outra forma, dizem eles, a existência de
recordação em crianças tão pequenas?”
Várias teorias são
ensinadas, segundo são tiradas do Hinduísmo ou do Budismo. Aos olhos do
Hinduísmo, aquele que pratica o mal na sua vida, reencarna-se em qualquer coisa
de inferior ao que era. É a lei inexorável do Karma. Segundo esta concepção, a
criança deficiente, não é de lamentar, uma vez que sofre as consequências do
que fez na sua existência anterior. Aos olhos do Budismo, cada reencarnação não
pode deixar de ir senão no sentido do progresso, até à perfeição total, que vem
fazer com que cesse o ciclo dos renascimentos.
Mas nos dois casos, é
considerada como um mal, de que é preciso esforçar-se a fugir, para alcançar a
paz definitiva.
Certos cristãos, sensíveis à
injustiça deste mundo, onde os maus estão repletos de bens, aderem à primeira
solução, que lhes parece restabelecer a justiça.
Outros, recusando a
existência do inferno eterno, pensam que Deus deixa uma oportunidade a todos,
de recomeçar o que falhou. A segunda solução parece-lhes corresponder à bondade
de Deus. Antes de recordar o ensinamento da Igreja neste domínio, não é vão
perguntarmo-nos se Deus é capaz, pelo seu poder, de realizar uma reencarnação.
A resposta é evidentemente “sim”: o Poder Absoluto de Deus não poderia ser
posto em causa por qualquer milagre que fosse, de momento que não apresente uma
contradição interna (por exemplo, fazer que um círculo seja ao mesmo tempo um
quadrado). A reencarnação não apresenta contradição interna. É simplesmente
contra natura, o que significa que não poderia produzir-se espontaneamente. Se
se produzisse, seria por milagre, e por um milagre maior que o da ressurreição.
Com efeito, é mais fácil unir uma alma ao seu próprio corpo (ressurreição), que
uni-la a um outro corpo (reencarnação). A reencarnação supõe da parte de Deus,
outorgar à alma um acréscimo de vitalidade, porque ela não está feita para
assumir um corpo estranho.
Apesar disto, apesar das
aparentes provas que descrevemos no início deste capítulo, a Igreja afirma, com
toda a força da sua autoridade, que a reencarnação não existe. O seu ensino é
claro: nunca existiu, nunca existirá um só caso de reencarnação, porque Deus
previu para os seus filhos algo de muito maior: a ressurreição. Este ensino da
Igreja apresenta mesmo todas as características da infalibilidade. Um cristão
pode, pois, afirmar, apoiado na confiança em Jesus: “Acredito na ressurreição
da carne”, “Não acredito na reencarnação da carne”.
Nota:
A reencarnação é uma crença
nova do ocidente. Não se introduziu realmente nas nossas mentalidades, senão
desde há um século e meio. Alguns afirmam, no entanto, que a Igreja dos
primeiros séculos acreditava nesse fenómeno. É preciso pôr as coisas a claro. O
teólogo Orígenes, é praticamente o único que ensinou a metempsicose[205].
Aliás, foi condenado rapidamente por esta doutrina, por diversos Concílios.
Outras pessoas pensam que
podemos encontrar no Evangelho, pistas de uma fé na reencarnação. O texto
seguinte é citado muitas vezes: “João Baptista, é ele o Elias que estava para
vir”[206].
O próprio Jesus pronuncia esta palavra misteriosa, para responder à pergunta
dos discípulos sobre a natureza de João Baptista.
Deduz-se desta passagem que,
se João Baptista é verdadeiramente Elias que voltou à terra, é que Elias se
reencarnou. A Igreja nunca aceitou esta interpretação. Segundo a tradição mais
profunda, quando a Bíblia afirma que João Baptista é Elias que voltou à terra,
quer significar que se trata de um retorno da “espiritualidade” de Elias.
Chama-se espiritualidade, a forma como um homem ou uma comunidade vive a sua
fé. João Baptista viveu verdadeiramente a espiritualidade de Elias porque, como
ele, manifestou ao mundo, com poder, a presença de Deus. Neste sentido, podemos
dizer, que é verdadeiramente Elias que voltou à terra.
A lei do Karma, proveniente
da teoria hinduísta (ver acima), foi explicitamente rejeitada por Jesus. Isto
passou-se em Jerusalém: “Passando, viu um homem cego de nascença. Os discípulos
perguntaram-lhe: ‘Mestre, quem pecou, ele ou os seus parentes, para que seja
cego?’ Jesus respondeu: ‘Nem ele, nem os seus parentes, mas foi a fim de que
fossem manifestadas nele as obras de Deus’”.
Em Israel, naquela época,
duas teorias tentavam explicar o sofrimento. Nos dois casos, tentava-se
desculpar Deus, mostrando que se tratava sempre do efeito de um pecado
precedente. Alguns pensavam que os pecados recaíam sobre os filhos, segundo o
provérbio “Os pais comeram frutos verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados”.
Outros afirmavam, inspirando-se nas teorias gregas de Platão, que a criança se
portou mal numa outra vida. Jesus rejeita estas duas teorias. Segundo ele, o
sofrimento que atinge aquele cego não tem outra causa senão a fragilidade da
matéria. Mas todo o sofrimento deste tipo pode servir para glória de Deus dando
origem à humildade e, se for vivido por amor por ele, à comunhão dos santos.
Quanto à segunda teoria, a
que se inspira do budismo, parece ser contraditória com a experiência. Como
afirmar que existe um real progresso moral da Humanidade neste século XX que
fez, só ele, mais mortos de guerra que toda a história da humanidade? Como
afirmar que somos mais sábios que os nossos antepassados? O dinheiro, o prazer
e as honras, permanecem, mais que nunca, os valores supremos do mundo. A
reencarnação não parece ter feito em nada progredir as coisas. Não é, de resto,
de admirar: como é que Deus poderia esperar um real progresso reencarnando os
homens, se estes não conservam nenhuma recordação dos seus erros passados? Não
pode haver progresso moral sem experiência. Assim, se Deus, na sua sabedoria,
tivesse querido fazer passar as suas criaturas por este método de purificação,
teria mantido intacta a sua memória.
Alguns objectam a isto que é
possível alcançar o curso das nossas existências anteriores, por métodos que se
servem da hipnose ou do espiritismo. É preciso sermos claros: estes dois
métodos não têm qualquer valor científico. O que utiliza a hipnose deu
demasiadas reencarnações de Napoleão I ou de Alexandre o Grande, para ser
tomado a sério. Não faz senão tornar conscientes, velhos sonhos que dormem em
nós. Quanto ao que utiliza o espiritismo (invocação de espíritos superiores),
se dá resultados extraordinários de relatos de vidas de que podemos verificar a
autenticidade, fundamenta-se para isso, em autoridades duvidosas e mentirosas[207].
A reencarnação coloca mais problemas do que resolve. Aquele que acredita nela,
condena-se a nunca mais tornar a ver aqueles que amou na existência presente.
Torna-se uma centelha de vida neutra, cuja personalidade muda de vida em vida.
Como explicar, apesar disto,
a atracção dos cristãos por esta doutrina? Vejo aí, infelizmente, duas causas.
A primeira parece-me a mais grave: é a perda geral do gosto de Deus. A esperança
dos cristãos não mais se dirige ao céu, mas à terra. Esqueceram o valor sublime
da promessa de Jesus, que fazia vibrar de esperança os primeiros mártires: “Na
casa de meu Pai, há muitas moradas. Vou preparar-vos um lugar, e ficareis ao pé
de mim”[208].
Os cristãos não mais amam Deus suficientemente. Ver o seu rosto, não suscita
mais o entusiasmo. Preferem, portanto, voltar à terra onde a vida não lhes
parece assim tão mal.
A segunda causa é para pôr
na conta dos teólogos das universidades de formação. À força de afirmar que não
se sabe exactamente o que se passa depois da morte, à força de reduzir o ensino
da Igreja e dos santos a simples opiniões, deixaram um vazio que cada fiel
tenta preencher pelos seus próprios meios. À força de afirmar que um cristão é feito
para mudar o mundo antes de pensar no além, fizeram da sabedoria cristã uma
forma religiosa do combate social.
Ora, a sabedoria cristã é
mais do que isso: é a porta aberta por Deus, do mais íntimo do seu amor. É uma
torrente que brota em vida eterna. Madre Teresa, não é ela o modelo da acção
social? As suas irmãs estão cheias de trabalho e, apesar disso, ela impôs na
regra, uma hora de oração silenciosa a mais. Compreendeu que a fonte de todo o
amor está em Deus. É, pois, urgente, que os sacerdotes falem de novo da morte e
do que se lhe segue, que proclamem a verdadeira natureza do Juízo final, que anunciem em todo o lado
que os discípulos de Cristo não têm a temer a reencarnação, porque o Senhor
inventou uma forma muito mais bela, muito mais respeitosa, de salvação:
“Seremos julgados pelo amor”. Esta forma de salvação torna inútil a
reencarnação. Deus é capaz de realizar um julgamento perfeitamente justo, para
além das vicissitudes do destino terrestre de cada um: “Bem-aventurados os que
têm sede de justiça, porque serão saciados”.
Quer se trate de um
recém-nascido morto antes de ter crescido, de uma prostituta submetida à
vergonha por causa da miséria, de um deficiente, de um pobre ou de um rico, o
essencial é esse acto de amor no momento da morte. Basta amar[209].
Basta amar para receber de Deus uma medida cheia, bem calcada de felicidade, e
de uma felicidade que é inimaginável àquele que não a viveu. Esta felicidade
não fará ciumentos, porque será perfeita para cada um.
Tudo isto culminará com a
ressurreição da carne. Reencontraremos o nosso corpo, livre das suas
imperfeições. Quanto aos que escolheram a danação, tê-lo-ão feito com inteira
liberdade. Alegrar-nos-emos com a bondade de Deus, com a sua grandeza, que
deixa à sua criatura o direito de o rejeitar.
Importa dar aqui, de uma
vez, a explicação do mal em teologia católica, na sua versão mais oficial.
Simplesmente, permitam que a apresente à maneira de um “conto”, porque é disso
mesmo que se trata: duma História (santa).
No fundo, uma vez que se
trata duma fé, não demonstrável mas coerente, há a possibilidade de cada um
fazer uma ideia do que ela é.
Primeiro há um início (O
ALFA) que explica um fim (O ÓMEGA): o alfa chama-se Trindade e o ómega
chama-se… Trindade…
Tudo se explica por um ALFA,
quer dizer, um princípio de conhecimento donde tudo procede e que é Deus.
Existe desde sempre, um Ser
infinito, que se satisfaz em si mesmo. É de ta forma grandioso (= o Pai) que
eternamente, a simples contemplação da sua imensidade (= o Verbo) e o amor de
si próprio (= o Espírito Santo) o preenche.
Ora, esta vida interior (foi
o que revelou Jesus, o Verbo feito carne), APRESENTA DUAS QUALIDADES QUE NÃO
PODE MODIFICAR. AQUI ESTÁ A CHAVE DE TUDO, incluindo o sofrimento, como vereis:
Estas duas qualidades são:
1º “KÉNOSIS” (anulamento
interior de si): o Pai não é senão êxtase “PARA” o Filho e reciprocamente:
dizem-se eternamente “És tu que contas”.
2ª “AMOR” (isso é conhecido)
Esta teologia da Trindade
pode ter-vos parecido complexa. Mas podemos dizer a mesma coisa em linguagem
infantil: o Deus infinito e todo-poderoso poderia comparar-se à “mais pura,
mais virginal, mais humilde, e mais desejosa de amor das jovens”, a um tal
ponto que Mria, ela própria, não é senão um esboço dela.
Ora, este Deus decide um dia
partilhar a sua felicidade. Decide criar verdadeiras pessoas LIVRES que, se
quiserem, poderão desposá-lo. Isso não lhe trará nada, ele é feliz. É pura
gratuidade.
E é aqui que está o “OSSO”,
quer dizer, “o problema”.
São em número de três, todos
em relação com o que vos disse da Trindade:
1º Deus, sendo COMO “a mais pura, a mais virginal, a mais
humilda das jovens”, ninguém pode partilhar o seu amor sem o “desposar por
amor”. É o que S. Paulo quer dizer: “O casamento é um grande sacramento,
refiro-me à união da nossa alma com Deus”. Deste modo, se uma criatura,
qualquer que ela seja, não se torna como Deus “TOTALMENTE HUMILDE; TOTALMENTE
AMOR”, não pode desposar Deus. É um facto. Ninguém o poderá modificar. Lúcifer,
um anjo, bem pôde contestar dizendo: “Que disparate! Deve poder ver-se Deus,
que primeiro é espírito, PORQUE SE É INTELIGENTE, e não na medida de um
estúpido motivo de humildade e de amor”, que Deus não pode modificar-se.
Guardadas todas as proporções, desposar Deus sem estas qualidades (coração
humilde e amor), é como desposar “a mais pura, a mais virginal, a mais humilde
das jovens” pela única razão do prazer sexual ou do dinheiro que ela tem. A
isto chama-se uma violação.
2º Deus, tendo criado o
homem e os anjos par esta felicidade e sendo esta felicidade … ELE, é evidente
que colocou no coração do homem ao criá-lo, um “vazio”, uma capacidade
essencial para Ele, portanto, para o “infinito”. Deste modo, uma vez que antes
de ver Deus face a face, escolhê-lo com toda a humildade e amor, haverá
necessariamente um tempo onde um primeiro SOFRIMENTO é criado por Deus, ao
mesmo tempo que os homens e os anjos: trata-se de um “fogo” da alma, que a
psicologia chama “ANGÚSTIA” e que é essa falta de Deus enquanto não vemos Deus.
Todos vós os experimentais, essa espécie de “MEDO SEM OBJECTO” que vos toma…
quando tudo vai bem… é isso.
3º Uma vez que esta escolha
deve ser feita livremente, é evidente que alguns poderão dizer, no momento em
que a escolha lhes for apresentada EM TODA A LUCIDEZ R LIBERDADE: “Ridículo”. Assim,
ao criar pessoas livres de um dia escolher, Deus criou a possibilidade de
recusar esse casamento. Ora, ao criar criaturas feitas para Ele e capazes de
desprezar esse casamento, Deus criou… o inferno. O inferno, não é um lugar de
torturas preparadas por um sádico. É o mesmo lugar físico que o paraíso eterno,
(o mesmo jardim novo, as mesmas maravilhas) dadas a pessoas que, feitas para
desposar Deus, o recusam livremente e possuem uma natureza cortada daquilo para
que foi criada (a angústia tona-se a sua vida e a vida livremente escolhida).
Quando Deus criou o primeiro
homem e a primeira mulher, Adão e Eva, aqueles que deveriam dar origem a todos
os outros, pô-los na terra e explicou-lhes TUDO ISTO. Fez, pois, de Adão e Eva,
SÁBIOS (mas não sabiam nada das CIÊNCIAS E DAS TÉCNICAS). Disse-lhes: “Coloquem em primeiro lugar nas vossas vidas
a HUNILDADE E O AMOR. Gerai crianças e educai-as. Não vos deixarei. Ando ao
vosso lado. Mas bem depressa vos virei buscar para vos desposar para a
eternidade.”
Conhecem a sequência da
história: Adão e Eva disseram NÃO, em plena lucidez e apesar deste aviso de
Deus: “Mas, atenção, se colocardes um
outro valor nas vossas vidas, diferente daqueles que vos indiquei, então
esconder-me-ei e todos os sofrimentos cairão sobre vós.”
Então, Deus começou por se
esconder. Foi Deus mesmo quem deu ordem aos anjos para retirarem a sua
protecção visível. É Deus mesmo quem nos deixa no frio, como que ABANDONADOS.
Na realidade, os anjos estão bem presentes, MAIS EFICAZES QUE NUNCA, distribuindo
alegrias e sofrimentos, deixando actuar as leis deste mundo, a um ponto que não
suspeitamos mesmo. Na verdade, o maremoto que mata centenas de milhares de
pessoas, é a imagem de destino de todos nós. TODOS SEM EXCEPÇÃO, ESTAMOS COMO
QUE ABANDONADOS, ENTREGUES ÀS NOSSAS PULSÕES, À IGNORÂNCIA, depois, VAMOS SER
LEVADOS DESTE MUNDO, SEM PIEDADE, NO MOMENTO EM QUE NÃO ESPERAMOS.
Para melhor compreender este facto, este sofrimento,
é preciso agora explicar o ÓMEGA, quer dizer, o que se passa NA HORA DA MORTE.
Deixemos agora o cenário do
direito. Quando, no final da sua errância, o corpo gasto, a alma angustiada,
Adão e Eva (e nós próprios, depois) morreram, provavelmente tinham esquecido
tudo do Deus terno que outrora caminhava no jardim. Supunham-se malditos para
sempre, por causa do seu pecado.
Tantos sofrimentos, na
verdade, tinham-nos TORNADO HUMILDES e nem mesmo y tinham consciência disso.
Acabaram-se as histórias do estilo: “Seremos como deuses”. Morreram, pois, e
aparecera, do outro lado “DE JOELHOS”. E o anjo de Deus apareceu-lhes (hoje, é
Cristo que vem na hora da morte). Levantou-os e disse-lhes: “Porque pecastes, SOFRESTES. Porque
SOFRESTES, descobristes a vossa fraqueza. Porque éreis FRACOS, descobristes a
vossa INDIGNIDADE. E, desta forma, chegastes DISPOSTOS AO ARREPENDIMENTO.
Agora, olhai o que Deus vos propõe.”
E o anjo mostrou-lhes pela
sua luz, uma imagem da Trindade, “a mais
pura, a mais virginal, a mais humilde, a mais desejosa de amor de todas as
jovens”… e do casamento de amor que ela desejava.
É possível agora,
compreender o sentido do sofrimento e a impossibilidade de apagar os seus
frutos conscientes por uma hipotética reencarnação. Jesus dizia: “Digo-vos, sim eles pecaram muito. E, porque
lhes foi perdoado muito, amaram muito.” Retomem o ALFA relatado há pouco, a
famosa história de “Ninguém pode ver e
desposar Deus se não e torna como Deus TOTALMENTE HUMILDE E TOTALMENTE amor.”
É possível comparar o grau de humildade e de amor alcançados por Adão e Eva
depois do pecado original e desta passagem pelo sofrimento, com aquele que
teriam atingido sem isto? É evidente e a Igreja pôs-se a dizer: “Bendita culpa que nos valeu tal Redentor”.
É evidente, à luz desta
narrativa, que se um homem que morre não é totalmente humilde e amor para
entrar no paraíso, Deus não o vai fazer progredir apagando-lhe as suas memórias
e remetendo-o à terra, fazendo com que perdesse ao mesmo tempo o que está no
centro do seu projecto sobre nós: as sua relações pessoais (pais, filhos,
cônjuge, comunhão dos santos). É evidente que, se tem de haver purificação,
isso será feito por uma pessoa dona das suas memórias, arrependida dos seus
pecados passados. É o que a Igreja chama o PURGATÓRIO.
Conclusão: A reencarnação é
contraditória com o coração da teologia católica, uma vez que acredita na
PESSOA HUMANA. Mas, a Igreja acredita numa necessária purificação que sabe
realizar-se, depois do primeiro purgatório na terra, através doutras etapas que
acompanham ou seguem a morte, até que, sendo totalmente pobre (humilde) amante.
Veja Deus face a face em companhia dos santos e dos anjos.
Que pensar agora dos dois
testemunhos relatados no início deste capítulo. Como explicar a existência de
recordações nas crianças, no próprio Dalaï-Lama? No plano puramente filosófico,
a reencarnação permanece uma hipótese possível, mas não é a única. A filosofia
chinesa permite estabelecer outras, igualmente válidas. Quando fala da
existência de um corpo astral, espécie de carga energética onde estão
condensadas as recordações de uma pessoa, quando afirma a possibilidade de uma
sobrevivência momentânea desse corpo astral[210]
depois da morte, abre a porta à possibilidade de uma contaminação do psiquismo
de um recém-nascido. Nada impede que, ao nascer, uma criança receba
inconscientemente e por contaminação, as recordações de um ser que morre no
mesmo momento. Não se terá de falar então de reencarnação, mas de recuperação
pela criança de um eu psíquico que não é o seu (e que ele esquece, de resto,
bastante depressa).
Quanto ao Dalaï-Lama, a
religião de que é chefe, parece demasiado bela para não receber a ajuda de Deus
e dos seus anjos. Deus não reserva as suas intervenções à Igreja, mas a todo o
movimento religioso que pode realizar o bem no coração dos homens.
Para basear a crença na
reencarnação, certas pessoas avançam com a experiência comum a muitos, de terem
conhecido um lugar onde estão pela primeira vez, de terem já vivido uma cena.
Tal experiência pode encontrar explicações naturais. Alguns psicólogos
mostraram que pode acontecer, quando se passa por um lugar, que nos apercebamos
das coisas exteriores mas que a consciência não as captou. Estas duas
percepções, descoladas uma da oura por um espaço de tempo muito curto e em que
a primeira é inconsciente, pode explicar um fenómeno de déjà vu[211].
Noutros casos, podemos estar
em face de um verdadeiro sonho premonitório[212],
cuja recordação permanece no fundo da memória e que ressurge com toda a sua
nitidez, no momento em que a cena se desenrola diante dos olhos. Este fenómeno
manifesta, então, mais uma vez, a presença dos anjos.
SECÇÃO VI: O DEDO DE DEUS ESTÁ AQUI
“Deus disse a Moisés: diz a
Aarão que estenda a sua vara e bata na poeira do chão, e ela se transformará em
mosquitos, em todo o país do Egipto. Aarão estendeu a mão com a vara e bateu na
poeira do chão, e houve mosquitos em todo o país do Egipto. Os mágicos do
Egipto, com os seus sortilégios, fizeram a mesma coisa, para fazer sair os
mosquitos, mas não conseguiram. Os mágicos disseram ao Faraó: O dedo de Deus
está aqui”[213].
Este capítulo, sem dúvida,
não acrescenta nada de novo ao que foi dito até aqui. No entanto é importante
recordar a todos os que acreditam em Deus, as áreas onde podem estar seguros da
presença da sua acção. Diante da multiplicação dos pseudo-profetas e fazedores
de milagres, que fundam aqui e ali as suas Igrejas pessoais, é indispensável um
discernimento. A Igreja católica, de cada vez que lhe pedem para reconhecer uma
aparição, pede a Deus que lhe dê um desses sinais de que tem hábito marcar as
suas mensagens. A assinatura de Deus pode ser macaqueada pela técnica humana ou
pelo demónio, mas não pode nunca ser imitada.
CAPÍTULO 1: A conversão do coração
St. Agostinho escreveu:
“Maior é a obra de fazer de um ímpio, um justo, do que criar o céu e a terra”[214].
A conversão de um coração, é
a primeira dessas obras que ninguém senão Deus, pode realizar, da mesma forma
que ninguém senão Deus, pode criar a partir do nada. Não se trata aqui de uma
qualquer conversão, por exemplo, aquela que faz voltar um amigo infiel ao seu
amigo. Trata-se de uma conversão muito particular, de um nível que ultrapassa
tudo quanto se possa imaginar sobre a terra. Trata-se dessa conversão
misteriosa, sobrenatural, que faz com que, subitamente, Deus está presente.
Deus presente, Deus visível,
Deus amado, eis o fruto extraordinário desta conversão.
Trata-se de uma experiência
mística (quer dizer, misteriosa): não pode ser compreendida senão por aquele
que a viveu. Uma vez vivida, não pode ser descrita senão por palavras que a
traem. No entanto, muitos homens tentaram descrevê-la. S. João da Cruz, disse:
“É uma viva chama de amor”. Sta. Teresa, respondeu-lhe: “É como uma torrente de
água viva que brota para a eternidade”. Um pobre camponês dizia ao Cura de Ars:
“Eu advirto-o e ele fala-me”. É, sem dúvida, a este pequeno camponês, morto e
esquecido desde há muito, que devemos a mais bela descrição desta maravilha.
Com efeito, para além do fogo que enche o coração daquele que a vive, tão
intenso é o amor, para além da água que jorra, tão únicas são a alegria e a paz
que a acompanham, está a presença de Deus.
O fogo, a água, o amor, a
paz, não são senão efeitos, alguns desses numerosos efeitos da única causa: a
presença de Deus.
Aquele que, uma única vez,
teve o privilégio de saborear esta Presença, jamais a esquece. Bem pode passar
o tempo com a sua usura, bem podem acumular-se os pecados e tornar a recordação
longínqua, permanecerá sempre, algures no fundo da alma, uma nostalgia da
Felicidade única, tocada um dia.
Aquele que, tendo
compreendido à primeira o valor deste dom, esforça-se por lhe permanecer fiel,
com a surpresa de ver aumentar a sede de Deus, dilatar-se à medida que se
aproxima dele, ao ponto de lhe pôr o coração em chamas, de lhe dar o desejo do
Céu. Este amor é irresistível: torna ébrio, como um vinho novo e inesgotável, e
de que nunca nos cansamos. É ele que dá aos convertidos o desejo de rezar sem
cessar, de fazer da sua vida uma missa, tal é a sede de receberem o Senhor. É
ele que os precipita para os mosteiros, como por um chamamento, uma vocação
irresistível. É ele que anima os apóstolos, os prosélitos, com quem quereriam
tanto partilhar: “Vim trazer um fogo à terra e como desejaria que ele já
ardesse”[215].
É ele que faz amar os amigos e mesmo os inimigos, como irmãos, ao ponto de
suscitar Madres Teresas, Vicentes de Paulo.
Esta experiência está na
base de toda a vida sobrenatural. É, por vezes, violenta, à maneira de S.
Paulo, por vezes, doce e pacífica, à maneira da maioria. Mas está sempre
presente. Sem ela, podemos ser cristãos por tradição familiar ou política, por
medo da morte ou por raciocínio intelectual (à maneira de Pascal, na sua
aposta), mas não somos cristãos pela fé.
Ora, uma conversão destas, é
necessariamente um dom de Deus. Ninguém a pode provocar por si mesmo, de tal
modo Deus é inacessível. Ela é o maior dos fenómenos paranormais, tanto pela
sua elevação como pelos seus efeitos sobre toda a vida. É tão impensável para
um homem, imaginar a simples possibilidade desta presença de Deus, como um cego
de nascença imaginar um nascer do sol.
O que é, ao mesmo tempo,
maravilhoso e terrível, é que Deus a dá a quem a deseja, desde que encontre um
coração de boa vontade, que chame. É maravilhoso, porque a porta da vida
sobrenatural está assim aberta a toda a gente. Ninguém é excluído dos tesouros
inumeráveis de que ela é, apenas, as primícias. Pode também ser terrível,
quando a alma, assim tocada por Deus, não encontra um “bom pastor” para a
ajudar a ir mais longe no caminho assim aberto, se não encontra um sacerdote ou
um bom cristão para a guiar.
Muitas pessoas, por esta
razão se perderam no iluminismo, foram agarradas por seitas.
Portanto, a experiência
religiosa que está na base da conversão, pode ser dada a todos. Não necessita
de qualquer treino, qualquer exercício espiritual. É um puro dom de Deus, como
a fé, que é o seu primeiro efeito: aquele que tocou a presença de Deus, está
pronto, na medida da intensidade dessa experiência, a acreditar em tudo o que
ele ensina. Acredita não apenas porque sabe, desde esse primeiro momento, que
Deus existe realmente, mas também porque sente que Deus é bom e não pode
enganá-lo.
Não depende senão dele
percorrer o caminho assim aberto, o caminho do amor único que conduziu um bom
número de homens e de mulheres, onde nunca teriam pensado ir: à santidade[216].
Deixemos falar um instante
um dos maiores santos, dos maiores apóstolos da vida sobrenatural. S. Serafim
de Sarov dizia: “Procuras qual a finalidade da vida cristã. Perguntaste e
responderam-te que era ir à igreja, rezar, viver segundo os mandamentos de
Deus, fazer o bem. Era este, diziam, o objectivo da vida cristã. Pois bem, eu
digo-te: a oração, o jejum, as vigílias e outras actividades cristãs, não são
senão meios. O verdadeiro fim da vida cristã consiste na AQUISIÇÃO DO ESPÍRITO
SANTO DE DEUS”[217].
S. Paulo, na primeira
epístola aos Coríntios, assinala a existência de dons de origem divina: “Um
recebe do Espírito o dom de falar com sabedoria, o outro, o dom de falar com
ciência segundo o mesmo Espírito, este recebe a fé, no mesmo Espírito; aquele a
graça de curar as doenças; um outro, o dom de realizar milagres; um outro,
ainda, a profecia; um outro, o discernimento dos espíritos; um outro, as
línguas; um outro, finalmente, a interpretação do discurso em línguas”[218].
Vimos, no decorrer de todo este
trabalho, como era difícil atribuir a Deus todos os milagres, todas as curas de
doentes, todas as profecias. Quanto ao dom de falar com sabedoria e ciência,
todos sabemos que isso pode ser um simples efeito de estudos realizados,
acompanhados, num sentido, da alocução, que se pode treinar praticando a
retórica. Existem, pois, carismas humanos que não são recebidos do Espírito,
mas da natureza ou dos anjos bons e maus. Os carismas podem ser desenvolvidos
pelo treino. Os carismas satânicos podem ser obtidos pela invocação de
espíritos.
Mas, o que caracteriza os
carismas dados por Deus, o que permite distingui-los de todos os outros, é o
seu efeito: apenas eles convertem os corações. Mostrei, no capítulo precedente,
que uma conversão do coração, no sentido cristão do termo, se funda numa
experiência misteriosa da presenças de Deus. Ninguém senão Deus pode provocar
tal milagre.
Deste modo, se pudermos
constatar, que depois de um discurso pronunciado no púlpito, uma parte da
Assembleia se encontra elevada a Deus, ao ponto de viver esta experiência,
poderemos sem hesitar, falar de um verdadeiro carisma do pregador. Um tal
carisma não se possui, Deus dá-o quando quer. Os padres sabem-no bem: o mais
genial dos oradores, bem pode utilizar todo o seu talento para entusiasmar as
multidões ao falar de Deus, se o Espírito Santo não vem, as suas palavras não
terão mais efeito que uma esplêndida peça de teatro. O Espírito Santo pode,
pelo contrário, vir quando o orador não pronuncia senão palavras banais e sem
consistência. Um tal carisma da pregação, foi experimentado por um padre que mo
contou: tinha acabado de terminar um longo sermão. O público parecia dormir.
Fez o sinal da cruz e disse ao microfone, para o organista que se enganava: “É
preciso voltar a página”. No final da missa, uma pessoa em lágrimas veio ter
com ele, dizendo-lhe que tinha convertido o seu coração. Lisonjeado,
perguntou-lhe que parte do sermão tinha tido esse efeito. Ela, respondeu:
“Quando disse que era preciso voltar a página, percebi a vaidade da minha
vida”.
Alguns pretendem que se pode
alimentar os carismas. Se tivessem verdadeiramente compreendido o que eles são,
não falariam assim. É infelizmente fácil confundir os nossos dons naturais com
os dons gratuitos de Deus.
Um magnetizador do campo, por
exemplo, na medida em que não faz senão utilizar a sua energia natural para
ajudar à cura de um doente, não exerce um carisma, mas uma simples propriedade
da natureza humana.
A sua acção é bem diferente
desses camponeses muito simples, cheios de fé em Deus, que transmitem de
geração em geração, uma oração que cura esta ou aquela doença. Lembro-me de ter
encontrado um desses valentes homens. Vinham procurá-lo das redondezas para se
curarem de todas as queimaduras, qualquer que fosse o seu grau. Limitava-se a
traçar uma cruz sobre a ferida, pronunciando o nome de Jesus. O efeito era
imediato. Trata-se bem, aqui, de um carisma no que tem de mais puro, um desses
carismas cristãos dados por Jesus em recompensa da fé. Da mesma forma, os reis
de França recebiam de Deus o poder de curar algumas doenças, pelo sinal da
cruz.
O santo mais carismático
foi, sem dúvida, S. Vicente Ferrier[219].
Os factos que ilustram a sua vida são tão extraordinários, que dificilmente se
acredita neles, mesmo para um cristão habituado ao paranormal. No entanto, os
testemunhos da época são absolutamente críveis. Este pequeno dominicano, que
foi primeiro, professor de Teologia, foi chamado para evangelizar a Europa.
Pediu ao papa a autorização de pregar por toda a parte e partiu, simplesmente
acompanhado de um burro, que carregava a sua Suma Teológica, a sua Bíblia, e um
sino para chamar as multidões. O seu único desejo era converter os corações: a
Igreja tinha-o confirmado nessa vocação. Recebeu, pois, os carismas de Deus.
Mas recebeu-os ao ponto de poder iluminar toda a Teologia: para instruir os
outros das verdades que ultrapassam a demonstração, mas requerem fé, três
condições são necessárias, afirma S. Tomás[220].
O apóstolo deve possuir um conhecimento completo das verdades divinas, a fim de
ser capaz de as ensinar. Deve, pois, ser um cristão e um teólogo. Ser cristão é
amar Deus e os irmãos mais que a si mesmo. S. Vicente Ferrier ardia neste fogo
divino.
Ser teólogo não é também um
carisma divino, mas o fruto de longos estudos. S. Vicente Ferrier começou a sua
vida de padre, por ensinar esta disciplina.
Descrevem-no com um
escolástico dotado, mas pouco diferente dos outros professores da sua época.
Não brilhava particularmente como homem, o que não faz senão confirmar a origem
supra-natural dos dons que desabrocharam nele, quando se tornou apóstolo.
Encontramos nele, a partir desta segunda época da sua vida, uma das mais belas
ilustrações da teologia cristã dos carismas.
Para converter os corações,
recebeu em primeiro lugar o carisma da fé. Não se trata dessa fé interior que
fixa a inteligência numa confiança total em Deus. Esta virtude teologal é comum
a todos os crentes, quer sejam judeus, cristãos ou muçulmanos. Trata-se aqui de
uma fé que transparece no exterior, ao ponto de provocar o espanto nos
ouvintes. Quando S. Vicente Ferrier passava no campo, a mais profunda impressão
que deixava, era a da sua total fé em Deus, da sua confiança absoluta, ao ponto
que dava vontade de acreditar com ele, em tudo aquilo em que ele acreditava.
Este carisma teria quase sido bastante para converter as multidões, de tal modo
se apoderava dos corações.
Mas Deus não parou por aí,
deu-lhe também o carisma da pregação, de que fala S. Paulo.
Este homem apagado e
encurvado, parecia tomado por uma força vinda de outro lado, no próprio momento
que subia ao púlpito para falar. A sua palavra elevava-se, clara como uma água
viva. A sua alocução permanecia sobre-humana, incomparável a tudo o que pode
oferecer a arte oratória humana. As pessoas caíam de joelhos desde as primeiras
palavras, tocadas no coração pelas flechas de Deus. Em teologia cristã, a
melhor explicação deste carisma, parece ser a cooperação entre este homem
espantoso, os anjos e Deus. O homem abandonava-se a Deus numa confiança total,
para que Ele falasse através dele; o anjo vinha, então, tomar posse das suas
faculdades, inspirando o discurso que pronunciava, falando quase através da sua
boca; Deus, finalmente, coroava tudo isto com o seu poder redentor, voltando os
corações para Ele, pela manifestação íntima, ardente ou doce, da sua presença.
Em S. Vicente Ferrier, o
carisma da pregação, fazia-se de várias formas: podia pronunciar palavras de
sabedoria, quer dizer, palavras capazes de exprimir os maiores mistérios de
Deus; os que escutavam eram tomados pelo desejo de contemplar a Santíssima
Trindade, o eterno mistério do Pai que gera o Filho, pelo Espírito Santo. A
contemplação parecia simples nos seus lábios. A mística não mais parecia
reservada a algumas religiosas isoladas nos seus conventos.
Podia também pronunciar
discursos de ciência: nenhum problema da Teologia lhe escapava, e sabia
ilustrá-lo por exemplos tomados no universo inteiro. Na sua boca, as abelhas
falavam de Deus, os pássaros tornavam-se testemunhas da vida cristã. A ciência
cristã não mais tinha segredos para os seus ouvintes.
Estes três carismas (a fé,
os discursos de sabedoria e os discursos de ciência) bastavam para trazer para
Deus e para Igreja, a massa das multidões cristãs dos campos europeus. A
tibieza não podia resistir a este fogo de Deus. Mas quando se tratava de tocar
os corações dos homens sinceramente crentes de outras religiões, em particular
muçulmanos de Espanha ou de judeus, eram precisas outras armas. Era preciso,
com efeito, confirmar para eles, a origem divina das suas palavras. S. Tomás
mostra que os dados da fé, não podem ser confirmados por provas racionais.
Ninguém pode provar filosoficamente que Jesus está realmente presente na
eucaristia. Só Deus o pode fazer, dando um sinal que só ele pode realizar[221].
É o carisma dos milagres. Dividem-se em quatro espécies: seja que as causas
tenham como resultado o alívio do corpo, e falar-se-á de carisma de curas; seja
que tendam unicamente a mostrar o poder divino quando, por exemplo, o sol pára
ou se obscurece, o mar se divide, e se tem o poder de realizar prodígios. Ou
então, este doutor está capacitado para revelar o que não se pode conhecer,
como os futuros contingentes, e temos a profecia, ou ainda os segredos das
consciências, e temos o discernimento dos espíritos.[222]
S. Vicente Ferrier, sedento
de revelar Jesus Cristo aos judeus e aos muçulmanos de toda a terra, realizava
milagres inimagináveis. Não se contentava em curar, ressuscitava. Refez, por
exemplo, o grande milagre de S. Nicolau. Estava há um certo tempo na Bretanha, quando
veio um homem ter com ele, para lhe falar da mulher que achava cada vez mais
violenta e inquietante: o santo aconselhou-o a amá-la e a multiplicar as
delicadezas para com ela. Alguns dias mais tarde, o homem voltou e pediu-lhe
que viesse com ele lá a casa. Desde há dois dias que a mulher estava ainda mais
bizarra que o habitual, depois que o filho tinha desaparecido. O santo segui-o,
entrou na casa, viu a mulher e gritou: “Desgraçada, que fizeste?” Depois,
dirigiu-se para a salgadeira, onde encontrou o corpo da criança esquartejado
pela mão criminosa da mãe. Diante da dor do pobre homem, que ficou estupefacto
de horror, fez sair todas as pessoas e ficou só, com o corpo da criança. Havia
pessoas reunidas diante da casa. Alguns minutos mais tarde, Vicente Ferrier
saiu. Trazia pela mão a criança, que simplesmente tinha ressuscitado. Outra
vez, tinha reunido numa igreja uma multidão que o escutava pregar. Uma mulher
judia, não parava de lançar observações irónicas a propósito das suas palavras.
Acabou por se levantar e dirigir-se para a saída. O santo viu e traçou um sinal
da cruz na sua direcção. De imediato, o pórtico da igreja desmoronou-se sobre
ela, matando-a logo, com grande estupor da multidão. As pessoas viram-no então
descer do púlpito. Ajudado por homens, retiraram o corpo da mulher. O santo fez
de novo o sinal da cruz e ela levantou-se de imediato.
“Acreditas, agora?
Perguntou-lhe.
Sim, creio”.
Todos os judeus presentes e
muitos outros, se converteram de imediato, e pediram o baptismo.
As profecias de S. Vicente
Ferrier são numerosas e precisas. Viu e anunciou a vinda de Cristo como
“próxima”, à maneira de S. João. Anunciou a vinda de um outro grande profeta,
Louis-Marie Grignon, semelhante a ele, que alguns pensam ser quem converteu a
Vandeia e a Bretanha.
S. Tomás mostra, finalmente,
a necessidade para o apóstolo, de possuir um último carisma que lhe permita
exprimir-se na língua daqueles a quem fala. É o dom das línguas, de que fala S.
Paulo. Por outro lado, é necessário captar o sentido das palavras que são
ditas, e é a interpretação dos discursos. S. Vicente Ferrier, além do latim,
não conhecia senão uma língua, um velho patoá da sua terra, e exprimia-se
sempre nesse dialecto. Ora, da Alemanha à Espanha, todos o entendiam. As suas
palavras eram miraculosamente traduzidas na língua dos ouvintes, da mesma forma
que no dia de Pentecostes, com S. Pedro[223].
Os testemunhos que confirmam estes últimos prodígios são incontáveis, tanto
quanto as multidões que evangelizou. Depois de S. Vicente, nenhum homem na
Igreja possuiu com tanta plenitude, os carismas dados por Deus para converter
os corações. Nos nossos dias, certos cristãos esforçam-se por redescobrir estes
múltiplos dons de Deus. As comunidades carismáticas recebem-nos em profusão, da
mesma forma que os primeiros cristãos, Tornaram-se por isso, hoje, na Igreja,
os porta-estandarte da nova evangelização.
Devemos pedir os carismas?
Esta pergunta é da mais alta
importância para aquele que quer viver como discípulo de Jesus. Um verdadeiro
cristão é um homem que ama. Ama primeiro Deus, de todo o coração, com toda a
alma, com toda a força. Ama-o mais que à própria vida e não deseja senão uma
coisa: estar junto dele. Mas para que o Espírito Santo de Deus venha, deve
encontrar um coração manso e humilde. Deus não vem nunca a um coração
orgulhoso. Como é que um cristão poderia ter a imprudência de pedir para ele um
carisma? Estes dons maravilhosos, recordemo-lo, transformam um homem em
apóstolo de Deus, exaltam-no e tornam-no célebre. A celebridade, a glória, não coexistem,
senão muito raramente, com a humildade. Seria bem presunçoso da parte daquele
que ama Deus, de se pensar suficientemente humilde ao ponto de pedir carismas e
pôr em perigo, desta forma, a sua ligação com Deus.
Mas um cristão é também um
homem que ama o próximo como a si mesmo. Deseja para os seus irmãos, não apenas
os laços do corpo, mas antes de tudo, os da alma e, em particular, o maior
deles: Jesus. Quereria que todos os homens conhecessem a boa nova da salvação.
Ora, para converter os corações, são precisos apóstolos, e, para fazer
apóstolos, são precisos carismas dados por Deus.
Se é imprudente e presunçoso
pedir carismas para si próprio, é indispensável pedi-los para a Igreja,
pedi-los para os sacerdotes, para os diáconos que têm o dever de pregar, de os
pedir para os catequistas e para todos os cristãos que Jesus chama a ser
apóstolos. Se Deus suscitasse no mundo de hoje, um só desses grandes apóstolos
como S. Paulo, S. Vicente Ferrier, S. Francisco Xavier, o mundo inteiro
converteria o coração ao amor.
Sendo dados para o bem da
Igreja e não para manifestar a santidade de uma pessoa, os carismas podem muito
bem ser outorgados a homens que não são santos. Podem ser dados a quem quer que
se esforce por falar de Jesus. O Evangelho relata o escândalo dos discípulos de
Jesus diante desta magnanimidade de Deus: “Mestre, vimos alguém expulsar os
demónios em teu nome e que não anda connosco e quisemos impedi-lo porque não
nos segue. Mas Jesus disse: ‘Não o entravem, não há ninguém que faça um milagre
invocando o meu nome e logo a seguir diga mal de mim. Quem não é contra nós, é
por nós’”.[224]
Pode acontecer que homens
falem de Jesus, não por amor, mas para sua própria glória, e por outros motivos
ainda menos nobres. Alguns pregaram assim, para se vingarem de S. Paulo,
esperando atrair-lhe aborrecimentos, falando em seu nome. Mesmo a esses homens,
Deus pode dar carismas para bem da Igreja. O carisma não tem, pois, nada a ver
com a santidade, e é tão verdade que o próprio Jesus o exprime nesta célebre
passagem do Evangelho: “Não é dizendo ‘Senhor, Senhor’, que entrareis no reino
de Deus, mas fazendo a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos dirão
nesses dias: Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizámos? Em teu nome
que expulsámos demónios? Em teu nome que fizemos tantos milagres? Então,
dir-lhes-ei na cara: Nunca vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a
iniquidade”[225].
Ó Maria, concebia sem
pecado, envia esses apóstolos dos últimos tempos, que prometeste[226].
Que eles inflamem o mundo graças aos carismas divinos. Mas que sejam também
santos, apaixonados por Jesus, até ao dom da vida.
Ao contrário do prodígio, o
milagre é um acto que necessita de um poder superior a tudo o que é criado.
Vimos que os anjos, que são criaturas, podem pelo seu próprio poder realizar
numerosos prodígios: elevar uma pessoa no ar, faze-la falar uma língua
estrangeira que nunca aprendeu, curar certas febres, cicatrizar feridas com
rapidez, tornar um rosto luminoso, etc..
Todos estes prodígios e
muitos outros, necessitam de um real poder, mas de um poder limitado: quando
observamos bem cada um dos fenómenos, vemos que não sai das leis da natureza.
Limita-se a activá-las. O anjo possui esta capacidade. Ora, existem anjos bons
e anjos maus. A Igreja, que conhece a extrema inteligência do demónio, hesita
muitas vezes em reconhecer uma aparição na base de um destes prodígios. Deus
marca a sua obra pelo poder infinito da sua acção. Ele pode realizar um
verdadeiro milagre, quer dizer, um fenómeno que contradiz todas as leis da
natureza, incluindo as da natureza angélica. Os bons anjos realizaram para Deus
muitos prodígios que, apesar de tudo, não constituem milagres.
Quando, diante de Moisés,
fizeram com que ardesse a sarça que não se consumia, quando atacaram com pragas
o Egipto, até à morte dos primogénitos, quando fizeram atravessar o Mar
Vermelho ao povo judeu, a pé enxuto, quando lhe deram codornizes ou o Maná a
comer, no deserto, não fizeram senão utilizar para bom fim, as forças da
natureza ou a sua própria força. Nenhuma necessidade há em todos estes casos,
de um poder infinito. Igualmente, mais recentemente, foram os anjos que deram
às multidões de Fátima, a impressão de que o sol dançava sobre si mesmo. Não
passava de uma impressão, uma vez que o fenómeno não foi observado senão em
redor desse local de aparição da Virgem. Podemos falar do mesmo modo, de alguns
santos canonizados.
1) Quando podemos provar, ao
analisar um milagre, que existiu criação, quer dizer, formação a partir do nada
de uma matéria nova, é sinal de que o dedo de Deus esteve presente. Só Deus,
com efeito, tem o poder de criar ou de reduzir a nada.
2) Quando podemos, por outro
lado, provar que um milagre teve necessidade de apelar para uma energia quase
ilimitada, é ainda o dedo de Deus que esteve presente, directamente, sem que o
ministério dos bons anjos possa explicar o que quer que seja. Só Deus tem um
poder infinito.
Existem numerosos milagres
deste tipo, relatados pela ciência e reconhecidos pela Igreja. Em milhares de
curas obtidas em Lourdes, menos de uma centena foram reconhecidas oficialmente
pela Igreja, porque são as únicas a satisfazerem um dos dois critérios citados
acima. O caso de Joana Frétel, é um dos mais célebres, porque reúne os dois
critérios.
Esta rapariga chegou
inconsciente a Lourdes, sem mesmo saber da iniciativa da família. Isto exclui
qualquer influência prévia, psicológica, sobre a sua cura. Não tinha
praticamente intestino. Teve de ser colocado, acima do umbigo, um ânus
artificial.
No momento em que a
mergulharam na piscina, ela acordou, depois teve fome. A cura foi tão repentina
como um relâmpago. Um movimento instantâneo não pode ser produzido senão por um
poder infinito. O critério nº 2 foi verificado.
Observou-se que ela tinha
recuperado nesse instante, a integridade dos seus órgãos. O intestino tinha
milagrosamente reaparecido. Donde vem esta matéria acrescentada ao corpo? O
critério nº 1 foi verificado com toda a evidência[227].
Um certo número de curas deste tipo, não podem ser senão da autoria de Deus: as
teologias judaica, muçulmana e cristã, são idênticas neste ponto. Os profetas
tinham anunciado que o Messias manifestaria a origem divina da sua mensagem por
milagres que Deus faria em seu nome. Quando João Baptista, metido na prisão,
mandou perguntar a Jesus se ele era o Messias, este respondeu: “Ide dizer a
João o que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os cochos andam, os leprosos são
curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, a boa-nova é anunciada aos
pobres”[228].
Um cego de nascença que
Jesus tinha curado, proclamava: “Sabemos bem que nunca se ouviu dizer que
alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença”[229].
Um enfermeiro psiquiátrico
contestava-me um dia com uma cena de que tinha sido testemunha: um dos seus
doentes, sofrendo de uma grave esquizofrenia, tinha ficado paralisado. O corpo
tinha-se-lhe deformado, não mexia os pés. Estando um dia com um colega, falavam
de Jesus. Para se divertirem, gritaram ao doente: “Ordeno-te, levanta-te e
anda”[230].
Tiveram então a surpresa de verem o doente levantar-se e dar dois passos pela
primeira vez, antes de tornar a cair na sua prostração.
Trata-se de um milagre? Não,
bem entendido. O doente em questão não era um deficiente motor, mas um
deficiente mental, que a doença tinha, pouco a pouco, paralisado. Nada se
opunha organicamente a que andasse. O problema era de ordem psíquica, e os
enfermeiros, ao darem-lhe uma ordem, não fizeram senão estimular-lhe o
psiquismo. Não há, portanto, aqui, verdadeiro milagre, segundo os critérios 1 e
2. Se o doente fosse paraplégico (espinal medula seccionada), e se ele tivesse
andado quando lhe ordenaram, teria havido um verdadeiro milagre. Nunca se ouviu
falar de tal facto, excepto nos lugares onde Deus é invocado.
O mesmo se pode dizer para
cada um dos outros casos enumerados por Jesus. Que um cego de nascença, cujos
olhos são fisiologicamente cegos, veja, é um milagre. Que um cego por causa de
uma esquizofrenia, veja de novo, é um caso de cura psiquiátrica.
O caso da ressurreição de um
morto, é o mais dificilmente imitável, tanto para os homens como para os
demónios. Quando Jesus ressuscita Lázaro[231],
cujo corpo colocado no túmulo há três dias, se tinha em parte decomposto (Já
cheira mal, afirma Maria, sua irmã), manifesta de forma definitiva e absoluta
aos seus contemporâneos, a origem divina da sua missão. Nenhum poder angélico
pode fazer passar um homem da morte à vida.
O homem não pode imitar um
tal milagre, por exemplo, acordando um homem em coma, colocado em hibernação. O
demónio, pelo seu poder sobre a matéria, poderá dar a um cadáver uma aparência
de vida, fazendo mexer os membros. Mas nunca realizará uma verdadeira
ressurreição como a de Lázaro. Os sumos sacerdotes judeus, inquietos com este
milagre, decidiram matar Lázaro.
Um tal projecto, no seu
maquiavelismo, demonstra ao mesmo tempo a lucidez da sua teologia e a grandeza
do seu orgulho. Jesus não hesita em qualificar de blasfémia contra o Espírito
Santo.
A ressurreição de um morto é
um milagre marcado pelo poder divino, não porque responda à primeira condição
(não há neste caso uma verdadeira criação a partir do nada), mas porque entra
na segunda (poder infinito para dar vida a um corpo decomposto).
O caso do Santo ermita
libanês, Charbel Maklouf, canonizado pelo papa João Paulo II, é um exemplo
típico do critério nº 1[232].
No dia seguinte à morte do santo, O Pe. António de Michnich escreve no registo
do mosteiro: “Aos 24 de Dezembro de 1898, morreu em Deus o ermita Charbel, com
a idade de 70 anos. O que realizará depois da morte, dispensa-nos de lhe
escrever a vida”. E logo começa a história da sobrevivência.
Na própria noite do funeral,
o irmão Elias viu subitamente sair do tabernáculo da capela, uma luz que se
deslocava para o túmulo de Charbel. Esse túmulo situava-se numa construção
junto à igreja, para leste. Estava inundada por causa das chuvas abundantes
nessa época.
Alguns dias mais tarde,
bandidos que se refugiaram nas montanhas, também eles vêem a luz e batem ao
mosteiro: “Que se passa em vossa casa?” As pessoas acorrem cada vez mais,
atraídas por estes prodígios.
Os monges decidem então
mudar o corpo de local. A primeira exumação, que será seguida de várias outras,
realiza-se em 15 de Abril de 1899.
O corpo do monge está
intacto, mas água e sangue misturados, saem do seu lado e misturam-se com a
água do túmulo. O corpo é então deposto num primeiro caixão, com tampa de
vidro, não selado, e exposto numa cela do mosteiro. Aí permanecerá 28 anos,
continuando a segregar água e sangue, que obrigam constantemente os monges a
limpar o cadáver. Deus é grande, mas os monges não apreciam que possa fazer
milagres naquele lugar. Uma noite, às escondidas, retiram o corpo desse armário
caixão, sobem-no para o terraço do convento, a fim de que o vento norte o
seque. No verão, em pleno meio-dia, é ao sol escaldante que pedem que actue.
Nada a fazer.
Em Julho de 1927, as
autoridades eclesiásticas comovem-se com a afluência de fiéis. Decidem colocar
o corpo num caixão duplo, de chumbo e de cedro, ele mesmo colocado numa
escavação feita na parede enorme da igreja. Os monges, doravante, podem dormir
tranquilos. Os engenheiros tranquilizaram-nos. A pedra, não porosa, é
completamente estanque.
Fá-lo-ão 23 anos depois. Em
25 de Fevereiro de 1950, um monge que varre a cripta, nota um líquido espesso,
sanguinolento, que escorre da pedra do túmulo. Em 22 de Abril, este é aberto,
em presença de um comité oficial e de médicos vindos da Faculdade de Beirute.
Constatam a integridade total do corpo. “O carácter destes factos é excepcional
e inexplicável”, constatam os membros da comissão.
A Igreja católica acabará
por reconhecer o carácter miraculoso do fenómeno. O ermita Charbel, beatificado
por Paulo VI em 5 de Dezembro de 1965, foi canonizado por João Paulo II. Como,
senão pela acção de Deus, o aparecimento de água e de sangue a partir deste corpo,
em quantidades que ultrapassam o peso total? Este milagre implica uma criação
de matéria acrescentada ao corpo do ermita.
CAPÍTULO 4: A Profecia e o Discernimento dos espíritos
O carisma de profecia
distingue-se dos fenómenos de vidência natural ou de adivinhação satânica, pela
sua origem divina. Reconhece-se pelos seus efeitos, que são sempre positivos:
conversão dos corações, desejo de aprofundar a fé. Um profeta, quem quer que
ele seja, cuja frequentação provoque estes efeitos com constância e ao longo de
anos, pode ser, com uma certeza quase perfeita, considerado como enviado de
Deus. “Uma árvore má não pode dar bons frutos”, dizia Jesus.
Mas a profecia vinda de
Deus, reconhece-se também pela sua qualidade interna: só Deus pode anunciar
tudo, infalivelmente. Só Deus conhece o futuro como se fosse presente. Só Deus
domina o acaso e a liberdade humana. Igualmente, só Deus conhece intimamente os
pensamentos de todos os corações. Pode, pois, revelá-lo aos seus santos,
dando-lhes o que se chama o carisma do discernimento dos espíritos, no que tem
de mais profundo. Este carisma, que permite ler no mais fundo da vida de cada
um, no mais íntimo dos seus segredos, não é evidentemente dado senão a pessoas
discretas, que sabem servir-se dele para o bem. É o carisma de certos
confessores, como o Padre Pio ou o Cura de Ars. Como todo o carisma, não se
exerce sempre. É dado pelo Espírito Santo, quando quer e a quem quer. O Cura de
Ars, tão perspicaz habitualmente, não acreditou na verdade da aparição de La
Salette, apesar do seu encontro com as crianças. No entanto, a Igreja terá de o
presentear com um grande desmentido, ao reconhecer-lhe a autenticidade.
Existem dois grandes tipos
de profecias: as profecias de ameaça ou de promessa, e as profecias de
predestinação. As primeiras exprimem-se sempre assim: “Se não mudardes,
acontecer-vos-á esta desgraça; se mudardes, acontecer-vos-á este bem”.
O que é anunciado não
acontece infalivelmente, mas sob condição. Temos exemplos numeroso na Bíblia.
Quando o profeta Jonas[233]
foi enviado por Deus, a anunciar a Nínive a sua destruição, falou assim:
“Dentro de quarenta dias, Nínive será destruída”.
Ora, os habitantes de Nínive
acreditaram em Deus. Proclamaram um jejum e, na humildade, pediram perdão a
Deus dos seus pecados. A cidade foi poupada, para grande zanga, aliás, de
Jonas, que era profeta apesar dele, e teria esperado outra coisa para
manifestar o seu saber. A maioria das vezes, a Virgem Maria fala deste modo nas
suas aparições. Eis um exemplo célebre, tirado de uma aparição que, se ainda
não está reconhecida pela Igreja, não deixa de ser menos significativa.
Estávamos em 1944: a guerra
estava por todo o lado. A península da Itália estava invadida a sul pelos
aliados, e ocupada ao centro e ao norte, pelas tropas alemãs. Os bombardeamentos,
o êxodo das populações para o campo, a derrota dos soldados italianos, o drama
político, eram os componentes da tragédia quotidiana. Mas neste contexto, um
acontecimento polarizou a atenção geral. Com efeito, numa pequena aldeia perto
de Ponte San Pietro, chamada Ghiaie di Bonate, situada na margem direita do rio
Brembo, uma menina de 15 anos experimentava êxtases místicos. Escreveu num
caderno o relato dos seus 13 encontros com a Virgem Maria.
Em 15 de Junho de 1944, a
Virgem respondeu pela sua boca, a todos aqueles que a interrogavam, para
saberem quando é que a guerra terminaria. Era a sua terceira aparição, e ela
declarou: “Se os homens fizerem penitência, a guerra terminará dentro de dois
meses, de outra forma, em pouco menos de dois anos”. Trata-se bem de uma
profecia de promessa, mas nenhum daqueles que escutou a mensagem da Virgem,
seria capaz de dizer o que escondia esta eventualidade. A Virgem tinha feito
notar à menina que era preciso tomar muita atenção ao que se iria passar numa quinta-feira,
dentro de dois meses. Chegou-se assim a 20 de Julho, quer dizer, ao segundo mês
que se seguiu à profecia da Virgem, data na qual um acontecimento que poderia
ter mudado o curso da história, teve lugar. O atentado contra Hitler, se
tivesse tido sucesso, teria podido acarretar a cessação imediata da guerra. Mas
as pessoas não fizeram caso bastante das palavras da Virgem, pronunciadas da
parte de Deus[234].
Contrariamente às profecias
de ameaça ou de promessa, as profecias de predestinação realizam-se sempre.
Deus não fala mais no condicional, mas anuncia um facto, por causa da ciência
absoluta e infalível que possui.
A Bíblia contém múltiplas
profecias deste tipo, as que, por exemplo, anunciam o nascimento, a morte e a
ressurreição de Jesus. Eis alguns exemplos relativos a Jesus: “Eis que a Virgem
conceberá e dará à luz um filho. Dar-lhe-á o nome de Emanuel (Deus connosco)”[235];
“Objecto de desprezo, abandonado pelos homens, homem das dores, afeiçoado ao
sofrimento, como alguém diante do qual se meneia a cabeça, desprezado, ninguém
faz caso dele. Mas eram os nossos sofrimentos que trazia e as nossas dores que
carregava”[236];
“Eis que o meu servo triunfará, será colocado em alto lugar, elevado, exaltado
ao extremo. Da mesma forma que as multidões foram bonificadas a seu respeito,
igualmente por causa dele, multidões de nações vão ficar maravilhadas”[237].
Certas profecias de
predestinação, dizem respeito às nações: Israel, por exemplo, é no Evangelho
objecto de três profecias importantes, e permanece o povo eleito, sinal para os
cristãos da vinda de Cristo.
1) A destruição do Templo de
Jerusalém: “Daquilo que vedes, virão dias em que não ficará pedra sobre pedra,
tudo será destruído”[238];
2) Deportação do povo Judeu, depois, retorno à Palestina, este retorno sento
ele próprio sinal da vinda próxima do Messias: “Serão levados cativos para
todas as nações. Jerusalém será espezinhada pelos pagãos, até que se tenha
cumprido o tempo dos pagãos”[239].
3) Conversão do povo de Israel, precedendo a vinda de Cristo: “Não mais me
vereis até que digais: ‘Bendito aquele que vem em nome do Senhor’”[240].
As duas primeiras profecias
estão realizadas, bem como uma outra, mais misteriosa, que anuncia o holocausto
dos judeus. Apenas a terceira permanece, e é objecto de esperança de muitos
cristãos.
Algumas profecias deste
tipo, dizem respeito a pessoas individuais: “Hoje mesmo, diz Jesus ao ladrão
crucificado com ele, estarás comigo no paraíso”[241].
Aquele que aprende a ler a
Bíblia com o olhar da fé, descobrirá nela profundas revelações sobre o futuro
da Humanidade, sobre o fim da Igreja. Mas as profecias mais belas, as mais
profundas, contam coisas bem mais importantes: contam Deus e o seu amor pelos
homens. Anunciam a vida eterna que nos espera depois destes anos de provação na
terra.
No que toca às revelações
privadas, a Igreja não as reconhece senão quando são bem e devidamente
constatadas e, mesmo então, não as impõe à fé dos fiéis. Além disso,
tratando-se da instituição de uma festividade ou de algumas peregrinações,
espera longos anos antes de se pronunciar e não se decide senão depois de ter
examinado maduramente o fenómeno em si mesmo. Pede provas convincentes, essas
provas tão bem resumidas por Bento XIV no seu livro sobre a canonização dos
santos. Em geral, não se contenta com um só milagre ou sinal, mas exige vários.
Foi desta forma que foi reconhecida a aparição de Jesus a uma religiosa de
Paray-le-Monial, Margarida Maria. Na sequência desta aparição, a Igreja decide
festejar todos os anos o Sagrado Coração.
Muitas profecias privadas
não reclamam este reconhecimento da Igreja. Referem-se, por vezes, à vida de
uma pessoa individual. O discernimento deve ser o mesmo que descrevemos no
capítulo consagrado à vidência.
Eis um exemplo tirado da
vida do Padre Maximiliano Kolbe. Este padre extraordinário, fundador, na
Polónia, de um gigantesco apostolado com o objectivo de dar a conhecer a
Imaculada, através da imprensa católica, foi martirizado em Auschwitz, em 1941.
Foi canonizado pelo papa João Paulo II. Ora, com a idade de 9 anos, em 1894,
não era uma criança fácil: violento, muito independente, punha à prova muitas
vezes a paciência da mãe, que exclamou um dia, já desanimada: “Meu pobre filho,
que será de ti?”
O timbre devia ser mais
eloquente que as palavras, com esse gesto de mãos postas e de olhos elevados ao
céu, porque a reprimenda provocou na criança uma verdadeira crise de alma. A
partir daquele momento, confessa a mãe “mudou completamente e tornou-se muito
ajuizado e obediente”. Surpreendida com esta transformação súbita, pôs-se a
observar o rapazinho e apercebeu-se que ele se escondia, cada vez com mais
frequência, por trás de um armário, onde se encontrava o pequeno altar de Nossa
Senhora de Czestochowa, com uma lâmpada de azeite que ardia todas as quartas,
sábados e domingos. Escondido no canto, a criança rezava longamente e saia com
os olhos vermelhos de chorar. Muito intrigada, a mãe submeteu-o um dia a um
interrogatório serrado: “Vamos lá ver o que é que tu tens? Porque é que choras
como uma menina?” Pensava que estivesse doente. Ele baixava a cabeça e não
queria responder. A mãe serviu-se dos grandes meios: “Vejamos, meu pequenino,
meu pequenino, à mamã é preciso dizer tudo. Não sejas desobediente.” Chorando e
tremendo, contou: “Quando me disse ‘meu pobre filho, que vai ser de ti?’, fiquei
muito triste e fui perguntar à Santíssima Virgem o que iria ser de mim. Depois,
na igreja, voltei a perguntar-lhe. Então, a Santíssima Virgem apareceu-me com
duas coroas, uma branca e outra vermelha. Olhou-me com amor e perguntou-me qual
é que eu escolhia. A branca significava que seria sempre puro e a vermelha que
morreria mártir. Então eu respondi à Santíssima Virgem que escolhia as duas.
Ela sorriu e desapareceu. Desde então, acrescentou, depois de um momento de
silêncio, quando vamos à igreja, parece-me que não vou com o papá e a mamã, mas
com a Santíssima Virgem e S. José.”
Estas profecias
realizar-se-iam à letra, e toda a vida do futuro Padre Kolbe é o testemunho[242].
CAPÍTULO 5: Os dons extraordinários
Francisco, o pobre de Assis[243],
naquele mês de Agosto de 1224, encaminhava-se para o Alverne, acompanhado dos
irmãos Leão, Anjo, Masseo, Rufino, Silvestre e Iluminado. Subiu, montado num
burro, a montanha que culmina a 1280 metros. O silêncio e a majestade do local
apoderaram-se do seu espírito. Encontrou uma anfractuosidade no rochedo, para
aí abrigar, longe de todo o olhar humano, a chama interior que o queimava.
Queria estar absolutamente só. Travou-se de amizade com um falcão que, durante
a noite, o acordava pelo seu grito, e o chamava à oração.
Ora, uma manhã, ao raiar do
dia, enquanto rezava na encosta da montanha, viu vir a ele no céu, um ser
alado, um ser de fogo e de ternura: um serafim de seis asas resplandecentes.
Parecia sofrer e as asas cobriam o corpo de um homem crucificado, mãos e pés fixados
a uma cruz. Diante deste espectáculo, a alma de S. Francisco dilacerou-se.
Pensou no seu Senhor crucificado e glorificado até ao fim dos tempos. A sua
alma não desejava senão uma coisa: carregar ele próprio uma parte dos
sofrimentos pelos pecados do mundo.
Depois, a visão apagou-se.
Então, baixando os olhos à terra, viu nas suas mãos e nos seus pés, a marca dos
pregos. O lado sangrava-lhe abundantemente: estava marcado pelos estigmas de
Cristo.
Até ao fim da vida, ficaria
assim ferido. O seu corpo acabava de ser unido à paixão de Cristo, à imagem da
sua alma, que estava já crucificada com Jesus.
Os fenómenos místicos
extraordinários, ao contrário dos carismas, não se destinam, antes de mais, a
converter os corações. Não servem para proclamar o Evangelho, mas simplesmente
para manifestar a santidade de um ser particular, de quem Deus quer fazer um
modelo para o mundo. Dando a S. Francisco os estigmas da paixão, o anjo enviado
por Deus, manifestava sensivelmente aos homens, um mistério que se realizava na
sua alma desde há muito: o mistério de uma caridade levada tão longe, que era
capaz de tudo oferecer, mesmo o sofrimento ou a morte.
É quase impossível recensear
os fenómenos extraordinários, de tal modo Deus os multiplica nos seus santos.
Inventou maravilhas para manifestar aos homens os tesouros de delicadeza que só
ele conhece, no coração dos seus bem-amados. Marta Robin, com 20 anos, não
vivia senão para Deus. Estava já pronta para aceitar dar cada gota da sua vida,
hora a hora. Para manifestar isto, Deus permitiu que não mais comesse durante
40 anos, que apenas se alimentasse da hóstia quotidiana, que recebia na missa.
Quiseram verificar o prodígio, despistar as eventuais falsificações. Os que
tentaram tiveram de concluir deste modo: “Esta mulher não se alimenta senão do
pão branco da hóstia, algumas gramas por dia”. Os que se aproximaram de Marta
Robin, falavam doutra forma: “Ela não se alimenta senão de Deus”.
Santa Catarina de Génova
queria ver Deus. A sua alma era feita de fogo. Quereria levar com ela todos os
homens. Oferecia a sua oração e a sua vida pelas almas que via no purgatório,
por revelação especial. Para manifestar esta caridade única, Deus permitiu que
todo o seu corpo se tornasse ardente. Não se tratava de uma simples subida de
febre, mas de um calor capaz de incendiar as suas vestes. Nesses momentos, era
tão desagradável como um braseiro. É o fenómeno de hipertermia, manifestação de
um outro calor, todo ele espiritual.
S. Filipe de Néri estava
muito descontente com Deus: não podia quase celebrar missa. De momento que
começava, Deus elevava-o a êxtases de várias horas. Os fiéis, depois de se
espantarem ao vê-lo flutuar no ar, acabavam por se ir embora, cansados de
esperar. Para evitar estes inconvenientes, o santo decidiu não mais celebrar missa
sem a presença do seu gato, no altar. Chamou a atenção a Jesus: “Se me levas
mais, não poderei mais vigiar o gato e ele arrisca-se a fazer muitos
disparates”. A levitação mística, provocada pelos anjos de Deus, manifesta aos
homens uma alma pura, tão ligeira do peso do pecado como uma pomba levada pelo
vento.
No coração de Santa Catarina
de Sena, morta aos 33 anos, como o Senhor a quem servia, encontrou-se a marca
de uma ferida feita por um instrumento cortante. O coração tinha sido
atravessado de um lado ao outro, muitos anos antes da sua morte, e tinha
cicatrizado.
Incontáveis são os fenómenos
de perfumes misteriosos que emanam do corpo de um santo, antes ou depois da
morte. Mais raramente, fala-se de transfigurações (aparência luminosa do
corpo), de casamentos místicos (aparecimento de uma aliança luminosa no anular,
que manifesta a união a Deus), de auréola visível (halo luminoso do rosto
manifestando a glória de Deus), de coroação (aparecimento de uma coroa
simbolizando a confiança para com o seu santo).
Deus não acabou de nos
espantar através destes sinais misteriosos. Aqueles que os vêem sabem com
certeza da sua origem divina, porque não fazem senão coroar uma vida de
santidade.
No entanto, no caso em que a
santidade da pessoa não foi reconhecida antes, pela voz popular, a Igreja faz
prova da sua prudência habitual. Num convento francês do século XVII, a madre
superiora estava emocionada: uma das suas filhas, uma religiosa de quem Deus
lhe tinha confiado a guarda, era sujeita a fenómenos místicos extraordinários:
os pés e as mãos estavam marcados pelos estigmas da Paixão de Cristo e, todas
as sextas-feiras, saía sangue ardente. Como é que Deus tinha podido ter tanta
bondade para a fazer testemunha de tal maravilha? Apesar da sua alegria, a
prudência aconselhava-a a apelar para o discernimento da Igreja. Uma Padre Dominicano,
especialista nestas matérias, foi pois mandatado. Permaneceu uma semana no
mosteiro e isso foi-lhe suficiente. Fez o seu inquérito junto das irmãs e
informou-se sobre a religiosa, depois, encontrou-se com ela a sós. Assistiu ao
fenómeno na sexta-feira seguinte. Sabia que os fenómenos místicos não precedem
nunca a santidade, mas seguem-na e manifestam-na. Disse então à irmã, quando
ela pretendia viver a Paixão de Cristo: “Em nome da Santa Obediência de que
fizestes voto aquando da vossa profissão, peço que vos levanteis e regresseis
ao vosso trabalho conventual”. Imediatamente a irmã se revoltou e recusou obedecer,
sob pretexto da importância do que vivia.
O Padre soube então que os estigmas
não podiam vir de Deus. Por maravilhoso que pareça o próprio Deus se submete à
obediência à sua criatura, a Igreja, segundo esta palavra de Jesus: “Tudo
quanto ligardes na terra será ligado nos Céus”[244].
Deus deixa imediatamente de se manifestar através de seja qualquer que for o
fenómeno espantoso, se a obediência aos que instituiu como chefes da Igreja o
exige.
Ao revoltar-se, a irmã
manifestava o seu orgulho e a sua preferência pelos fenómenos extraordinários,
mais que pelo amor e a obediência a Deus.
Alguns dias mais tarde,
tentou-se um exorcismo nesta religiosa, que se verificou perfeitamente eficaz.
Como os carismas, os
fenómenos místicos nunca devem ser desejados para nós mesmos. Não são meios
necessários para alcançar a união a Deus e, por vezes, mesmo, por causa das
nossas más tendências, são antes obstáculos à união divina. É o que mostra, em
particular, S. João da Cruz. Ele afirma que este desejo retira a pureza da fé,
desenvolve a curiosidade perigosa, é uma fonte de ilusão, entrava o espírito
com fantasmas vãos, denota muitas vezes uma falta de humildade e uma falta de
abandono a Deus.
Fenómenos místicos
extraordinários, podem também aparecer no seio das comunidades cristãs. O mais
conhecido é o canto em línguas: misteriosamente, durante liturgias fervorosas,
um ou vários membros da assembleia, põem-se a cantar numa língua desconhecida.
O todo pode formar uma harmonia extraordinária, cuja beleza, doce e forte,
eleva a Deus. Muitas vezes, confunde-se este fenómeno com o carisma das
línguas, que tem o mesmo nome.[245]
No entanto, não se trata de
um carisma, porque o seu objectivo primeiro não é a conversão dos corações.
Trata-se de um fenómeno místico destinado a tornar mais leves as nossas
liturgias humanas. Manifesta a presença particular do Espírito Santo numa
comunidade. S. Paulo fala assim: “Irmãos, suponhamos que venha ter convosco e
vos fale em línguas. Em que serei útil se a minha palavra não vos trouxer nem
revelação, nem ciência, nem profecia, nem ensinamento? Assim é com os
instrumentos de música, flautas e cítara. Se não dão as notas distintamente,
como saberemos o que tocamos na flauta ou na cítara? E se a trombeta não emite
senão um som confuso, quem se preparará para o combate? O mesmo se passa
convosco: se a vossa língua não emite senão palavras ininteligíveis, como
saberemos o que dizeis? Falais no ar”.
O carisma das línguas, pelo
contrário, permite ao apóstolo falar uma língua estrangeira sem a ter
aprendido, para pregar mais facilmente a Boa-Nova a todas as nações. É
compreendido por todos os homens.
O fenómeno místico da
palavra em línguas, é um cântico que sobe como uma espiral de incenso.
Predispõe a alma à oração.
CAPÍTULO 1: Budismo tibetano e cristianismo
Depois desta rápida vista
panorâmica dos fenómenos paranormais, é indispensável para um cristão conhecer
o movimento religioso que podemos considerar como o grande especialista neste
domínio. Trata-se desse budismo particular, inserido nas fronteiras da China e
da Índia, e que moldou durante séculos um verdadeiro povo de monges. Entre o
budismo tântrico e o cristianismo, há possibilidade de comparações ou de fazer
alianças?
O budismo tântrico é,
primeiramente, uma forma de budismo. Mas, ao contrário da ortodoxia,
essencialmente conservada na China, foi buscar ao hinduísmo a noção de Deus. O
budismo do Tibete é uma busca de Deus feita pelo homem, baseada nas suas
próprias forças. O NIRVANA não significa apenas EXTINÇÃO, mas também
ILUMINAÇÃO. Aliando a noção de crescimento espiritual proveniente da filosofia
budista original, à de Deus proveniente do hinduísmo, a religião do Tibete
tornou-se uma sabedoria adaptada às massas. Cada um encontra nela a sua medida.
Aqueles que amam a devoção, podem adorar. Aqueles que procuram a perfeição,
podem ser monges. Este budismo é, pois, uma verdadeira religião aliada a uma
simples filosofia panteísta.
Mas, para alcançar o Nirvana
em todo o budismo, existem quatro métodos, quatro yogas complementares e que
todos os monges têm de praticar:
1) RAJA YOGA: é o
conhecimento dos conceitos transcendentais da sabedoria. Trata-se de um
ensinamento, de uma teologia, sobre o sentido do mundo e da vida. O monge
noviço, desde a infância, recebe este ensinamento. Deve saber para onde vai. O
Raja Yoga alimenta a inteligência.
2) HATHA YOGA: domínio do
corpo físico. Controle da fome, da sede, do frio e do calor, em resumo, da dor
física. É um método comum, hoje, no Ocidente, baseado na respiração, e que
utiliza a posição do corpo. O exército utiliza-o em certos treinos.
3) LAYA YOGA: domínio do psiquismo
(memória, imaginação, paixão: medos, alegrias e tristezas). Este método está na
base de toda a educação. É feito de exercícios mnemotécnicos, de textos
aprendidos de cor, de exercícios de virtude, como nas escolas ocidentais.
4) KUNDALINI YOGA: este yoga
é o que fascina os ocidentais, uma vez que a sua finalidade específica é
desenvolver poderes psíquicos presentes em todos os homens e esquecidos
(telepatia, telecinesia, descorporização, visão da aura, sexto sentido,
levitação)[246].
Segundo os monges do Tibete,
uma segunda forma de Kundalini, permite o contacto com os espíritos (= anjos).
Praticam um espiritismo com prudência, que explica as peripécias de que têm
experiência).
5) SAMADITI YOGA: para um
lama, os quatro primeiros yogas não são senão meios. Dão ao homem as cordas e
os pistões necessários à escalada da montanha. Mas a finalidade, o cume, é
SAMADITI ou iluminação suprema. Apenas uma elite o atinge, e os testemunhos
destes privilegiados são surpreendentes: falam de uma Luz inacessível, de uma Realidade
suprema. Trata-se de uma experiência mística e a tradição afirma que aquele que
a atingiu, escapa aos ciclos da reencarnação.
Uma vida inteira, quase não
chega para um tal ascensão. Ao ler os escritos místicos do Tibete, encontramos
expressões parecidas com as dos maiores místicos cristãos: fala-se de chama
viva de amor (S. João da Cruz), de êxtase super substancial (S. Diniz). Sem ir
longe demais, não se trata no entanto duma verdadeira experiência de Deus, uma
vez que o ensino fundamental do Raja Yoga afirma que tudo é ilusão.
Esta experiência é por vezes
sentida por monges, como pessoal: “Alguém está presente”. Neste caso, parece
não ser o fruto natural de uma vida inteira consagrada à prática do yoga.
Parece mesmo marcar uma ruptura, uma vez que alguns não a vivem senão quando
muito velhos, no momento em que o corpo doente perde pouco a pouco os frutos
dos quatro primeiros yogas. Parece ser antes, a descoberta da vaidade de toda
essa vida passada.
O Budismo do Tibete é uma
magnífica religião, sem dúvida a mais bela que o homem alguma vez inventou pela
sua própria reflexão. Aproxima-se do cristianismo pelo seu ponto mais alto e
pela sua finalidade: Deus.
Mas o caminho que leva a
esse ponto alto é bem diferente. O mestre do cristianismo, Jesus, ensina a
impossibilidade do homem alcançar Deus, pelas suas próprias forças. É mais
difícil ao homem alcançar Deus, que uma andorinha elevar-se até ao sol. Deus
habita nas alturas inacessíveis. A luz do seu rosto é mais forte que as
capacidades da nossa inteligência. O único caminho que conduz a Deus não está
no homem, mas só em Deus, que pode realizar o que nos é impossível.
E Jesus anuncia aos homens
que este caminho que conduz a Deus existe: “Eu sou o caminho, a verdade e a
vida”[247].
Anuncia que ele mesmo, Jesus, não é senão o Deus Todo-Poderoso, o Criador do
Céu e da Terra, feito homem para anunciar esta boa-nova.
A condição pressuposta (DISPOSIÇÃO) para entrar
neste caminho que conduz a Deus, é a humildade: “Se não vos tornardes como
estas crianças, não entrareis no Reino dos Céus”. Jesus pede aos homens que
reconheçam simplesmente a sua pequenez, a sua incapacidade de se salvarem por
si mesmos. Pede-lhes que renunciem a toda a pretensão de alcançar Deus pelas
suas próprias forças. Deus promete, então, encarregar-se do resto, elevar ele
próprio aqueles que entram no jogo, às alturas mais elevadas do amor e da
contemplação de Deus.
É que a condição que faz (SANTIFICAÇÃO) a relação com
Deus, ultrapassa as forças humanas: é uma amizade (Agape) com Deus, amizade impossível
com o Todo Outro, excepto se ele próprio se baixar e elevar o homem a uma certa
igualdade com ele.
No cristianismo, viram-se
criancinhas aceder aos mais altos cumes da vida mística, segundo esta palavra
de Jesus: “Eu te dou graças, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra porque escondestes
estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelastes aos pequeninos”[248].
Viram-se prostitutas e pecadores atingir num instante, por causa da sua grande
humildade, alturas de graça, de fazer empalidecer os mais avançados monges do
Tibete. Viram-se homens muito jovens, como Estêvão, clamar: “Vejo o céu aberto
e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus”[249].
O caminho do cristianismo
para Deus, é, pois, o extremo inverso do caminho do budismo tântrico. A mística
precede a ascese. Um salmo cristão põe Deus a falar os homens da seguinte
maneira: “Ama-me tal como és. Se esperas ser perfeito para me amares, nunca me
amarás”. No budismo, a ascese precede a mística, ao ponto de ser impensável
atingir o SAMADITI sem passar pelo caminho da prática dos quatro primeiros
Yogas. Um texto sagrado do Tibete diz: “Antes de pretenderes às alturas,
torna-te perfeito”.
Não se confundam, pois,
estas duas religiões. São opostas[250].
É impossível ser ao mesmo tempo budista e cristão. A teologia cristã é
inconciliável com o Raja Yoga. Um cristão, se se convertesse ao budismo
tântrico, perderia Deus.
Inversamente, é
perfeitamente possível a um cristão assumir para o seu crescimento pessoal, as
práticas de ascese ensinadas pelos Hatha, Laya e Kundalini Yoga. Estas práticas
não são senão técnicas que ajudam a melhor controlar o corpo e o psiquismo. Na
medida em que permitem ser mais homem, ajudam a vida cristã.
Espero que Deus enviará um
dia ao povo tibetano um dos seus apóstolos, um homem de palavras de fogo, que
lhes anunciará esta maravilhosa notícia: “Não há mais necessidade de esperar
toda uma vida para alcançar Deus. Jesus morreu e ressuscitou por vós”.
CAPÍTULO 2: Para além dos fenómenos paranormais
Existe um dom, diz S. Paulo,
que os ultrapassa a todos[251].
Depois de termos visto todos
os carismas que Deus pode dar aos homens, depois de ter descrito os poderes,
poder-se-á imaginar algo de maior, algo que tornaria pequeno tudo o resto? S.
Paulo responde o seguinte: “Mesmo se eu falar as línguas dos homens e dos
anjos, se não tiver CARIDADE, nada sou. Se tivesse o dom de profecia e
conhecesse todos os mistérios, e toda a ciência, se tivesse a plenitude da fé,
uma fé capaz de transportar montanhas, se não tiver Caridade, nada sou. Se
distribuir todos os meus bens aos pobres, se lançar o meu corpo às chamas, se
não tiver Caridade, de nada serve”[252].
A Caridade é essa força dada
aos homens, que permite amar Deus de todo o coração, com toda a alma e com
todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo. É ela, e só ela, que faz de
um homem, um cristão. Ela é o começo e o fim de toda a Bíblia. Ela é a razão
que levou Deus a morrer por nós como um escravo. Ela é a porta que abre o Céu.
Viveremos dela pelos séculos dos séculos.
A Caridade é o maior dom de
Deus, porque, com ela, Deus se dá também.
Nada é mais simples. Basta
pôr-se a pedir: “Se alguém bater à porta, abri-la-ei”[253].
Deus não deixa nunca sem resposta (mas a resposta não é sempre imediata) aquele
cujo coração está de joelhos e que chama.
O homem que tem a coragem de
empreender este caminho, jamais ficará decepcionado, mesmo se a resposta não é
imediata.
Deus começa por lhe dar a
fé, se ele a não tem. Para isso, revela-lhe a sua presença. Pode faze-lo de
múltiplas maneiras: milagres, prodígios, sinais. Mas, a maioria das vezes,
limita-se a dar a conhecer a sua presença através de graças sensíveis, intensas
e doces. Aquele que, um dia, experimentou desta maneira a presença de Deus,
corre fortemente o risco de jamais a esquecer. Entra na aventura da fé que, se
for fiel, o conduzirá a amar Deus e o próximo, mais que a própria vida. A fé o
conduzirá à Caridade, e Caridade o conduzirá a Deus, contemplado no silêncio.
A vida contemplativa está
aberta a todos os homens, quaisquer que sejam: “Vinde a mim, diz Jesus, vinde a
mim, vós todos que estais cansados sob o peso do fardo, que eu vos consolarei”.
É comparável a um casamento, excepto que aqui, o amado é Deus.
Como toda a história de
amor, conhece três idades. A primeira é a do noivado: como uma noiva é a alegria
do seu noivo, o jovem convertido encontra em Deus a sua alegria. Tudo é simples
neste primeiro momento, porque Deus dá a jorros, consolações sensíveis. A
oração é levada sobre as asas do prazer que proporciona. Deus parece palpável,
de tal forma se torna presente[254].
A segunda idade é a da
aprendizagem da fidelidade. Todos os casais humanos experimentam este momento
difícil, que acompanha a aprendizagem da vida comum. Quando as alegria
sensíveis dos primeiros momentos acabam, porque perdem a sua novidade, quando a
alegria de estar juntos não mais é suficientemente sensível para aguentar tudo,
é preciso aprender a amar o outro por ele mesmo. É por causa desta provação,
desta passagem necessariamente difícil, que os divórcios são tão numerosos nos
jovens casais.
Deus age da mesma forma com
o homem que o procura. Depois de ter cumulado o seu coração no noivado místico,
retira pouco a pouco as graças sensíveis. Convida o amado a amá-lo por ele
mesmo, independentemente de todo o prazer que traga. Convida-o a que lhe mostre
a sua fidelidade. Jesus chama a este momento, a cruz: “Se alguém me ama, tome a
sua cruz e siga-me”[255].
Este momento pode ser terrível, pode ser uma verdadeira noite escura. No
entanto, é o momento onde Deus está mais presente ao seu amado. Uma religiosa
viu um dia em sonho, a sua vida inteira. Assemelhava-se a uma longa praia de
areia. Jesus caminhava ao seu lado, segurando-a pela mão, e deixavam ambos as
pegadas na areia. Ora, ao contemplar os momentos que tinham sido os mais
difíceis da sua vida, apercebeu-se que não havia senão um par de pegadas.
“Jesus, perguntou ela,
porque me abandonaste naqueles momentos onde tinha tanta necessidade de ti?
Não te abandonei, peguei-te
ao colo”. Como no casamento, aquele que soube ser fiel na provação, colhe no
cêntuplo, os frutos do seu amor. Os velhos casais, que permaneceram unidos
indissociavelmente, apesar do bem e do mal que sofreram, amam-se mais que nos
momentos apaixonados da sua juventude. Não são mais que uma só vontade, um só
coração. Podem recomeçar a dar-se a mão.
Da mesma forma, na vida de
Deus, a terceira idade segue-se à provação. A cruz é a porta do que se chama o
desposório místico com Deus. Não se trata do fenómeno extraordinário que
descrevemos mais acima[256].
Trata-se da realidade contida sob este símbolo. Deus torna-se esposo daquele
que o ama. Dá-se a ele, entrega-se e vem habitar o seu coração. O homem passa a
ter direitos sobre Deus, como num verdadeiro casamento. É um mistério que não
posso explicar. Talvez que compreendam um pouco, se deixar falar aqueles que o
viveram.
Santa Isabel da Trindade,
foi uma dessas esposas de Deus. Ela fala-lhe, e as suas palavras vêm do dom de
sabedoria:
“Ó meu Deus,
Trindade que adoro.
Ó meu Cristo amado,
crucificado por amor,
Queria ser uma
esposa para o vosso coração.
Ó Verbo eterno,
Palavra do meu Deus.
Queria passar a
minha vida a escutar-vos”.
Santa Catarina de Sena,
soube que podia obter tudo de Deus, uma vez que se tinha unido a ele para
sempre:
”Meu Deus, não
largarei os vossos pés.
Não largarei a vossa
presença,
E não cessarei de
vos importunar
Até que me deis o
que desejo para a vossa Igreja”[257].
Mais que todas as palavras,
o silêncio fala deste mistério feito para todos nós.
Que este silêncio de Deus,
que é plenitude de amor, que vale mais que todos os fenómenos paranormais,
encha o vosso coração, até ao dia em que veremos o seu Rosto, face a face.
Jesus exprime este facto através de uma história muito esclarecedora: “O Reino
dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo e que um homem encontra:
esconde-o de novo, vai, cheio de alegria, vender todos os seus bens e compra o
campo.
O Reino dos Céus é ainda
semelhante a um negociante de pérolas preciosas: tendo encontrado um pérola de
grande valor, foi vender tudo quanto possuía e comprou-a”[258].
[1] João 14,11.
[2] Lucas 6,26-30.
[3] Lucas 8,26-33.
[4] Quer dizer, frequentemente, a ciência oficial. O
professor Yves Rocard, ao estudar, sem a
priori, nos anos 80, o fenómeno do vedor, actuava no entanto como um
verdadeiro cientista. O facto de ser posto de lado, não é senão consequência de
uma ciência demasiado dogmática.
[5] Ver a este respeito: Doutor R. Serville,
“Lévolution est-elle une hypothèse scientifique?”, Pensée Universelle, 1975.
[6] Cassete vídeo de B. Lancelot. Mas não o fazia
primeiramente com uma finalidade de conhecimento puro. A pesquisa de um tipo de
comunicação militar por telepatia não levou a nada, por causa das propriedade
do fenómeno da telepatia, que nunca é verificável senão por probabilidades
variáveis segundo os casos.
[7] Cassete vídeo sobre o Sudário de Turim, da
comunidade Béatitudes.
[8] João 20,7.
[9] NOTA SOBRE A DATAÇÃO PELO CARBONO 14:
Este
método consiste em medir a quantidade de carbono radioactivo num tecido vivo,
depois da morte ter interrompido a sua absorção. Sabendo que a metade do
carbono 14 se decompõe em 5000 anos, a data da colheita do linho que serviu
para tecer o sudário, é fácil de deduzir.
Uma
conclusão tão rápida, é séria? Sentimos nela todo o desconforto de uma ciência
que, longe de dominar a situação, é posta à prova, passado ao crivo por um
pedaço de tecido. Que teria feito um verdadeiro cientista, um investigador da verdade, face aos resultados
contraditórios dados por três métodos de datação? Ter-se-ia interrogado sobre o
valor objectivo de cada um. Para o teste com carbono 14, ter-se-ia assegurado
que as suas medições não tinham podido ser falseadas: o sudário estava limpo,
exempto de toda a contaminação de carbono acrescentada mais tarde, pelos fumos
das velas, por exemplo, que desde sempre queimaram diante das relíquias? Ou,
ainda, pelo carbono daquele incêndio que fez desastradamente que o tecido
ficasse ruço em vários sítios, no século XVI? Se o sudário é um ninho de pó
capaz de manter 20 séculos de grãos de pólen, que valor atribuir à medição com
carbono 14? Em qualquer caso, nenhum cientista digno desse nome, teria fechado
tão depressa um dossiê onde nada foi explicado. Este exemplo, tomado de entre
outros, manifesta que, mesmo no mundo científico, acontece ver-se apenas aquilo
em que se acredita! Claude Bernard previu: “os
homens que têm uma fé excessiva nas suas teorias ou nas suas ideias, estão não
apenas mal preparados para fazerem descobertas, mas são também muito maus
investigadores”.
Não se
trata, bem entendido, de rejeitar toda a ciência, bem pelo contrário. Uma
ciência bem feita, aplicada segundo as regras objectivas do seu método, não
pode senão ajudar a investigação nestas matérias. A verdade tem tudo a ganhar
com isso e a verdade nunca pode meter medo. Não pode senão esclarecer a fé,
afastando-a dos elementos que não fazem parte dela. Não é Deus, o Criador de
toda a verdade? O que chamo uma ciência mal feita, é aquela que o orgulho exalta, aquela que pretende saber,
quando não provou nada. Reconhecemo-la por um sinal perfeito: jamais emprega a
palavra hipótese. Não fala senão de certeza. Eis um raciocínio de maus
cientistas: “A Virgem não existe, portanto Bernadette foi vítima de alucinações
em Lourdes”. Ou ainda: “A Bíblia diz que o mundo foi criado por Deus, portanto
a teoria da evolução é falsa.”. Nos dois casos, saímos do método científico,
porque partimos de um a priori, de
uma opinião, de uma fé (quer seja ateia ou religiosa). O cientista, pelo seu
método próprio, não conhece senão o que pode medir, quantificar. Não parte das
suas convicções em matéria religiosa ou filosófica. É preciso aprender a
respeitar os níveis do conhecimento. Muitos conflitos, muitas incompreensões,
serão então desfeitos. Em cada um dos nossos estudos, procuraremos respeitar
estes níveis e utilizar ao máximo a ciência e a filosofia. Esperamos assim
tornar a exposição da fé mais clara e precisa.
[10] A Igreja nunca tomou posição sobre o Santo Sudário. O Papa Paulo VI, em 1973, confessava-se impressionado pela profundidade e pela santidade do rosto impresso sobre o sudário. Na execução do testamento do rei Umberto II de Itália, o Santo Sudário tornou-se propriedade da Santa Sé, em 1983. Nessa ocasião, o Professor John Jackson, entregou ao Papa João Paulo II, o manequim em fibra de vidro, realizado com o auxílio de computadores, a partir dos exames científicos do sudário, restituindo assim, em três dimensões, a imagem da personagem que figura no pano. O cardeal Ballestro, arcebispo de Milão, tornou públicas em 13 de Outubro de 1988, as conclusões dos peritos designados por ele, com o acordo do papa João Paulo II, para o exame do Santo Sudário. Os traços são os de um supliciado, submetido às mesmas torturas que as descritas na paixão de Cristo. O mistério permanece igualmente, quanto ao facto de a imagem estar marcada no tecido em negativo (noção desconhecida antes da invenção da fotografia), e em três dimensões (uma fotografia ou uma pintura são a duas dimensões). Para o cardeal Ballestro, o Santo Sudário permanece um objecto excepcionalmente evocador dos sofrimentos de Cristo, e por isso continuará a ser objecto de veneração pelos cristãos. O Santo Sudário não é objecto de fé, é um sinal para nos ajudar a acreditar na paixão terrestre de Cristo.
[11] Sabedoria 18,4.
[12] Apocalipse 1,15-16.
[13] João 16,14; Mt 16,18.
[14] Lucas 22,31-32.
[15] Do latim: Mestre.
[16] Lucas 22,32.
[17] João 16,13.
[18] Mateus 16,18.
[19] Na Constituição Lumen Gentium, 25.
[20] A vocação do teólogo, 24 de Maio de 1990, nº 13.
[21] Expressão do Concílio Vaticano II.
[22] Pio XI, Motu Proprio, 29 de Junho de 1914.
[23] Êxodo 3,14.
[24] Êxodo 33,23.
[25] Lucas 1,37.
[26] Mateus 28,19.
[27] Mateus 11,29.
[28] Credo de Paulo VI, 1968.
[29] O que não quer dizer que não possam existir de forma alguma “criaturas intermediárias” dotadas de corpo psíquico. Os muçulmanos acreditam nisto (os djiins) e S. Paulo sugere-o em Efésios 6,12: “Porque não é contra adversários de sangue e de carne que temos de lutar, mas contra os Principados, contra os Poderes, contra os que regem este mundo de trevas, contra os espíritos do mal que habitam os espaços celestes.” A sua existência seria lógica, entre os homens (biologia, psiquismo e espírito, e os anjos - puros espíritos). Poderiam explicar alguns fenómenos grotescos, pouco dignos dos anjos, no espiritismo.
[30] Todo o restante ensinamento que vou tentar desenvolver, está por vezes marcado pelo carácter de infalibilidade habitual da Igreja (sobretudo quando desenvolve um destes cinco pontos), por vezes, por uma simples mas profunda veneração, seja por causa da autoridade dos seus mestres que a ensinaram (S. Diniz, S. Tomás de Aquino), seja por causa da sua concordância com a Escritura. Ver sobre este assunto: João Paulo II, ‘Anjos e demónios, a fé da Igreja’, edição do Laurier; S. Tomás de Aquino, Tratado sobre os anjos, na Suma Teológica; Diniz, A hierarquia celeste.
[31] Êxodo 33,20: Esta palavra é dirigida no texto, aos homens. Mas pode ser também aplicada aos anjos. Os anjos não podem morrer como os homens, uma vez que não têm corpo. Mas se Deus não fortalece o seu ser, podem ser desestabilizados na sua própria existência pela luz demasiado intensa de Deus.
[32] Génesis 1.
[33] É bem notório que esta palavra não está na Escritura. Trata-se de uma tentativa de reconstrução teológica.
[34] Lucas 18,17
[35] Mateus 12,34.
[36] Nos anjos, o ódio não é um sentimento passional, mas uma vontade fria e metálica que os leva a fazer mal.
[37] Jeremias 2,20.
[38] João 13,8.
[39] João 13,6-7.
[40] Apocalipse 12,7.
[41] Esta palavra não está na Bíblia, mas é uma tentativa de reconstituição do combate espiritual entre os anjos.
[42] Isaías 14,12.
[43] João 8,44.
[44] Apocalipse 12.
[45] Para o estudo deste poder angélico, ver o estudo específico na Parte 3.
[46] Efésios 6,12.
[47] Génesis 1.
[48] Quer dizer, dons cuja origem está na natureza humana, mas que não se podem exercer plenamente sem a ajuda de Deus.
[49] Para encontrar os textos dogmáticos sobre a origem do homem, ver ‘A fé católica, textos doutrinários do Magistério da Igreja’, edição Orante, 1982.
[50] Alocução de 22 de Outubro de 1996 à Academia Pontifícia das ciências (O.R. de 24 de Outubro de 1996).
[51] Génesis 2.
[52] Ver Credo do papa Paulo VI, dado à Igreja em 1968.
[53] Génesis 6,3.
[54] Génesis 3,24. Mas, prolongar a vida humana em vários séculos será um dia provavelmente possível. Pode dar-se o caso que a audácia dos investigadores seja um “tremor apocalíptico”. Entendo com isto um desses actos graves de que não entendemos as consequências senão conhecermos as razões que levaram Deus a tornar o homem mortal.
[55] Ver Suma Teológica de S. Tomás de Aquino.
[56] Génesis 2,18.
[57] Génesis 1,28.
[58] Génesis 2,19.
[59] Génesis 1,28.
[60] 1João 2,7.
[61] Génesis 1,31.
[62] 1Pedro 5,8.
[63] A Bíblia, para exprimir esta cólera de Lúcifer, descreve-o com um Dragão Vermelho de fogo (Apocalipse 12). Trata-se de uma imagem para exprimir a acção de uma inteligência calculista que está pronta a tudo fazer para restabelecer o que lhe parece ser o bem.
[64] Génesis 2,16.
[65] Génesis 3,1. A serpente significa o demónio. Ver a este respeito as palavras utilizadas pelo Apocalipse no capítulo 12,8 para falar do demónio: “… o dragão, a antiga serpente, o diabo ou satanás como lhe chamam, o sedutor do mundo inteiro…”. Se a Bíblia utiliza o simbolismo da serpente para falar do demónio, é porque ela é um animal considerado como o mais astucioso e o mais perigoso.
[66] Frase de St. Agostinho. Amar significa para ele, aqui, o amor de caridade (agape).
[67] Interpretação de Génesis 3,5.
[68] Génesis 3,7.
[69] Romanos 5,12
[70] Ver Secção 1: Os fenómenos paranormais que encontram a sua explicação na natureza humana.
[71] Bem entendido que este poder é limitado por Deus, que vela e não permite os ataques do demónio ao homem senão na única medida em que eles podem servir para seu bem. Os ataques são principalmente as tentações (que passam pela imaginação e pelas paixões) e a possessão, que é uma tomada de poder sobre o corpo.
[72] Romanos 11,33.
[73] Macrcos 1,13. Ver o caso de S. Francisco de Assis no capítulo sobre os milagres.
[74] Adão e Eva, como mostrámos, possuíam um dom preternatural de imortalidade.
[75] Génesis 3,23.
[76] Ver desenvolvimento deste assunto no capítulo sobre Budismo Tibetano.
[77] Mateus 13,45.
[78] Ver “Historia, nº 427 bis, p. 70 ss.
[79] Ver capítulo 9, secção 6: Fantasmas e almas penadas.
[80] Ver capítulo consagrado a estes assuntos.
[81] N. T. ‘Minitel’: uma forma de televisão interactiva que permitia obter algumas informações; espécie de internet antes da internet.
[82] A Caldeia situa-se na Mesopotâmia, próxima do actual Iraque.
[83] Ver Suma Teológica, questão sobre a adivinhação, IIa, IIae, questão 95, artigo 5.
[84] Pelo menos quando a liberdade é perfeita, quer dizer, na medida em que se liberta das pulsões da vida psíquica, o que é raro.
[85] Génesis 1,14.
[86] A era do peixe terminou nos anos 1980-1990, para deixar lugar à era do aquário.
[87] Suma Teológica; Tratado da religião.
[88] Existem técnicas que se baseiam sobre a forma do rosto.
[89] Raymond Moody, “A vida depois d vida”, Caravela.
[90] Ver capítulo sobre os milagres
[91] Relato de Sta. Margarida Maria.
[92] Apocalipse 4,3
[93] Não se trata da fé teologal mas de uma simples fé humana fundada sobre sinais evidentes. Esta fé do momento da morte não deixa qualquer lugar à ignorância, circunstância atenuante de muitos pecados da humanidade.
[94] Esta expressão é de St. Agostinho.
[95] 2Coríntios 12,2-4.
[96] Miraculosamente marcado pelos estigmas de Cristo.
[97] Ver capítulo sobre as aparições.
[98] Não se trata aqui de ingenuidade mas de confiança em testemunhas sólidas. S. Tomás de Aquino dá-nos ele próprio o exemplo desta atitude, quanto a fenómenos paranormais muito mais incríveis. Ver por exemplo o tratado sobre os anjos, questão 51, artigo 4, resposta à objecção 6: “Muitos estão seguros de terem experimentado ou ouvido falar que anjos se teriam apresentado a mulheres e consumado com elas a união, portanto, negá-lo parece imprudência”. Sabemos agora que estes “íncubos” são fantasmas sexuais obsessivos, mas a teologia continua a colocar a sua possibilidade, em certos casos, verdadeiras obsessões vindas dos demónios.
[99] Mateus 14,26.
[100] Ver Secção VI: O dedo de Deus
[101] Lucas 4,10
[102] 2Tessalonicenses 2,9
[103] O célebre livro de Lobsang Rampa que tem este título, mesmo se não é formalmente rejeitado pelo Dalaï Lama, não é senão a obra de um hábil e erudito escritor inglês.
[104] Êxodo 34,29
[105] Lucas 9,28
[106] Ver a ciência face aos fenómenos paranormais.
[107] Ver capítulo sobre os anjos.
[108] Quer dizer, os domínios da inteligência e da profundidade do coração. Mas atenção: o anjo tem acesso às faculdades psíquicas ligadas a um órgão (imaginação, paixões, memória). Tem pois a possibilidade de deduzir daí os pensamentos do coração, pelo menos a maioria das vezes.
[109] Ver Suma Teológica de S. Tomás de Aquino, Tratado sobre os Anjos, questão 57, artigo 3.
[110] Tobias 12,19
[111] Números 23
[112] Tobias 3,7
[113] S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, Tratado sobre os Anjos, questão 51, artigo 3, resposta à objecção 6.
[114] S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, Tratado sobre a Providência de Deus, questão 110, artigo 4.
[115] S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, O poder dos Anjos sobre a criação, questão 110, artigo 3.
[116] Reler o capítulo 3 da secção 4.
[117] Lucas 16,26
[118] “Quando entrar no outro mundo”. Este detalhe é importante porque, segundo muitos testemunhos de santos (Santo Atanásio, S. Malaquias), existe depois desta vida um primeiro grau do purgatório cujo lugar é nesta terra. É a etapa das almas errantes, que a Bíblia chama o “território das sombras”. Estas almas, sem verdadeiramente terem entrado no outro mundo, erram ainda de forma não visível no nosso mundo e chegam por vezes a fazerem-se escutar pelos vivos. Pode acontecer, no espiritismo, que estes espiíritos infelizes provoquem fenómenos.
[119] Cântico dos Cânticos 5,6
[120] Ver capítulo 9: os fantasmas e as almas penadas.
[121] N. T. : “Plaquettes du oui-ja” em françês no texto. A ideia é a de uma resposta ‘sim’, ou ‘não’, por isso optámos por esta tradução.
[122] Ver com cautela, o livro do Pe. Brune: Pourquoi les morts nous parlent?
[123] A invocação de que falo não é a simples oração que podemos fazer a um ente querido para obter auxílio. Trata-se de um pedido com o objectivo de obter uma manifestação exterior desse espírito. Muitas vezes são acompanhadas de rituais de aparência mágica. A invocação parece ser mesmo condição necessária ao fenómeno. Sem ela, por mais que haja concentração, o copo colocado no centro da mesa não mexe um milímetro. Esta constatação permite-nos excluir a hipótese de um fenómeno de telecinésia colectiva. Estamos realmente em presença de algo que ultrapassa o homem.
[124] Acto da Santa Sé, 01-06-1917.
[125] Deuteronómio 18,10-12.
[126] 1Samuel 28
[127] Mesmo os santos, experimentaram às vezes a imprudência que constitui toda a invocação com o objectivo da aparição de um morto. S. João Bosco foi um deles. Ele mesmo conta: “Entre Comollo e eu, disse ele próprio, existia uma amizade muito sincera, acompanhada de uma confiança ilimitada. Bastantes vezes falávamos do que nos podia acontecer a todo o momento, por exemplo, se a morte nos viesse a separar… Um dia, acabámos por trocar esta promessa: ‘Aquele de nós que morresse primeiro, poria o outro, se Deus o permitisse, ao corrente da sua salvação eterna’. Não me dei conta da importância de tal promessa. Devo confessar que havia nela muita leviandade. Como quer que fosse, não aconselharia nunca a ninguém que agisse assim. No entanto, tínhamo-la feita e mesmo, repetidamente, sobretudo durante a última doença de Comollo. As suas últimas palavras e o seu último olhar deram-me a certeza de que ele não faltaria à promessa. Muitos dos meus companheiros estavam, aliás, ao corrente da situação. Comollo morreu em 2 de Abril de 1893. No dia seguinte à tarde, realizou-se o funeral solene, na Igreja de S. Filipe. Os que conheciam a promessa, esperavam impacientemente a sua realização. Eu próprio, já não vivia; e, além disso, esperava do acontecimento um grande reconforto para o meu sofrimento. Nessa noite, deitado há algum tempo, não conseguia adormecer. Estava convencido de que seria nessa noite que, no nosso dormitório que tinha cerca de vinte seminaristas, se verificaria a promessa. Seriam cerca das onze horas e meia, quando o local foi subitamente alarmado por uma grande barulho, que parecia avançar pelos corredores. Dir-se-ia uma poderosa carroça puxada por uma imponente parelha, que se aproximava da porta do dormitório. De instante par instante, o barulho amplificava-se tragicamente, fazendo tremer o dormitório, como se fosse um trovão. Espavoridos, os seminaristas saltaram para fora da cama e refugiaram-se num canto, reconfortando-se como podiam. Nesse momento, um trovão ainda mais aterrador que os anteriores, ressoou e por três vezes ouvimos distintamente a voz de Comollo: “Bosco, estou salvo”. Todos ouviram estes barulhos; vários, as palavras de Comollo, mas sem lhes compreenderem o significado. Outros, no entanto, compreenderam-na tão bem como eu. Durante muito tempo ainda, falou-se deste acontecimento no seminário. Foi a primeira vez, confesso, que tive verdadeiramente medo. E mesmo, o meu terror foi tão grande que caí gravemente doente e quase morri”.
[128] Ver capítulo dedicado a este assunto.
[129] Mateus 10,28
[130] 1Pedro 5,8
[131] O problema das sessões de espiritismo repletas de espíritos grotescos ou grosseiramente mentirosos, coloca a questão da existência desses espíritos intermediários de que fala S. Paulo e que os muçulmanos chama “djinns”. Com efeito parece indigno que puros espíritos, mesmo satânicos, se entreguem a certas brincadeiras duvidosas. Como quer que seja, se existem e intervém, são uma vez mais entidades negativas.
[132] Carta ao seu amigo Mac Guinn.
[133] O adepto do espiritismo acredita estar face a um bom espírito, ao contrário do feiticeiro que chama explicitamente os demónios.
[134] Lucas 4,3
[135] Comentário de S. Lucas, de St. Atanásio.
[136] Recordemos que segundo a teologia católica, o destino não existe: a nossa vida não está pré-programada como se fossemos computadores iludidos por uma certa liberdade. A liberdade humana existe realmente e depende dela, muitas vezes, que mudemos de vida. Não podemos propriamente falar de destino quanto aos diversos condicionamentos que se nos impõem: não escolhemos o nosso corpo mas recebemo-lo da biologia dos nossos pais, não escolhemos o nosso condicionamento social.
[137] Os livros do Pe. François Brune, apesar do respeito que tenho por este padre sincero, parecem-me demasiado sedutores para serem lidos por alguém pouco seguro da sua Fé. São, pois, a meu ver, absolutamente de desaconselhar.
[138] Trata-se, pois, de magia branca…
[139] Deuteronómio 18,5-10.
[140] Ver, por exemplo, 1Samuel 9,9. “Vamos ter com o vidente”. Outrora empregava-se ‘vidente’ para designar ‘profeta’.
[141] Moisés, no Deuteronómio, profere esta ameaça em nome de Deus: “Se um profeta tem a audácia de dizer em meu nome uma palavra que não ordenei dizer e se falar em nome doutros deuses, morrerá”, Deuteronómio 18,20.
[142] Números 23.
[143] Numéros 24,4
[144] Ver o capítulo sobre a profecia e 1Coríntios 10, 12 e 13,2.
[145] Existem muitas outras profecias dadas pela Virgem e algumas reconhecidas pela Igreja. Ver, por exemplo: Anna Maria Turi: Pourquoi la Vierge apparaît-elle aujourd’hui?, Felin, 1968.
[146] Ver capítulo sobre a profecia.
[147] Ver 2Reis 3,15
[148] Ver a questão sobre o espiritismo.
[149] Aliás, não diz respeito senão ao que se designa por profecias de predestinação (as que são dadas por Deus sem condição) e não profecias de ameaça ou promessa condicionais, como esta: “Se não vos converterdes, morrereis”. Ver capítulo sobre a profecia. As testemunhas de Jeová, leitores submissos à Bíblia (é pelo menos assim que se apresentam) apressaram-se a pôr de lado esta palavra bíblica do Deuteronómio, que bem se aplica a eles.
[150] Números 12,6
[151] Ver S. Tomás de Aquino, A adivinhação, questão 59, artigo 6.
[152] Sabedoria 17,4
[153] Ver Capítulo 4.
[154] Génesis 41,7
[155] Ver capítulo consagrado a este assunto.
[156] S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, questão 95, artigo 6.
[157] Para os sonhos e sua interpretação natural, podem encontrar-se aspectos interessantes em Freud, Jung e outros autores.
[158] A gema é sinónimo de qualquer pedra preciosa.
[159] Apocalipse 4,1-4
[160] Génesis 41
[161] Ver capítulo sobre os milagres.
[162] Comentário do Padre J. M. Jacques.
[163] Um dos numerosos fenómenos provocados pelas sessões de espiritismo.
[164] Ezequiel 8,3.
[165] Ver “A hora da morte”, http://eschatologie.free.fr
[166] Apocalipse 1,9.
[167] Daniel 5.
[168] Produziu-se sem êxtase, uma vez que as crianças viam ao mesmo tempo a Virgem e as pessoas que as rodeavam. Foi sem dúvida causada pela impressão de uma imagem nos olhos dos videntes. Com efeito, se a Virgem tivesse aparecido realmente no Céu desta maneira, é provável que todos a tivessem visto.
[169] Nesta região de Mayenne Norte, a palavra ‘Mais’ isolada, ou no início de uma frase, ainda é utilizada, não como conjunção, mas como interjeição, como por exemplo, para repreender uma criança que faz algo de indesejável. O sentido não é o mesmo que no resto da França. Uma mãe pronuncia por exemplo a palavra ‘mais’, como que com um ponto de exclamação. Ouvem-se mesmo certos antigos camponeses começar as suas frases pela interpelação: “Mais pardon, Monsieur…”.
[170] Estes êxtases negativos podem ser provocados por meios naturais ou artificiais. São negativos porque são excessivos e quebram o equilíbrio psicológico.
[171] Porque a língua dos homens é inteiramente convencional e portanto sem relação com as profundezas do inconsciente.
[172] Lembremos que o demónio gosta, nas práticas de feitiçaria, de instaurar imitações de sacramentos. Quando o sacerdote pronuncia na missa esta palavra: “Este é o meu corpo”, Deus transforma o pão na presença real de Jesus. Igualmente, quando o cantor, adepto da feitiçaria, pronuncia os versos falando de suicídio, o demónio empurra para o suicídio aqueles que tem sob a sua influência.
[173] Espécie de corpo rodeando o corpo físico, composto de energia magnética e sede das faculdades sensíveis.
[174] Evangelho de Marcos 6,49.
[175] Ver capítulo 11, sobre o exorcismo.
[176] Ver capítulo 10, sobre a feitiçaria.
[177] Job 1
[178] Ver capítulo 3, sobre a telecinésia.
[179] 1Reis 19,12
[180] Ver capítulo sobre as aparições.
[181] Álbum do grupo TRUST, “O purgatório” de 1983.
[182] Ver capítulo consagrado à queda de Lúcifer.
[183] Lucas 9,25.
[184] Lucas 4,5
[185] Ver secção 4, capítulo 3: “ a danação”
[186] Ver Suma Teológica de S. Tomás sobre a fé, IIa IIae, questão 14, artigo 2.
[187] Ver a propósito das concupiscência a primeira epístola de S. João.
[188] É chamado o pior dos demónios porque ataca o amor conjugal, quebrando os corações e as famílias. Ver Tobias 3,7.
[189] Ver o livro do Pe. Régimbal: “O Rock’n’Roll e as mensagens subliminais”.
[190] Ver capítulo consagrado aos milagres.
[191] Ver capítulo sobre o exorcismo.
[192] Recordemos que aos olhos dos padres da Igreja, a ordem dos Arcanjos é uma das menos poderosas. Faz parte da hierarquia inferior. Quanto ao combate dos anjos, Ver Apocalipse, capítulo 12.
[193] Génesis 3,15
[194] É a invocação dos homens e mulheres canonizados pela Igreja, e cuja oração prepara a expulsão do demónio.
[195] Ver, por exemplo, Evangelho de S. Marcos, 5,8.
[196] Os pequenos exorcismos são todas as orações escritas no imperativo ou ordem dada ao demónio para sair de um homem ou de um lugar. Por exemplo: “Em nome de S. Miguel, Satanás, sai desta casa”.
[197] Ver Actos dos Apóstolos, 19,11
[198] Ver Evangelho de S. Mateus 12,22
[199] Ver Evangelho de S. Marcos 9,29
[200] Ver Evangelho de S. Mateus 17,19
[201] Ver Evangelho de S. Lucas 11
[202] Pergunta: podemos admitir que os anjos têm um papel na criação do homem e da mulher? O seu papel não pode senão limitar-se a uma certa ajuda na organização do corpo do homem. Mas não podem em caso algum estar na origem do espírito que é uma realidade espiritual. O espírito não pode surgir senão como consequência de um acto criador, portanto de um acto do Deus único e Todo-Poderoso.
[203] Epístola de S. Paulo aos Gálatas 1,8.
[204] Ver Epístola de S. Paulo em 1 Tomóteo 4,1.
[205] Transmigrassão das almas em diversas existências.
[206] Ver Evangelho de S. Mateus 11,14. O retorno de Elias foi profetizado pelo profeta Malaquias 3,23.
[207] Reler o capítulo consagrado ao espiritismo. Mostra que os espíritos que provocam este fenómeno são muitas vezes demónios.
[208] Ver Evangelho de S. João 14,2.
[209] Reler a este respeito o capítulo consagrado ao juízo final. Se insisto aqui na misericórdia infinita de Deus que está pronta a perdoar até ao fim, não devemos esquecer a sua justiça. Seria pois um erro pecar toda a vida dizendo que Deus perdoará. Amar Deus é coisa difícil quando não se pensou senão em nós durante a vida.
[210] Ver capítulos sobre a descorporização e sobre as almas penadas.
[211] N. T. : A expressão ‘déjà vu’, é usada em português: “Aquilo que já foi visto”.
[212] Ver o que diz respeito às premonições.
[213] Êxodo 8,15.
[214] Comentário de S. João 14,12.
[215] Lucas 12,49.
[216] Ver a conclusão deste trabalho: o maior dos fenómenos paranormais.
[217] S. Serafim de Sarov. Conversa com Motovilov.
[218] 1Coríntios 12,8.
[219] A Bíblia tem expressões muito fortes quando fala de homens como ele, investidos do poder de Deus: “Javé obedecia à voz de um homem” (Josué 10,14).
[220] Suma Teológica, S. Tomás de Aquino, Tratado sobre a graça, questão 111, artigo 4.
[221] Ver capítulo sobre os milagres.
[222] Ver S. Tomás de Aquino, A Graça, questão 11, artigo 4.
[223] Actos dos Apóstolos 2.
[224] Evangelho de S. Marcos 9,38.
[225] Evangelho de S. Mateus 7,22.
[226] Ver Aparições de la Salette em 1848.
[227] Em Lourdes, não é a Virgem, ela própria, que realiza os milagres. É Deus que actua, respondendo assim à oração da sua mãe.
[228] Ver Evangelho de S. Lucas 7,21.
[229] Evangelho de S. João 9,30.
[230] Evangelho de S. Lucas 5,23.
[231] Evangelho de S. João 11.
[232] Ver “Historia”, nº 394 bis, consagrado aos milagres.
[233] Ler o Livro de Jonas.
[234] Ver “Pourquoi la Vierge apparaît-elle aujourd’hui?”, Anna Maria Turi, 1988, p. 105 ss.
[235] Isaías 7,14.
[236] Isaías 53.
[237] Isaías 52,14.
[238] Evangelho de S. Lucas 21,6.
[239] Evangelho de S. Lucas 21,24.
[240] Evangelho de S. Mateus 23,38.
[241] Evangelho de S Lucas, 23,43.
[242] “Le Fou de Notre-Dame”, Maria Winowska.
[243] Ver: “La harpe de Saint François d’Assise”, Eloi Leclerc, ofm.
[244] Ver Evangelho de S. Mateus 18,18.
[245] Ver o que foi dito antes sobre o dom das línguas de que fala S. Paulo.
[246] Ver capítulo consagrado aos fenómenos de origem natural.
[247] Evangelho de S. João 14,6
[248] Evangelho de S. Mateus 11,25.
[249] Ver Actos dos Apóstolos 7,56.
[250] Tanto quanto eram, no século IV, a sabedoria de Pelágio e a de St. Agostinho.
[251] 1Coríntios 12,31.
[252] 1Coríntios 13
[253] Evangelho de S. Lucas 11,10.
[254] Os adeptos da Nova Era (New Age), espécie de filosofia religiosa oriunda dos USA, fazem deste prazer psíquico o fim último da sua busca. Por diversos métodos de relaxação e de concentração, suscitam propositadamente um sentimento de felicidade tranquila e intensa, análoga à que é experimentada nesta primeira idade da vida espiritual. Mas exaltam-na e fazem dela uma absoluto, esterilizando por consequência toda a possibilidade de entrar numa verdadeira vida espiritual. Jamais saem de si mesmos.
[255] Evangelho de S. Lucas 9,23.
[256] Ver S. João da Cruz.
[257] Ver capítulo sobre os fenómenos místicos extraordinários.
[258] Evangelho de S. Mateus 13,44.